Na página 3 do Anexo de 12 de dezembro de 2001, a chamada "Teatreiros invadem complexo em Joinville" adiantava uma programação tímida de cinco dias de apresentações no palco provisório de um galpão da Cidadela Cultural Antarctica. Poucos haviam entrado naquelas dependências mas, a partir dali, reconheceriam aquele estranho espaço como a casa do teatro joinvilense. Nascia ali a primeira edição da Cena — Mostra de Teatro de Joinville.

O piso era de cimento e, no meio, havia um buraco de esgoto de onde saíam baratas. Esse era o cenário que os teatreiros encontraram logo após a compra da cervejaria Antarctica pela Prefeitura Municipal.

— Impossível colocar em palavras toda a dificuldade que encontramos. Não havia nem mesmo banheiro no espaço, nem água. Tínhamos que carregar água em baldes, de torneiras que ficavam longe do galpão. Sem qualquer infraestrutura. Fazíamos mutirão e levávamos produtos de limpeza de casa. Num dos dias da limpeza estávamos em mais ou menos 12 teatreiros de balde e escovão nas mãos — conta a primeira presidente da Ajote, Ilaine Melo.

Silvestre Ferreira, diretor da Dionisos Teatro — um dos poucos grupos profissionais da época e que disponibilizou sua sede para as primeiras reuniões da Associação Joinvilense de Teatro — lembra que os teatreiros montaram um tablado de madeira para o público e a iluminação vinha de duas torres simples.

Na época, o local não tinha um "dono". As companhias poderiam usá-lo, mas não havia nada que formalizasse a exclusividade. Para assegurar aquela conquista, os grupos mantinham sessões todos os fins de semana.

— Iniciamos o processo de agenda no galpão para, com isso, criarmos o público que, óbvio, não existia. Foi outra luta, tivemos que brigar com a Conurb, que usava o espaço da Cidadela para todo tipo de festa, até mesmo a festa junina do Exercito acontecia lá. Imagina: nós chegando no fim da tarde de sábado para abrir o Galpão e esperar o público, e soldados armados no portão da Cidadela — recorda Ilaine.


Estreia com galpão lotado

Foi desta união de esforços que se configurou a primeira 'Cena'. Todos os grupos, inclusive os surgidos dentro das escolas, tiveram seu lugar na edição de estreia. Os debates, que ocorriam logo após as sessões, eram provocadores e acirrados.

— Havia uma grande vontade em todos nós de realizarmos uma mostra. Mas, assim que o Galpão de Teatro foi destinado à Ajote, vimos que poderia e deveria ser nossa forma de marcar território — frisa Ilaine.

Treze espetáculos cumpriram a programação, que, na abertura, homenageou Miraci Deretti, ex-presidente da Fundação Cultural de Joinville e integrante do Grupo Teatral Renascença, um dos mais celebrados da cena catarinense em meados dos anos 1960. A maioria das peças era de companhias amadoras, ligadas à Casa da Cultura, Colégio Tupy, Univille e até de fábricas, como a companhia da Consul. Todas as sessões tiveram casa lotada.

— Uma sensação de conquista tomou nós todos. Comemoramos com muito entusiasmo cada dia, cada público. Sabíamos que estávamos iniciando um novo momento do teatro em Joinville, e foi sem dúvida o primeiro passo pra muitas outras conquistas — diz Ilaine.

Para Silvestre, a Cena colocou o galpão da Cidadela em evidência e agregou de vez os grupos para um bem comum. Tanto que, logo depois de seu encerramento, foi criada definitivamente a Associação Joinvilense de Teatro (Ajote), herdeira da Associação Joinvilense de Teatro Amador (Ajota).

— A mostra criou uma ideia de perenidade do teatro em Joinville — reflete Ferreira.