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Itapema FM  | 19/12/2012 16h42min

Entrevista: Lenine se apresenta em Florianópolis nesta quinta-feira, no Teatro do CIC

Músico traz a turnê de Chão, seu último CD, que usa sons como o canto de um canário

Roberta Ávila  |  roberta.avila@diario.com.br

Lenine se apresenta em Florianópolis nesta quinta-feira, às 21h. O músico pernambucano vive um dia de cada vez, e não tem a mínima ideia do que vem pela frente. Não direcionar as coisas é a sua direção. Com isso, ele permanece aberto para as pequenas sutilezas, que marcam as letras de suas últimas canções.

O canto do canário de sua sogra, Frederico, que vazou na gravação de uma de suas músicas, acabou sendo o fio que o conduziu na concepção de seu último álbum. Mistura-se a isso um pouco de rock progressivo, poesia com jeito de cordel e o violão de Lenine e o resultado é o álbum Chão, que dá nome ao show que o artista traz para a cidade. Por telefone, Lenine bateu papo com o Diário Catarinense. Confira a entrevista completa em diario.com/variedades:

Diário Catarinense: Quais suas lembranças de Florianópolis?

Lenine - Ah, várias, cara. Há muitos anos que eu vou, há muitos anos sou recebido de maneira carinhosa. Tenho algumas canções viraram ícones locais, como A Ponte, por exemplo, e tenho muitos amigos aí. Voltar é sempre rever os amigos e comer uma sequência de camarão na Lagoa (risos). Visitar orquidários, já tenho o percurso todo pronto.

DC - Em alguns álbuns a gente percebe que houve uma motivação clara, em Blunderbuss, do Jack White, e em Back to Black da Amy Winehouse essa força motriz é a decepção amorosa. O que te moveu a compor Chão?

Lenine - Chão tem uma grande peculiaridade que é a ausência de instrumentos de percussão e bateria. isso me levou a descobrir outros caminhos sonoros e essa é a grande diferença na formatação do disco. O amor é um tema muito reincidente em todo meu trabalho. Das políticas, a política do amor talvez seja a mais difícil de lidar. Por mais piegas que possa parecer, é só com amor (risos). Não existe outro caminho não. Talvez esse tenha sido meu trabalho mais íntimo, onde eu estou mais exposto. Isso foi uma opção estética, não ter muitos elementos. E me sinto muito nu. Queria descobrir outros relevos sonoros.

E como foi esse processo?

Lenine - Quem me deu essa possibilidade de usar os sons do cotidiano como elemento sonoro efetivo das canções foi o vazamento de um canário, o canário da minha sogra. Como o estúdio do meu filho fica na casa da vó dele, minha sogra, nós fomos gravar uma canção e a porta ficou entreaberta, vazou o canto do canário, o Frederico. Quando a gente foi ouvir a canção, a gente não só descobriu que o Frederico estava cantando no tom da música, mas que ele estava evoluindo com o arranjo que eu tinha feito. Meu filho, Bruno, sacou isso e disse "pai, a gente tem que assumir isso". E foi o que a gente fez. Pegamos um microfone, pedimos silêncio na casa e gravamos o solo do Frederico, que é o que se ouve sem edição, sem interferência nenhuma é o solo do Frederico. Essa questão de não manipulado os sons do cotiadiano é fundamental. Ela nos descola do pessoal que desde a década de 20 experimentou com isso, os acadêmicos, a música concreta, o Pierre Henry, que introduziram isso na música contemporânea mas manipulavam o som. A gente optou por usar de uma maneira orgânica essa parte eletrônica do álbum.

Tem uma influência de rock progressivo também?

Lenine - Ah sim, isso em toda minha vida. Led Zepellin foram meus Beatles. Nesse sentido eles exercem um fascínio sobre mim muito grande. Zeppelin e The Police.

Achei que tinha um toque de Radiohead, do álbum In Rainbows.

Lenine - Ah sim, Radiohead já é a progressão dessa turma. Radiohead são os beatles dos meus filhos. (risos)

E a sua apresentação vai ser baseada no seu último CD, Chão?

Lenine - Isso. Mas o CD tem dez canções e o show em geral tem 23 ou 24. Ou seja, muito do meu repertório anterior eu adequei ao universo sonoro de Chão. Não vai falar A Ponte, Hoje Eu Quero Sair Só, Paciência. Levei em conta a capacidade das músicas de se adaptarem. A Rede, por exemplo, já tinha o barulho da pessoa se balançando na rede, que tem tudo a ver com o projeto de Chão, sacou? Espero que todo mundo compareça para a gente se divertir e traçar esse chão junto. Estou percorrendo esse chão. Tem muito para ver ainda.

Uma das suas letras diz que qualquer amor é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.

Lenine - Esse trecho parafraseia João Guimarães Rosa, Grandes Sertões, Veredas. É o Riobaldo quando o Diadorim morre e ele vê que na verdade ele era uma mulher e que ele esteve apaixonado a vida toda.

É um pouquinho de saúde descansar na loucura? Eles não são opostos?

Lenine - Não, é a mesma coisa, numa mesma moeda (risos).

Os opostos estão sempre presentes nas suas letras e também na sua biografia. Você é filho de um comunista e de uma católica?

Lenine - Filho de um comunista cristão e de uma católica macumbeira, coisa mais misturada da vida (risos).

A oposição vem de casa, essas questões conflitantes?

Lenine - Acho que conflitantes não, analógicas. meu pai nos formou incitando analogias. Por exemplo, quando eu fui conversar com ele a primeira vez sobre versos livres, quando tinha descoberto Drummond, ele disse "pô, não dá para a gente conversar sobre Drummond sem antes falar sobre João Cabral". Eu disse "ótimo, vou ler João Cabral" e ele disse "mas olhe, não dá para a gente falar sobre João Cabral sem antes a gente ler Augusto dos Anjos" (risos). Então pelas associações que ele fazia ele despertou uma curiosidade e um interesse nos filhos. Isso fez a diferença sim.

A seu nome também é uma analogia? Vem de lênin mesmo?

Lenine - Isso. Ele tinha dividido isso com minha mãe. Ele colocaria nome nos homens e ela nas mulheres. Somos em quatro irmãos, dois homens e duas mulheres. Meu pai nomeou um Renãn e o outro Lenine. Em compensação minha mãe colocou o nome de duas santas nas filhas: Maria Teresa e Maria das Graças (risos). Tudo lá em casa sempre foi muito dividido.

E como é sua relação com os álbuns depois de prontos?

Lenine - O disco é uma coisa que a gente faz movido por um desejo de documentar pensamentos que são verdadeiros naquele momento. Uma maneira que eu tenho de burlar minha crítica é não ouvindo mais. Meus discos eu ouço e aprofundo, mergulho mesmo no fazer. Quando ele passa a existir fisicamente é um grande exorcismo, eu não ouço mais. E também perco a possessividade. Qualquer pessoa pode gravar, usufruir da canção, não tenho apego. Fazer disco é uma procura. É um "cerca lourenço", é um andar em torno até descobrir alguma coisa que seja inconteste. É difícil até colocar em palavras, mas é uma parte muito laboratorial. Você está dentro de um lugar asséptico, que é o estúdio, testando coisas. Nesse momento não se deve ter nenhum tipo de preconceito.

DIÁRIO CATARINENSE
Hugo Prata / Divulgação

"A loucura e a saúde são a mesma coisa, a mesma moeda", disse Lenine em entrevista
Foto:  Hugo Prata  /  Divulgação


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