Foi inspirado na complexa letra de Construção, de Chico Buarque, que Jorge Drexler deu início à jornada de N, décimo segundo disco da carreira do compositor uruguaio e sua estreia no mundo dos álbuns-aplicativos.

Mas, explorando as possibilidades da era digital, Drexler leva muito além a premissa da canção do músico brasileiro, em que os adjetivos mudam de lugar a cada estrofe, alterando o sentido da letra.

Habitación 316, primeira das três faixas do disco, não tem sequer uma versão definitiva. A cada audição, seus versos mudam de lugar _ e a música adquire novos significados.

Apelidado de "aplicanção", N segue tendência de obras de outros artistas como Björk e Gilberto Gil (veja quadro na página 3), que têm lançado música empacotada para rodar pelos fones de ouvido e telas de dispositivos portáteis. No entanto, segundo Drexler, N carrega um diferencial em relação a todos os outros:

- É o único caso que conheço em que o disco foi composto pensando na plataforma.

A obra de Drexler se transforma ao sabor do acaso e das escolhas do público. Munido de smartphone ou tablet da Apple ou com o sistema Android, do Google, o ouvinte pode meter o dedo em Habitación 316, escolhendo, a cada momento, que verso será cantado no instante seguinte. Toda frase carrega alguma lembrança de um encontro casual no quarto 316. Mais do que intervir em uma obra de arte que Drexler considera "líquida", ao embaralhar memórias, o público reforça a metáfora da canção:

- Nunca lembramos de um encontro da mesma maneira duas vezes - afirma o compositor, 48 anos e um Oscar, por Al Otro Lado del Río, na bagagem.

Como a memória, a canção tem de resistir às mudanças, sem nunca perder o sentido e evitando a todo custo o surrealismo.

_ É música construída para navegar no caos _ define Drexler. _ Habitación tem 38 versos combináveis, e todos fazem sentido com todos. É possível produzir 1027 versões diferentes da música. São mais possibilidades que todos os grãos de areia de todas as praias do mundo!

Não é difícil entender por que as três canções do "aplicadisco" _ Habitación 316 e Madera de Deriva, já lançadas, e Décima a la Décima, com lançamento iminente _ custaram ao uruguaio o tempo em que normalmente compõe um álbum convencional.

Ao se encontrar com novas possibilidades para sua arte, Drexler _ que, além de músico, é médico otorrinolaringologista _ revisita um entusiasmo antigo, que cantou em Guitarra y Vos, do disco Eco (2004): "Que viva la ciencia, que viva la poesía! Es cierto que no hay arte sin emoción, y que no hay precisión sin artesania."

Saiba mais:

- N, novo disco do compositor uruguaio Jorge Drexler, foi lançado exclusivamente para smartphones e tablets.

- O disco está disponível gratuitamente, em versões para os sistemas iOS (iPhone, iPad e iPod) e Android, no site oficial do artista, jorgedrexler.com.

- Duas canções _ Habitación 316 e Madera de Deriva _ já foram liberadas, e a terceira, Décima a la Décima, será lançada em breve.

- O disco explora os recursos desses dispositivos (GPS, tela sensível ao toque) e oferece ao público possibilidade de interação.

Outros aplicativos:

Björk:
O pioneiro Biophilia, de 2011, traz 10 aplicativos que se relacionam com cada música do disco.

Calvin Harris:
Somente enquanto o ouvinte estiver dançando, as músicas de 18 Months podem ser ouvidas gratuitamente pelo app.

Brian Eno:
O app Scape permite ao ouvinte recombinar partes de músicas do repertório do britânico para, assim, formar novas obras.

João Nogueira:
Seu Sambabook dispõe de cifras para o ouvinte acompanhar as músicas ao violão.

Gilberto Gil:
Seu app traz a possibilidade de se criar listas de reprodução com músicas de toda sua discografia.