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Itapema FM  | 25/06/2013 15h35min

Chega ao Brasil "A Irmandade da Uva", de John Fante, título escrito em 1977 e ainda inédito no país

Escritor lançou mão de Henry Molise para narrar romance semiautobiográfico

Thedy Corrêa

"Aqui está um homem que não tem medo da emoção!" Esta frase poderia soar absolutamente desabonadora não tivesse ela partido do cultuado escritor Charles Bukowski ao se referir àquele que ele publicamente chamava de "seu escritor preferido": John Fante.

Morto em 1983, aos 74 anos, Fante foi roteirista de sucesso em Hollywood e autor de obras magníficas, como Espere a Primavera, Bandini, Rumo a Los Angeles, Sonhos de Bunker Hill e um clássico da literatura americana, Pergunte ao Pó, considerado um precursor do movimento beatnik.

Acaba de ser lançado no Brasil A Irmandade da Uva, escrito em 1977 - após um hiato de 25 anos - e inédito no país. Foi justamente nesse longo período sem produzir novas obras, desde 1952, que o escritor foi diagnosticado com diabetes. As complicações com a doença o levaram à cegueira em 1978.

Assim como na consagrada série protagonizada por Arturo Bandini, seu mais famoso alter ego, Fante lançou mão de Henry Molise para narrar um belo romance semiautobiográfico. Nele, Molise é um escritor e roteirista de relativo sucesso que é obrigado a viajar de volta a sua cidade natal para lidar com a separação de seus pais, ambos septuagenários. Ao chegar lá, reacende todas as tensões familiares, motivadas principalmente pela personalidade dura e irascível do pai, Nick - um pedreiro aposentado, mulherengo, de péssimo gênio e que encharca suas mágoas no vinho produzido por seu amigo Angelo Musso.

Aliás, o livro parece exalar o aroma de um bom vinho da Califórnia, o mesmo que é consumido em enormes quantidades por Nick e seus inseparáveis amigos do Café Roma - velhos paesani, como ele, italianos de moldes tradicionais. O velho Nick está em uma espiral autodestrutiva motivada por sua relutante aposentadoria e pela frustração por nenhum de seus três filhos homens ter optado por seguir sua carreira.

Sem concessões, Fante nos embriaga com emoções autênticas, intensas e arrebatadoras, que nas mãos de um autor qualquer poderiam diluir-se em pieguices mas que nas suas ganham corpo e aroma em uma pungência irresistível. Sem maneirismos ou artifícios, em uma linguagem simples e direta, John Fante consegue nos fazer saborear a beleza e a sensibilidade até mesmo nas circunstâncias mais melancólicas e bizarras.

As cenas mais prosaicas ganham ares de contraditória nobreza na visão profundamente emocional de alguém que, de fato, atravessou a pobreza e enfrentou as agruras de quem sonhava ser escritor nos difíceis anos 1930. Henry é habilmente convencido por sua doce e frágil Mama - justamente aquela que mais sofre nas mãos do velho beberrão - a acompanhar o velho Nick em sua última tarefa/busca por reabilitação. Mais do que isso: uma redenção!

A jornada vasculha a memória, percorre o passado e revela mais semelhanças do que diferenças entre pai e filho. Sem nunca abrir mão de uma narrativa humana, densa e profundamente emocional, a história de Henry e Nick é pontuada por momentos que vão da pura embriaguez ao mais sublime êxtase, até que a última garrafa se esvazie de forma tocante e singela.

Fante amadureceu A Irmandade da Uva nos melhores barris de sua criação e nos brindou com um vinho seco, encorpado, intenso e marcante com um sabor que apenas os melhores escritores são capazes de produzir. In vino veritas!

*Músico, vocalista da banda Nenhum de Nós

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