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Itapema FM  | 10/10/2012 13h23min

Entrevista: Michel Onfray defende o prazer como estilo de vida e política

Para ele, é preciso que os filósofos voltem a interagir com as pessoas nas ruas, como era na antiguidade

Roberta Ávila  |  roberta.avila@diario.com.br

Em sua segunda visita ao país, o filósofo francês Michel Onfray, um dos mais produtivos da atualidade, acredita que chegou a vez do Brasil. Segundo Onfray, a Europa está morta e sua percepção é que somos um país dinâmico e pulsante, onde há muito trabalho a ser feito. "Essa vibração pode ser percebida nas ruas das cidades", declarou.

Leia também a entrevista de Peter Greenaway, também participante do Fronteiras do Pensamento

Em sua primeira visita a Florianópolis, para participar do ciclo de palestras do Fronteiras do Pensamento, o filósofo pretende conhecer o Mercado Público da cidade e almoçar lá. O passeio, que pode parecer trivial, faz parte de um conceito defendido por Onfray em sua obra: o hedonismo. O prazer de viajar e de comer bem fazem parte do modo de vida em que o filósofo acredita, mas não se trata apenas de ter prazer, e sim de fazer o bem a si e aos outros.

"Nunca fiz terapia porque nunca senti necessidade. fiz uma análise do dispositivo de análise intelectual. Li as obras completas, a biografias, as cartas, coloquei tudo em perspectiva e não se conclui nada com a leitura de Freud, é um charlatão"

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Li que sua missão é reabilitar o pensamento materialista, sensualista e, no seu blog, você se define como hedonista...
Michel Onfray -
Sim. Em 2002, criei a universidade popular porque o cristianismo ganhou. Desde Constantino até hoje, a filosofia que é ensinada é aquela que é compatível com o cristianismo, ou seja, o idealismo, espiritualismo, platonismo e cartesianismo.

Mas temos várias correntes filosóficas que não são compatíveis com o cristianismo, como o materialismo, o sensualismo, o ateísmo e, até mesmo, outros momentos da história do pensamento, como o socialismo libertário, que é uma filosofia que permite o hedonismo, que é a possibilidade de fazer do prazer uma questão ética e política.

Você não acha que algumas pessoas usam o hedonismo como uma desculpa para ser egoístas?
Onfray -
Sim, você tem razão. Existe o mau uso do hedonismo. Existem duas formas de pensar o hedonismo, o hedonismo do ter e o hedonismo do ser. O hedonismo do ter é o prazer daquele que tem, que possui, coleciona e considera que o grande prazer é comprar. Com certeza é um hedonismo ruim. E existe o hedonismo do ser, que diz que o essencial não é ter, mas ser. Se constituir como uma pessoa livre, que recusou o poder, as honras e o dinheiro.

O dinheiro é necessário, é claro, mas as honras não servem para nada e o poder não é algo que deve ser perseguido. Quando se constrói a sua existência sobre isso é que o hedonismo se torna interessante De uma lado se tem o hedonismo do ser, com a fraternidade e a solidariedade, ao invés do egoísmo.

Tem uma frase muito bonita de Chamford, um moralista do século do 18, que diz: ter e dar prazer sem fazer mal nem a você e nem a ninguém, essa é toda a moral. Então, esse é o hedonismo que não se resume apenas a ter prazer, mas também a proporcionar. O prazer que é obtido sem que ele também cause prazer em outros não é prazer de verdade.

O que você pensa da geração atual?
Onfray -
É difícil falar sobre a juventude porque os jovens da África não são como os Europa, talvez. Os do subúrbio não são como os do Centro, e assim por diante. Com a crise mundial, é difícil ser jovem. Os jovens têm dificuldade de encontrar trabalho. Na França há quem estude muitos anos, se especialize e depois não encontre trabalho. Acabe trabalhando como porteiro de um prédio ou qualquer coisa assim.

É uma juventude desamparada e desesperada, que não pensa em revolução, em criticar o capitalismo, mas quer apenas trabalhar para consumir. Não é um plano absolutamente maravilhoso, mas em um mundo onde tudo se compra, não poder comprar um café, um pacote de cigarros, o ingresso do cinema ou um carro e um apartamento, isso faz dessa juventude uma geração massacrada. 

Na Universidade Popular a única coisa que os alunos não controlam é o tema das palestras.
Onfray -
Sim, trabalhamos sobre seminários. Acho que seria ruim chegar com as mãos nos bolsos e dizer: "vocês vão escolher o seminário e depois vamos improvisar sobre o tema". Faço 21 apresentações durante o ano, de duas horas cada, e acredito que, se não fosse assim, não estaria fazendo um trabalho sério. Não cabe aos alunos escolherem os conteúdos que querem estudar. Até porque, se o conteúdo não lhes interessa, eles não precisam ficar lá. Nós não damos diploma nem fazemos um controle do conteúdo aprendido.

Os alunos vão até lá para trabalhar como pessoas, escolhem os seminários que querem assistir, seja de Psicologia, Economia, Arte Contemporânea ou Filosofia, mas seria demagogia propor que a cada seminário eles escolhessem o tema. É preciso ter uma aula preparada. Até porque estamos lidando com um público misto, há os que têm conhecimento sobre determinado assunto e os que não têm na mesma sala. É como se alguém tivesse uma apendicite e dissesse a uma pessoa que nunca estudou Medicina: "por favor, em nome da democracia, me opere". Ninguém aceitaria isso. Com a filosofia não é diferente.

A Universidade tem uma função comercial?
Onfray -
Não, não montamos os cursos pensando no mercado de trabalho. O objetivo é a construção pessoal.

E é gratificante para você dar as palestras?
Onfray -
Ah, com certeza. É a coisa mais bonita dividir o trabalho. Não adianta nada trabalhar só para si. Tenho livros, obras completas que são complicadas, e tenho a chance de falar a pessoas de todo tipo sobre elas. Que é o que se fazia em outras épocas, os filósofos caminhavam pela cidade, falavam com marceneiros,  com todas as pessoas, que faziam a filosofia.

DIÁRIO CATARINENSE
Flávio Neves / Agencia RBS

"O dinheiro é necessário, é claro, mas as honras não servem para nada", disse Onfray
Foto:  Flávio Neves  /  Agencia RBS


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