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Itapema FM  | 19/08/2013 11h31min

Em três entrevistas, questionamos pessoas ligadas à universidade: será que todo mundo deveria passar por elas?

O escritor Cristovão Tezza, a reitora da UFSC Roselane Neckel e o americano Dale J. Stephens responderam as perguntas

Roberta Ávila  |  roberta.avila@diario.com.br

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Em 2001 foi lançado o livro Quartelife Crisis, que pode ser traduzido como "crise dos 25 anos". Escrito por Alexandra Robbins e Abby Wilner, o livro foi o primeiro a explorar esse momento da vida dos jovens em que depois de duas décadas de educação formal e passos pré-definidos na vida é necessário se deparar com o mundo real: emprego, finanças pessoais e uma infinidade de escolhas que podem levar a estilos de vida tradicionais, alternativos ou inovadores.

A questão do livro é que tamanha liberdade de escolha, depois de passar a vida  seguindo um traçado, pode ser devastador para os jovens. Se a universidade é a última etapa desse trajeto considerado natural pela sociedade, que papel a instituição exerce para preparar essa transição do estudante para o mundo adulto? A instituição ainda é considerada uma etapa fundamental para o sucesso, mas será que ela de fato é necessária ou muita gente passa por ela apenas porque não questiona a necessidade do diploma?

Órgãos grandes e fundados há décadas, ou mesmo séculos, as universidades apresentam características peculiares: conservam cursos de pouca procura no mercado de trabalho e têm dificuldade de desenvolver e incorporar novas tecnologias e temas de grande procura e aplicação. A três pessoas diferentes a redação propôs perguntas sobre como eles veem a universidade: Cristóvão Tezza, um dos grandes escritores brasileiros da atualidade e ex-professor universitário; Dale J. Stephens, americano fundador da organização UnCollege.org e Roselane Neckel, Reitora da UFSC. Confira as entrevistas. 

Cristovão Tezza, escritor e ex-professor universitário

Você abandonou a vida acadêmica para escrever, como foi essa decisão?
Foi uma relação de custo/benefício existencial para mim. Eu comecei muito tarde. Aliás, comecei aí na UFSC, foi o primeiro lugar onde eu dei aula em 84, primeiro carimbo na minha carteira de trabalho. Logo depois veio uma greve de 100 dias e durante essa greve escrevi um livro chamado Aventuras Provisórias.

Foi engraçado que o livro foi adotado pelo Estado e logo depois mandaram recolher no dia seguinte(risos). Claro que depois o livro foi publicado. Então eu só ia me aposentar com 70 anos, estou com 60, na época 57. Eu fiz um cálculo e decidi que não ia passar mais uma década na Universidade porque estavam aparecendo muitas viagens, muita oportunidade, e o professor cada vez que vai viajar tem que pedir autorização quase ao Congresso. E aquilo começou a me emperrar a vida. Foi uma opção mais pobre porém mais feliz. (risos).

Não me arrependo, até porque meu projeto acadêmico já estava esgotado. Eu não tinha mais desejo de ir adiante. Você vai perdendo energia. Com 60 anos eu não tinha mais energia de dar aula de manhã, escrever um romance de tarde e preparar aula de noite, então eu tive que escolher. Hoje estou só na literatura e estou bem feliz com isso.

Eu vi uma declaração sua afirmando que você acredita que a Universidade pode se tornar irrelevante para a sociedade. Por que isso?
Olha, eu acho que a universidade brasileira está em um momento de crise pelo seu gigantismo, pelo tipo de estrutura que é e o sistema de autodefesa que tem. Ela é uma colcha muito fechada para o mundo exterior e está respondendo mal à realidade brasileira. É uma questão de natureza política e uma discussão interessante que o Brasil precisa fazer.
Quer dizer, aquele modelo, principalmente das federais, que eu defendi ardorosamente nos anos 80, em que a univerdade era a grande inimiga da ditadura, como tinha que ser, ela acabou criando depois uma dificuldade de relação da univerdade com o país depois da abertura democrática. Quando você vai a uma assembleia de professores parece que você está nos anos 80, faixas e tudo. A própria estrutura de perpetuação do poder nas universidades, o modelo dos votos, participação de funcionários e alunos, é um modelo obsoleto e tendo a perpetuar os defeitos e ser totalmente avesso a qualquer mudança. É uma coisa a se pensar.

Existe uma redoma em torno da universidade que é absurda. Um exemplo é essa greve do ano passado, inexplicável, e que durou mais de 100 dias. Para nada. Simplesmente uma demolição do ano letivo com um discurso que não sabe o que quer nem onde está. Uma discussão vazia por salário, que não consegue nada e onde o salário é o de menos, porque a universidade ainda é o estamento mais privilegiado da educação brasileira.

A grande carência do país é o ensino básico. Eu acho que tudo que fosse possível dentro dos recursos na educação brasileira deveriam ser colocados no básico, porque o bom aluno melhora tudo que bem depois. O bom aluno melhora a universidade. Quando você tem o bom aluno na univerdade ele melhora automaticamente a universidade. Agora o mau aluno, de má formação, não tem solução.

Dale J. Stephens fundou aos 20 anos a organização UnCollege.org e defende que estamos pagando muito e aprendendo muito pouco no ensino universitário, que não prepara os estudantes para o mundo real e o mercado de trabalho.

Que tipo de estudantes tem perfil para tomar conta de sua própria educação e se sair bem?
As pessoas associam com frequência a auto-educação com desistir completamente da educação formal. Claro que isso não é viável para todo mundo. Nas área médicas e legal, por exemplo, um diploma é pré-requisito. O que eu defendo é a escolha e a liberdade de ir atrás da sua educação e de desenvolver habilidades da melhor maneira possível, envolva ou não a universidade. Essa diretriz funciona para todo estudante. Carreiras criativas, como a de fotógrafo e músico, são muito mais baseadas em portfólio do que em certificados há muito tempo. Os empregadores deveriam se focar no potencial individual e nas habilidades de cada um ao invés de certificados que não significam nada.

Quando viajo adoro conhecer estudantes que estão perseguindo seus objetivos fora da sala de aula. Uma coisa é fazer uma aula de design e outra é montar seu próprio website. A teoria é importante em algumas áreas, mas é muito importante para as pessoas aprenderem efetivamente a fazer o que elas precisarão no dia a dia da profissão que escolheram e trabalhar ou se voluntariar em um projeto é uma ótima maneira de fazer isso.

As universidades são ambientes propícios para a pesquisa e criação atualmente?
No que diz respeito a recursos financeiros e equipamentepara a pesquisa, as universidades são ótimas. Os problemas são a liberdade para estudar, posse e comercialização do conhecimento. Acredito que no futuro as univerdades vão se abrir mais e ter os equipamentos necessários para pesquisas será o maior trunfo que elas terão.

Frequentar a univerdade é um rito de passagem para a vida adulta? Você não acha que isso pode fazer falta para quem decide não ir à universidade?
Não acredito que frequentar a universidade seja uma experiência social necessária, um rito de passagem, como dizem. É verdade que estudantes conhecem muita gente nesse ambiente, mas isso se restringe a outros estudantes e professores. Socializar no mundo real, criar uma rede de contatos profissionais é muito mais significativo.

Quais são as razões que levam as pessoas à universidade?
Se o campo em que você deseja trabalhar exige um diploma, então vá. Mas a pior razão para fazer faculdade é porque você acredita que é a única opção e não sabe o que mais fazer. É incrível quantos estudantes fazem isso. Encorajo as pessoas a se darem o tempo para descobrir quais são seus interesses e paixões e então decidir o caminho que sua educação deve seguir. É necessário reconhecer seus pontos fortes e tomar o controle da sua vida de estudante. Somos todos únicos, nossa educação também deve ser.

Que mudanças as universidades poderiam fazer para facilitar aos estudantes seguir suas paixões, criar relacionamentos que os ajudem em sua vida profissional e encontrar mentores?
Incorporar o desenvolvimento de habilidades é uma mudança muito importante que precisa ser feita nas universidades. Promover a interação do estudante com mercado de trabalho também ajuda a desenvolver capacidades que vão além da possibilidade da sala de aula. O mais importante é que as faculdade deem mais liberdade e flexibilidade para o aluno aprender o ofício que deseja fora do modelo estrito ditado pelos cursos de graduação. Hyper Island e KaosPilots são exemplos fantásticos de instituições que estão implementando mudanças na sua abordagem da educação superior.

Roselane Neckel, Reitora da UFSC

O formato da universidade é quase o mesmo desde os anos 60. De que maneira ela acredita que a universidade poderia se modernizar?
O formato da universidade hoje é um formato moderno em relação à universidade medieval. Temos estatuto e regimento próprios, em consonância com a legislação vigente. É importante lembrar que passamos pela reforma universitária de 1968, que criou o núcleo comum e não havia vestibular para cursos específicos.

Os alunos entravam cursavam o básico e depois, em função de suas notas, escolhiam os cursos. Isso, segundo depoimentos, gerou uma "relação de competição" entre os estudantes, reforçando o individualismo e criando um conjunto de estudantes que formaram os "excedentes", que não tinham escolha. A pressão social, na época, exigiu transformações, de modo que se voltou a fazer a escolha no vestibular.
Apesar da reforma de 1968 terem sido realizadas em nome da modernização da universidade brasileira, as mudanças pouco contribuíram para uma formação que estimulasse e fortalecesse o trabalho coletivo.

As políticas educacionais na ditatura militar enfatizavam o conhecimento técnico em detrimento da formação de cidadãos. Foram criadas as disciplinas "Estudo dos Problemas Brasileiros" e "Educação Moral e Cívica", as quais destacavam especialmente "que o povo brasileiro é por natureza ordeiro e pacífico".

Cabe destacar um aspecto positivo dessa modernização: a quebra da estrutura que mantinha a cátedra. Na cátedra, um professor era dono de uma cadeira e não permitia que houvesse renovação do conhecimento porque ele determinava quem deveria sucedê-lo na administração daquele conteúdo.

Outro aspecto importante reside no fato de a universidade passar a combinar ensino, pesquisa e extensão.  Quebrou-se aquele viés da universidade reprodutora de conhecimento. A universidade se modernizou e pôs-se ela mesma a pesquisar, a reproduzir e a disseminar o conhecimento, porque foram criados organismos que tanto financiavam quanto regulavam a produção científica no País.

A universidade poderia se tornar mais democrática e ter uma maior participação dos alunos e da sociedade em suas decisões?
A universidade é uma prestadora de serviços essenciais à sociedade, porque ela produz, sistematiza e dissemina conhecimento. O que é uma universidade democrática? Aquela que tem estatuto e regimento? A universidade federal brasileira os tem, e mais, está regida por legislação federal. Quando clamamos por democracia na universidade, temos que cuidar para que ela não fique engessada, com os usos abusivos da democracia, a ponto de não se fazer nada e, para cada decisão a tomar, ser necessário consultar um fórum.

Você acredita que a UFSC responde às necessidades da sociedade? Ela corre o risco de se tornar irrelevante?
A universidade que administro e na qual atuo não tem o risco nem remoto de se tornar irrelevante, porque se hoje temos uma universidade que teve aumento de 20% em relação ao vestibular anterior, que registrou 30.388 candidatos inscritos para uma vaga em 2013, certamente não está nesta rota de perda da relevância. Muito pelo contrário. Isso sinaliza que a UFSC está cada dia mais em sintonia com a realidade do nosso estado e do país.
A UFSC mantém sua importância na sociedade porque se presta a questionar e a apontar soluções para os problemas reais que afligem a realidade em que está inserida, por meio da atuação competente de seus profissionais, independentemente da área e da função em que atuam. A universidade forma, por ano, mais de três mil profissionais. Engenheiros, médicos, professores e tantos outros profissionais. A grande modernização da universidade, além da formação de qualidade no conhecimento específico, é principalmente "formar cidadãos preocupados com o mundo em que vivem e com seus semelhantes".

Você acredita que os cursos devem existir em função da demanda de mercado de trabalho?
Não. Acredito que uma universidade deve também criar cursos que busquem atender às necessidades do mercado, mas não deve atuar única e exclusivamente nesse sentido. Existem profissões muito importantes, como a de professor, que hoje não tem valorização significativa no mercado, mas são a base do desenvolvimento de todas as profissões. Sem professores não teríamos outras profissões.
 
Quais foram as maiores mudanças da UFSC de 1960, quando foi fundada, para cá?
Administrativamente, foram várias mudanças impactantes. Por exemplo, em 1980 o reitor administrava para uma comunidade de 14 mil pessoas; hoje, administro para 50 mil. Na UFSC dos anos 60 e 70 não havia concursos públicos como temos atualmente para servidores técnico-administrativos; as pessoas ingressavam por contratação simplificada. Os professores já ingressavam por concurso. Os salários eram pagos em envelopes diretamente no Departamento de Pessoal. Não havia o controle do Ministério da Educação e do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão pelo SIAPE; os benefícios e os cálculos eram realizados dentro da instituição. Na parte acadêmica, foram muitas as mudanças.

Hoje a UFSC conta com 98 cursos de graduação presenciais e a distância, 34 especializações, 57 mestrados acadêmicos, 12 mestrados profissionalizantes e 54 doutorados. Também a construção do HU como hospital-escola foi significativa para o fortalecimento dos cursos de saúde. Atualmente a UFSC é multicampi: temos os campi de Florianópolis, Joinville, Curitibanos, Araranguá e, em 2014, o campus do Médio Vale do Itajaí.

Que cursos você acredita que podem passar a existir num futuro próximo?
Já foi apresentado e oficializado o Curso de Graduação em Medicina no campus de Araranguá para 2016, com foco na formação na saúde coletiva e na saúde da família. Além disso, nosso curso de Medicina poderá ter uma ampliação de 60 vagas em 2016, mas esta é uma decisão que ainda deverá ser analisada, tendo em vista a necessidade de ampliação de infraestrutura física e de melhorias significativas no Hospital Universitário. Podemos, no futuro, pensar em biotecnologia, biomedicina ou fortalecer áreas de conhecimento em cursos já existentes, como agroecologia, nos cursos de Ciências Rurais, sustentabilidade ou desenvolvimento de tecnologias para pequenos proprietários ou microempresários.

Qual você acredita que seja o objetivo da UFSC como universidade?
A UFSC tem por finalidade produzir, sistematizar e difundir o conhecimento; fazer ensino, pesquisa, extensão. O impacto de sua atuação é medido pelo número de egressos e de nossos técnicos e professores que atuam pelo mundo afora. Este é seu objetivo: servir à sociedade.

DIÁRIO CATARINENSE
Ilustração / Diário Catarinense

Durante o concerto, instrumentos serão trocados por brinquedos
Foto:  Ilustração  /  Diário Catarinense


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