Notícias

Itapema FM  | 21/01/2013 17h19min

Pela primeira vez é publicado em livro o conjunto da obra de Marianne North

A artista plástica veio ao em 1872 Brasil seguindo a dica de seu amigo, Charles Darwin

Roberta Ávila  |  roberta.avila@diario.com.br

Algumas coisas são inexplicáveis na história da arte. Van Gogh vendeu apenas um quadro em vida. Produziu isolado e é considerado um pós impressionista sem nunca ter convivido com os impressionistas e praticamente sem nunca ter visto as obras deles. Do mesmo jeito Marianne North e suas obras têm uma trajetória única, inexplicável e pela primeira vez seu legado está reunido em livro, lançado pela editora Sextante. O autor do livro, que reúne também o catálogo das obras e o diário da pintora, é Julio Bandeira, doutor em História da Arte e autor de mais de 20 livros e catálogos dedicados a artistas viajantes.

Confira a galeria de imagens do livro

Marianne North nasceu na Inglaterra em 1830 e não fez praticamente nada do que era esperado dela. Aos 17 anos começou a viajar pela Europa com o pai. Pegou gosto pela coisa e não parou mais. Numa época em que o casamento era o destino certo de toda mulher, ela decidiu não se casar, pois acreditava que a esposa era um tipo de criada de luxo do marido. Seu temperamento inquieto lhe rendeu o apelido de pop (estalo ou pipoca) e explica como, numa época em que viajar era tão penoso e lento, uma mulher independente foi capaz de atravessar oito vezes o oceano Atlântico e duas vezes o Índico e o Pacífico.

Ela chegou ao Brasil em 1872 e ficou até o seguinte. Chegou seguindo a dica de seu amigo, Charles Darwin, que lhe indicou o Brasil como território fértil para suas pinturas. Enfrentou o mar agitado de Pernambuco, dormiu em rancho de beira de estrada, viajou em lombo de mula sob chuva torrencial a caminho de Minas Gerais, tomou canja de galinha e se encantou com as frutas brasileiras.

Observadora, as descrições de Marianne são extremamente visuais e engraçadas. Para ela, ver uma araucária pela primeira vez era um evento memorável e a sua descrição "é de uma árvore com a qual se pode fazer qualquer escultura". Já a seriema é um tipo de avestruz com um som entre o grasnado e o latido. Os caipiras de Minas Gerais  são caracterizados pelos seus cigarros enrolados em folha de milho e amarrados com fitas coloridas.

A pincelada de Marianne, que deixa a tinta emplastada, lembra a de Cézanne. Ao mesmo tempo, a escolha dos temas é semelhante aos de Portinari, pelo fascínio com que ela observa a simplicidade. Os enquadramentos, que muitas vezes focam detalhes, são originais e incomuns para a época.

Já o uso da tinta direto do tubo, que imprimia um colorido vivo às suas composições, sem passar pela paleta para ser misturada, também era uma prática inovadora numa época em que havia uma maneira certa de pintar a ser seguida. Marianne pintava com tinta a óleo no papel, por cima de seus próprios rascunhos e anotações, num método que canibalizava seus estudos.

À frente de seu tempo

O ponto de vista de Marianne é avançado quando se trata de feminismo. Ela fica impressionada com a vida tediosa que levam as mulheres que seguiam as ordens de seus pais ou maridos e não conheciam nada do mundo. Por outro lado, acha normal comparar escravos com animais de estimação e até faz uma certa defesa da escravidão, além de comparações equivocadas com o comunismo.

É questão de relevar o que não se aplica e de não permitir que isso atrapalhe ao admirar o olhar atento dessa estrangeira que fez um retrato do cotidiano no Brasil numa época em que os pintores que passaram por aqui pouco produziram em comparação com ela. Enquanto Marianne produziu 112 pinturas no país, Debret fez 26 pranchas de botânica e Rugendas 32 paisagens.

Citações diário de Marianne, que faz parte do livro:

"É, muitas vezes, completamente impossível desembarcar durante dias seguidos em Pernambuco, mesmo assim, a gente vê nesse mar tempestuoso, cheio de tubarões, os pescadores flutuando sobre um tipo tosco de jangada, parecido com um engradado, com as pernas dentro d´água".

"Perambulamos nos bondes ou trens urbanos, que já existem em todas as principais cidades do Brasil, e são muito convenientes,  economizando tempo e dinheiro. Esses vagões, que são puxados por mulas, andam num excelente ritmo".

"Vi uma menina quase toda coberta de saguis, que subiam e desciam se coçando _ ela nunca se mexia, mas eles não paravam quietos".

"Bastaram mais dois dias para que o vapor nos levasse a salvo para a bela baía do Rio de Janeiro, que é certamente a mais bonita paisagem marítima do mundo: até Nápoles e Palermo devem se contentar com um segundo lugar em termos de beleza natural".

A viagem ao Brasil de Marianne North
Autor: Julio Bandeira
Editora Sextante Artes
200 páginas
Preço médio R$ 59,90

DIÁRIO CATARINENSE
Reprodução / Reprodução

Essa é uma das naturezas-mortas do catálogo do livro
Foto:  Reprodução  /  Reprodução


Comente esta matéria
Sintonize a Itapema em Florianópolis 98.7, em Joinville, sintonize 95.3

Grupo RBS Fale Conosco | Anuncie | Trabalhe no Grupo RBS - © 2009
clicRBS.com.br • Todos os direitos reservados.