Quando a atriz Luciana Mitkiewicz convidou o experiente diretor João das Neves para escrever e dirigir o projeto que se tornaria o espetáculo As Polacas – Flores do Lodo, ouviu um aviso:

– Você está mexendo em um vespeiro.

A peça, que estreou no Rio, em 2011, e chega a Porto Alegre para sessões sexta e sábado, às 20h, no Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, leva à cena a história das chamadas "polacas", judias pobres que vieram do Leste Europeu no final do século 19, algumas delas enganadas com falsas promessas de casamento, e se tornaram prostitutas em cidades como Buenos Aires, São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Nesses lugares, foram rejeitadas pelas comunidades judaicas. Criaram, assim, associações de ajuda mútua que mantinham sinagogas e cemitérios próprios.

Durante muito tempo, o tema foi tabu entre os imigrantes. Um dos primeiros a romper o silêncio foi o escritor Moacyr Scliar (1937 – 2011). Em 1975, ele publicou o romance O Ciclo das Águas, baseado na história real de uma ex-polaca que o autor conheceu em um asilo judaico em Porto Alegre. Hoje, há livros e artigos históricos que recuperam as vidas destas personagens.

– O que me surpreendeu, durante a pesquisa para o espetáculo, foi a alta taxa de suicídio entre elas. Por meio dessas ações drásticas, você compreende a imensa solidão e a luta dessas mulheres – diz João das Neves, que se destacou, nos anos 1960, com o grupo Opinião, uma das forças da resistência cultural à ditadura militar e de valorização da dramaturgia nacional.

Em As Polacas, o diretor e autor propôs um trabalho a partir de fotografias das primeiras décadas do século 20, época em que começa a trama. Algumas imagens são projetadas durante o espetáculo; outras inspiraram as marcações dos atores no palco. O enredo do espetáculo é uma composição de cenas ambientadas na Praça Onze, no Rio. Mostra a relação entre as prostitutas judias e as negras nesta zona do baixo meretrício – e berço do samba. A trilha sonora de Alexandre Elias traduz a miscigenação, valendo-se de música judaica, polca, maxixe e outros gêneros. Uma das canções presentes no espetáculo é Judia Rara, que o célebre sambista Moreira da Silva dedicou a uma polaca com quem namorou.

A atriz Luciana Mitkiewicz, idealizadora do projeto e integrante do elenco, acredita que a ficção pode lançar novas luzes sobre a história:

– A peça tem intuições que os historiadores não alcançaram.

Neves concorda:

– É como uma erva medicinal que a ciência desconhece e depois se descobre que pode curar um câncer.