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Itapema FM  | 15/08/2013 15h06min

Em Florianópolis, a arte urbana incorpora elementos do folclore e do mar

Na última reportagem da série Hip Hop Floripa o assunto é o grafite

Roberta Ávila  |  roberta.avila@diario.com.br

O hip hop não é um movimento orgânico com regras bem definidas e que produz grupos idênticos. Existem várias correntes em cada país, cidade e até bairro. Os elementos incorporam as cores locais. Se nos Estados Unidos há associações violentas, financiadas por traficantes, no Brasil as mais conhecidas são contra as drogas e pregam a paz.

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Esse caráter tranquilo do movimento, que tem no grafite um de seus pilares de expressão, junto com o break, o rap e os DJs, é ainda mais forte em Florianópolis.

- A minha arte tem a ver com o hip hop, pois o grafite é parte dessa cultura. Porém nem sempre os artistas seguem a estética clássica em questão de letras e personagens. As atuações são paralelas e convergem em alguns pontos como eventos, festas e intervenções ocupando o mesmo espaço onde os praticantes interagem e trocam experiências - diz Rodrigo Rizo, um dos grafiteiros atuantes na Capital.

Esse distanciamento também marca o trabalho de Gabriel San.

- O grafite veio do hip hop, da cultura de rua, mas a minha arte não a expressa literalmente. Porém o break, o grafite e o hip hop andam juntos e sempre vão andar - afirma.

Para Wagner Wagz o que torna o grafite apelativo é a facilidade de se integrar a ele.

- Trabalho em projetos sociais como Amigos da Escola e Escola Aberta dando aulas de break e grafite para crianças e jovens. Eles recebem superbem. E o grafite é muito acessível, nasceu como uma representação do povo oprimido, por isso está em todos os lugares em que não há acesso a formas de entretenimento formais. A identificação para eles é imediata. Qualquer pessoa é capaz de fazer, desde que tenha alguém para ensinar - explica ele que tem 27 anos, trabalha no ramo desde os 20 e teve o primeiro contato com a cultura hip hop aos 15.

Se o grafite nasceu como uma forma de expressar as dificuldades, de criticar e desabafar, em Florianópolis ele é mais colorido e leve, incorporando a proximidade com o mar e o folclore local.

- No início era um jeito próprio de falar das questões do hip hop, da vida na periferia, mas isso faz 40 anos. Hoje há variações dependendo do lugar. Em Floripa, é mais colorido, alegre. Além disso temos influência de praticamente tudo: pintura, escultura, invenções científicas, folclore e até mesmo mangá, a história em quadrinhos japonesa - afirma Thiago Furtado, que assina seus trabalhos como Valdi e gosta de desenhar elementos relacionados ao mar.

Rodrigo Rizo, que tem o desenho do camaleão como uma constante em sua arte, destaca a relação de seus grafites com Franklin Cascaes.

- Já vi bastante coisa do Franklin Cascaes, gosto do teor da obra dele, acredito que influencia, sim. Tudo que a gente vê no cotidiano acaba influenciando. Parto muito da espontaneidade, do local onde estou pintando, por isso o camaleão, que simboliza a adaptação, é uma marca no meu trabalho. É uma metáfora do que o grafite representa para mim. Não é só uma pintura na parede, ele dialoga com a paisagem e com as pessoas do local - afirma.

Grafite ou pichação?

Aos que ainda têm dúvida sobre a diferença entre grafite a pichação, a lei brasileira esclarece: o que os diferencia é a intenção e qualidade. A Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, colocava o grafite no mesmo nível da pichação e o proibia. Em 2011, a Lei 12.408, de 25 de maio de 2011, legalizou a expressão: "Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário".

No mesmo ano, o Museu Brasileiro da Escultura, de São Paulo, criou a Bienal Internacional Graffiti Fine Art reunindo o trabalho de artistas de vários países e diferentes estilos. A segunda edição foi realizada em fevereiro.

Na imagem de cima, grafite de Valdi no hall interno do Centro Integrado de Cultura, em Florianópolis. A mulher carrega um cesto com peixes e tem um barco nos cabelos. Na imagem ao lado, grafite da pista de skate da Trindade.


Grafite de Wagner Wagz feito em tela. A imagem reforça a origem comum do grafite e do rap no hip hop

No limite da arte

Tema de pesquisa da professora da Udesc Célia Maria Antonacci Ramos, do curso de Artes Plásticas, o grafite é analisado por ela no artigo Grafite & Pichação: Por uma Nova Epistemologia da Cidade e da Arte. Para Célia trata-se de uma forma de marcar território e se autoafirmar enquanto cidadão do mundo, expressar seus inconformismos, críticas e estética.

Nas últimas décadas o grafite quebrou duas barreiras: a das galerias de arte e a da lei brasileira. Um dos primeiros artistas a levar a estética do spray para dentro dos museus foi Jean-Michel Basquiat, norte-americano que começou sua carreira como um grafiteiro obscuro em Nova York no fim dos anos 1970 e acabou se tornando um aclamado pintor enquadrado no neoexpressionismo e primitivismo na década de 1980.

Apesar de ter morrido aos 28 anos em 1988, Basquiat figura em muitas listas como um dos maiores artistas plásticos de todos os tempos. Se um dos grandes motes da produção contemporânea é a exploração do limite da arte, nada mais justo do que incorporar à produção acadêmica a expressão artística que veio das ruas e que agrada, mais do que muito artista reconhecido, o gosto popular.

É o caso de Banksy, que ninguém sabe se é uma pessoa ou um coletivo, e que mantém sua identidade em segredo. Sediado na Inglaterra, o grafiteiro de um humor ácido e desenhos muito bem feitos é tão querido que interfere no preço dos imóveis: ter um grafite de Banksy já fez o preço de casas dobrarem no mercado.

Fama semelhante experimentam os Gêmeos, grafiteiros Otavio e Gustavo Pandolfo, que atuam em São Paulo e este mês realizam sua primeira exibição em solo americano no Instituto de Arte Contemporânea de Boston.

DIÁRIO CATARINENSE
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