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Itapema FM  | 07/11/2012 18h48min

Diretor de Em Nome de Deus diz ver o cinema como "ferramenta para transformação social"

Filipino Brillante Mendoza falou com exclusividade a ZH sobre o trabalho com a atriz Isabelle Huppert

Roger Lerina  |  roger.lerina@zerohora.com.br

Vem de um arquipélago no sudeste asiático um dos cinemas mais instigantes da atualidade. As Filipinas já foram um dos maiores produtores de filmes do mundo, com 200 longas por ano _ mas hoje o destaque dessa cinematografia é a qualidade das obras realizadas por cineastas como Brillante Mendoza, Lav Diaz e Raya Martin. Aos 52 anos, Mendoza é o realizador filipino mais reconhecido internacionalmente, já tendo rodado 11 longas em apenas sete anos e recebido prêmios importantes como o de melhor diretor no Festival de Cannes por Kinatay (2009).

Seu penúltimo filme, Em Nome de Deus (2012), está em cartaz em Porto Alegre no Instituto NT – estrelado pela francesa Isabelle Huppert, o excelente drama é inspirado em um evento real: em 2001, um grupo guerrilheiro filipino islâmico sequestrou os hóspedes de um resort de luxo, iniciando um longo período de fuga pela selva e negociação com as autoridades. Na entrevista a seguir, Mendoza – que esteve no ano passado no Brasil, acompanhando o filme Lola (2009) no Festival Lume, em São Luís do Maranhão – falou com exclusividade a Zero Hora sobre seu cinema.

Zero Hora – Como foi filmar Em Nome de Deus na selva? Quais foram os maiores obstáculos?
Brillante Mendoza
 – Em Nome de Deus mostra um dos problemas sociopolíticos que empestam a sociedade filipina. O tema complicado é o resultado de camadas entrelaçadas de fatos e ficção. Minha intenção foi mostrar uma tapeçaria de emoções e comportamentos que explicassem por que esse ato covarde foi cometido. Mas, no fim, o que deveria prevalecer eram as decisões e convicções das pessoas de fazerem o bem ou o mal. Filmar em uma selva é muito desafiador simplesmente porque você não controla os elementos naturais. Mas o melhor de lidar com a natureza é o elemento surpresa. Fiz uso disso no filme para acrescentar a beleza da espontaneidade e da naturalidade. Eu acolho esses momentos de surpresa como um presente da natureza. Eu os capturo faço deles parte do meu filme. O maior desafio neste projeto foi apresentar a história de uma maneira factual e objetiva em que ninguém fosse estigmatizado ou demonizado. Todos os eventos foram baseados em fatos e pesquisados.

ZH – Você tem Isabelle Huppert no filme, uma grande estrela. Como foi trabalhar com ela? Ela se adaptou facilmente ao seu método?
Mendoza –
Foi uma experiência incrível dirigir Isabelle Huppert. Ela é uma grande e generosa atriz. Ela é muito profissional. Ela sabe o que quer com exatidão, mas generosamente. Uma vez que a cena era explicada, ela dava tudo. Ela sabe como se colocar e tem um profundo entendimento de sua arte. Acho que ela se surpreendeu mais com meu estilo porque eu confio nos meus instintos quando filmo. Eu permito que as coisas se desenrolem em cena e que os elementos simplesmente cresçam e brilhem. Eu não vejo as cenas específicas de Isabelle, olho para o total de sua performance no filme do princípio ao fim. Sua capacidade em retratar seu papel foi notável.

ZH – Em Nome de Deus mostra as faces diferentes e contraditórias dos impasses sociais e políticos das Filipinas. Como o filme foi recebido em seu país?
Mendoza –
Ele foi bem recebido nas Filipinas. Muitos apreciaram o filme por sua apresentação honesta dos eventos. Os parentes e sobreviventes do incidente foram ver o filme e elogiaram-no por sua representação verdadeira.

ZH – Você mostra no filme um evento e uma conjuntura de 10 anos atrás. Como o governo filipino lida hoje com a oposição e os grupos separatistas?
Mendoza –
A atual administração fez uma negociação de paz com os grupos separatistas no Mindanao muçulmano (segundo maior grupo de ilhas das Filipinas). É um esforço bem-vindo de ambos os lados que eles tenham sentado na mesa de negociação para chegar a um acordo que vai enfim por um fim ao conflito.

ZH – Por que você trocou o nome original do filme, que se chamava Prey ("Presa")?
Mendoza –
Havia um filme na França com o mesmo título Prey. Para não criar confusão, nós decidimos mudar o nome para Captive (título internacional de Em Nome de Deus).

ZH – Em filmes como Tirador, Serbis, Kinatay e Lola, você mostra a dura vida dos filipinos despossuídos, cercados pela pobreza e pelo crime. Você acredita que o cinema tem a obrigação moral de denunciar esse estado de coisas?
Mendoza –
Definitivamente. O cinema tem a capacidade de influenciar seu público. É uma ferramenta para a transformação social. Como diretor, acho que tenho uma responsabilidade com o público em termos de levá-lo a se envolver com problemas sociais. Eles devem conhecer a verdade e fazer algo a respeito dessas questões. O filme não deve ser apenas entretenimento, ele tem que refletir as questões sociais que afetam a sociedade. Essa é uma forma de criar consciência social, a fim de elevar a consciência das pessoas para as questões que as afetam.

ZH – Que tipo de cinema e cineastas você admira e influenciaram o seu trabalho de alguma maneira?
Mendoza –
Eu prefiro me debruçar sobre o que me influenciou nos meus filmes. Há tantos diretores se eu me perguntar quem me influenciou nos meus filmes... O que me influencia são histórias reais e experiências de pessoas comuns. As vidas deles são verdades a serem contadas. O sofrimento e as lutas em meio a situações extraordinárias. Essas são as maiores influências em meus filmes. Há muitas histórias para contar, mas como capturá-las com honestidade, mostrando apenas a verdade essencial, sem glamorizar e glorificar os personagens, é o desafio de todo cineasta.

ZH – Graças aos seus filmes e aos de cineastas como Lav Diaz, Raya Martin, John Torres e Khavn De La Cruz, o cinema filipino ficou melhor conhecido no Ocidente. O que você acha desses filmes e desses diretores?
Mendoza –
Eu acho que são bons filmes. Esses filmes refletem as realidades sociais no contexto filipino.

ZH – No passado, as Filipinas produziam centenas de filmes por ano. Como está a indústria cinematográfica no seu país hoje?
Mendoza –
O surgimento dos filmes independentes é uma das melhores coisas que aconteceram na indústria cinematográfica como um todo. A proliferação de filmes independentes também criou a consciência muito necessária sobre a qualidade e o conteúdo dos filmes, mas só até certo ponto. Os filmes hollywoodianos ainda dominam a consciência dos patrões do cinema. O mero despertar do público de cinema para a existência desses filmes alternativos já é um bom sinal. Isso para mim é motivação suficiente para que todos os envolvidos apóiem esse despertar, a fim de expandir o mercado de cinema indie/alternativo. A tecnologia digital também mudou a textura visual do filme. Mas o que realmente conta, é claro, é a história e como o cineasta desdobra esses eventos por meio da série de imagens visuais captadas pela câmera. Outros importantes elementos também incluem cinematografia, som, partitura musical e os atores e atrizes do filme.

ZH – Você poderia comentar a respeito de seu mais recente filme, chamado Sinapupunan (2012), e de seus próximos projetos?
Mendoza –
Thy Womb (Sinapupunan) é sobre um casal sem filhos. A mulher permitiu seu marido arranjar uma segunda esposa para ter um filho. Isso mostra o amor incondicional de uma mulher disposta a passar por muito sofrimento só para fazer seu marido feliz. O filme mostra muitos contrastes na vida de uma minoria étnica amante da paz no sul das Filipinas. Mostra os contrastes entre pessoas pacíficas em meio às esporádicas batalhas entre os militares e os grupos separatistas.

ZH – Você esteve no Brasil no ano passado. Que impressão essa visita causou em você?
Mendoza –
O Brasil é um lugar bonito. É como uma tapeçaria de cores bonitas. As pessoas são calorosas como os filipinos.

ZH – O que você sabe de cinema brasileiro?
Mendoza –
Não vi nenhum filme brasileiro recentemente, embora eu tenha visto o filme de Walter Salles chamado Central do Brasil. Ele mostrou vividamente a cultura brasileira ao retratar emoções humanas e conflitos dramáticos no filme.

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