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Itapema FM  | 29/04/2013 17h08min

Companhia de dança Cena 11 perde patrocínio e enfrenta situação crítica

Confira entrevista com os diretores do grupo, um dos mais reconhecidos do Estado

Roberta Ávila  |  roberta.avila@diario.com.br

O Cena 11 é um dos grupos de dança mais reconhecidos de Santa Catarina, senão o mais reconhecido e premiado. Completando 20 anos de história em 2013, o grupo não foi selecionado no edital Petrobras Cultural, que garantiu em boa parte seu funcionamento desde 2006.

A perspectiva agora é recomeçar a luta por patrocínio para evitar a desestruturação do corpo de bailarinos, formação fundamental para garantir a evolução técnica da companhia. Graças à parceria com o Jurerê Sports Center, o grupo dispõe de um espaço cedido para ensaios em Florianópolis sem custos desde setembro de 2012.

Vocês não foram selecionados no último edital da Petrobras, como isso afeta o grupo?

Alejandro -
Isso faz parte do panorama de como se financia cultura no Brasil, no caso especificamente da dança. Temos 20 anos de história com elenco fixo exatamente para garantir essa evolução que desenvolvemos ao longo dos anos. Para isso, a gente precisa de verba para pagar as pessoas, para que elas tenham dedicação integral à dança, para a pesquisa de tecnologias e para novas ferramentas no nosso ramo, além de dinheiro para viajar e mostrar o que a gente desenvolve.

Karin -
Trocando de elenco frequentemente não teríamos condição de estabelecer esse desenvolvimento contínuo que é uma das nossas marcas. Por isso que a gente luta tanto pelos editais.

Existem outros editais?

Alejandro -
No Brasil só tem um edital forte federal (nacional) que é o Petrobras Cultural. Já participamos dele com um projeto de um ano, em 2006, e depois de dois anos, em 2010, que se estendeu até 2012. Houve um novo edital, desta vez para três anos e que selecionou, entre 134 companhias, apenas quatro. Essas quatro não têm uma característica de produção de conhecimento, isso é muito difícil de conseguir. Não quero desmerecê- las, mas essa forma de usar os fundos da cultura em outros países é muito diferente. Deveriam existir fundos diferentes para companhias com trajetórias diferentes. Se alguém começa a dançar hoje vai concorrer da mesma maneira com quem trabalha com dança há 30 anos. Algumas companhias grandes como Grupo Corpo e Débora Colker não precisam participar dos editais para ter verba da Petrobras. Ela é liberada direto.

Devem haver novos editais em breve?

Alejandro -
Como o edital foi para três anos, é provável que não aconteça de novo tão cedo. Tem o Elizabeth Anderle em breve. Isso traz uma perspectiva muito complicada para grupos como o nosso - temos dificuldade de viabilizar o nosso funcionamento. Em Santa Catarina os cachês são mais baixos, e a gente sempre teve patrocínio para poder continuar trabalhando em Florianópolis. Estamos em um período produtivo, acabamos de ganhar o prêmio da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) pela nossa trajetória de pesquisa. Vamos agora a Portugal para mostrar nosso trabalho lá e, no fim de maio, estaremos desesperados com a questão da verba. A gente vai correr o risco de não ter dinheiro em caixa para pagar as pessoas e, com isso, de perder pessoal.

Não é possível fazer uma companhia de dança privada e autossustentável?

Karin -
É impossível a gente se sustentar com bilheteria. O que é possível é ter fundos de marketing direto de uma empresa que queria doar, mas em geral elas precisam da Lei Rouanet ou da lei estadual para fazer isso. Nós temos projeto pronto e aprovado pela Lei Rouanet, mas a captação também é muito difícil aqui no Estado.
Grandes companhias conseguem fazer dinheiro porque lotam vários dias teatros com até 2 mil lugares cobrando ingressos mais altos do que nós. Acreditamos que, se recebemos verba do edital temos que fazer ingressos a preços populares, até porque também precisamos formar público. Não achamos justo, por exemplo, o que o Cirque du Soleil faz. A companhia usa a lei de captação, tem vários patrocínios e cobra um ingresso muito caro.

Alejandro - Trabalhar com pesquisa nem sempre está relacionado com espetáculos que atraem grandes públicos. Seria o caminho do extermínio para um grupo como o nosso, ou mesmo para o de qualquer área de pesquisa – até mesmo nas exatas –, se dedicar ao mercado livre, em que se está sujeito apenas à venda de ingressos.
Para propostas de pesquisa isso é muito perigoso, porque não existe uma relação direta entre ter uma boa bilheteria e fazer um bom trabalho tecnicamente. Veja que esse nem é o nosso caso, porque lotamos teatros no Brasil inteiro, mas é necessário ter um distanciamento, já que o novo nem sempre interessa às pessoas imediatamente, por isso se fala em formação de público.

Vocês são reconhecidos pelas tecnologias que desenvolveram. Você pode explicar isso um pouco melhor?
Karin -
Consideramos que tudo são tecnologias, desde a questão do movimento dos corpos até o uso de softwares para programação de vídeos e efeitos, assim como o uso de protótipos de robôs com controle remoto ou movidos a som. Fomos um dos primeiros grupos a usar vídeos, microfones e guitarras, misturar mesmo outras mídias, que é uma questão muito da arte contemporânea.

E o que pretendem fazer agora?
Karin -
Vamos buscar financiamento de várias formas, inclusive o Catarse, que é a vaquinha virtual, o crowfunding. Quando o Marcos Espíndola (colunista do Variedades) deu uma nota na Contracapa de sexta- feira, as pessoas se comoveram muito. Como somos de SC, acreditamos que devemos começar por aqui.
Vamos nos cadastrar em empresas de produção cultural para buscar patrocínios e mandamos projeto para o Funcultural também. Estamos abrindo portas, assim a gente não seria mais dependente da Petrobras. Nunca abrimos o grupo para tantos patrocínios.

Depoimento de Lisa Jaworski, presidente da Associação Profissional de Dança de Santa Catarina:

"Depois de 20 anos de trabalho, o Cena 11 é referência internacional. Se o Estado não abraçar essa companhia todas as nossas teorias de comemoração do Dia da Dança vão por água abaixo. Eles são nossa maior referência de companhia profissional de dança do Estado pelo trabalho sério que desenvolvem, os prêmios que recebem e a pesquisa que fazem. Os governos estadual e municipal precisam ver a importância de uma companhia dessa para Santa Catarina.
Fico mais indignada porque o Cena 11 acaba de receber o prêmio da APCA. Será uma perda para a dança em termos internacionais se a companhia não receber apoio. Eles são profissionais, não dependem apenas de editais, correm atrás de todo tipo de patrocínio mas mesmo assim existe uma lacuna de apoio para companhias profissionais seja de dança, de teatro ou para atividades literárias no Estado".

DIÁRIO CATARINENSE
Ricardo Wolffenbüttel / Agencia RBS

Cena da produção mais recente do grupo, Cartas de Amor ao Inimigo
Foto:  Ricardo Wolffenbüttel  /  Agencia RBS


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