Helena Katz não vem mais a Joinville para o Festival de Dança. Crítica de dança, a  jornalista é colaboradora do jornal Estado de S. Paulo, cobriu o evento até os anos 1990, foi jurada e deu aulas de história da dança, mas desde os anos 2000 não vem mais à cidade.
Acompanha de longe um festival que critica pela proposta, que considera didaticamente falha; e pela propaganda, com nomenclaturas que ela acredita serem falsas. Ela soma sua opinião à discussão levantada pelo Anexo, quando os participantes responderam se ainda viriam para o Festival de Dança se ele não fosse competitivo. 

Quais as implicações em incentivar os estudantes de dança a participar de competições como a do Festival de Joinville?

O dia em que o Festival de Joinville assumir seriamente o potencial pedagógico de reunir tantos estudantes de dança, passará a cumprir um papel na direção contrária da que tem feito até hoje. Deixará de marketear a viciada e preguiçosa concepção de curso que oferece, passando a compreender como aproveitar essa oportunidade de forma realmente educacional.

Mas isso implicar em necessitar saber distinguir a competição pelo bem comum da competição predadora que dissemina. Fico torcendo para que seus dirigentes, já que recebem salários mensais, venham a dedicar-se a estudar um pouco esse assunto. Recomendo uma lida em Richard Dawkins, apenas para começá-lo.

O Festival está tentando se adequar a outras competições, como as do Prix de Lausanne e o do YAGP, fazendo parcerias para que os participantes premiados recebam indicações para estas competições. Achas que é um caminho mais saudável?

Processos educacionais verdadeiros não podem prescindir de um rigoroso zelo pela justeza da terminologia que empregam. Os nomes são muito importantes porque disseminam as suas referências e, quando elas não estão ajustadas, o malefício é gigantesco. Nesse aspecto, a falta de transparência praticada neste Festival tem deseducado quem o frequenta. Primeiro, não se trata de um Festival, e sim de um Concurso. Não se trata de um Festival de Dança, e sim de um Festival de Escolas de Dança. Não são bailarinos, mas estudantes de dança, e não são coreografias, mas exercícios de composição de, no máximo, 5 minutos.

Para legitimar tais usos equivocados, muitos anos depois de exercer somente a sua verdadeira vocação, percebeu ser necessário enredar a dança profissional (e incluiu uma Mostra de Dança Contemporânea não competitiva) e o segmento da Universidade (e passou a oferecer um Seminário). Como todo leitor de Agamben sabe, trata-ae da estratégia de 'incluir para continuar excluindo'. Basta perceber que a Mostra e o Seminário não acontecem no espaço que reúne os participantes do concurso e se destinam, numericamente, a menos de 10% deles.

Acreditas que, se o Festival de Joinville deixasse de ser competitivo, o número de participantes continuaria tão alto?

A inteligência mercadológica deste 'Festival' é grande e não deixará seu caixa vazio. Parece que já está iniciando a sua internacionalização como um concurso, mas sem irradiar isso internamente. Cabe ao Festival assumir-se publicamente como um concurso entre escolas e estudantes de dança, principalmente agora, quando começa a inserir-se nas redes internacionais que os congregam. Falta a transparência que agora, no Brasil, felizmente, está-se aprendendo a cobrar das instituições.

Precisamos acreditar que a dança não demorará a se engajar nas transformações sociais que já estão em curso no nosso país. Mas se desejar, para além de ser o Concurso que é, transformar-se também em um Festival de Dança, precisará inteirar-se do estágio avançado em que as discussões sobre esse assunto já alcançaram, em todo o mundo.