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Itapema FM  | 09/10/2012 19h28min

Entrevista: Peter Greenaway defende que o cinema explore mais as imagens

Segundo o cineasta, a produção audiovisual continua se baseando majoritariamente em texto

Roberta Ávila  |  roberta.avila@diario.com.br

Peter Greenaway começou sua carreira como professor. Hoje, aos 70 anos, acumula descrições: é pintor, escritor e cineasta. Apesar de já ter declarado inúmeras vezes que o cinema está morto, seu maior reconhecimento é como diretor e sua visão para o futuro da sétima arte é otimista.

Pesquisador na área do ensino de mídias visuais, Greenaway acredita que o cinema ainda explora muito pouco as imagens e propõe filmes abstratos, que segundo ele mesmo seriam tão diferentes que talvez até precisemos de um novo nome, uma nova categoria para eles. Em visita a Florianópolis para participar do Fronteiras do Pensamento, Greenaway teve a chance de explicar seu ponto de vista sobre texto e imagem e as possíveis relações entre eles.

Veja galeria de imagens da apresentação de Greenaway

O cinema copia outras artes, como a literatura, por exemplo?
Peter Greenaway -
Sou um pintor e acredito que o cinema deveria ser muito visual. Deveria entreter através da criação de imagens, mas não acredito que temos um cinema baseado em imagens. Nossos filmes, apesar de terem muitas imagens, claro, são essencialmente baseados em texto. É muito difícil ir a um estúdio com um produtor e um grupo de pintores, um sketchbook e algumas pinturas e dizer "patrocinem meu filme" porque eles querem texto, querem uma história escrita, um romance, uma peça, alguma coisa em um script. 

Leia mais sobre Greenaway no Fronteiras do Pensamento

Penso que, por causa da ignorância visual, eles não seriam capazes de lidar com essa informação, assim como a audiência também. Na escola, aos 10 ou 11 anos, os professores te dizem que você deve largar o giz-de-cera, e se tornar uma pessoa séria e se concentrar no texto.

Sinto que há tantas maneiras de lidar com o texto: poesia, romances, e certamente o teatro, que resume seu significado ao texto, por que não podemos ter uma mídia em particular, o cinema, que pode ter, de uma maneira profunda, seu significado essencialmente transmitido através do que as pessoas estão vendo, ao invés do que elas estão lendo.

Quando o senhor diz que o cinema deveria ser mais baseado em imagens, o Ciclo Cremaster, do artista plástico Matthew Barney, considerado um dos mais avançados em termos de pesquisa estética, ou os filmes de David Lynch são um exemplo do que chama de cinema imagético?
Peter Greenaway -
Mathew Barney ainda é muito narrativo. Ele conta uma história que tem começo, meio, fim e personagens com base psicológica. Eles são baseados na ética cristã, no bem e no mal, então tudo isso é muito familiar. Acredito que o projeto que ele criou tem premissas muito interessantes, mas ainda se caixa nessa visão tradicional do cinema.

O modelo que eu proponho é tão diferente que talvez que mudar o nome e deixar de chamá-lo de "cinema". Eu sempre procuro por pessoas que estão forçando o limite, tentando fazer algo novo. David Lynch lida com assuntos muito perturbadores, como a paranoia, as ele não tem feito muitos filmes nos últimos anos, ou pelo menos eles não estão sendo divulgados, então ele foi mais popular nos anos 1980 e 1990, mas, com certeza, ele é alguém que faz filmes que valem a pena assistir.

Seus filmes mostram não só o uso da violência, mas as consequências dela. Qual seu ponto de vista sobre mostrar a violência como algo sem consequências?
Peter Greenaway -
Não existe sentido em retratar a violência a não ser que seja para abordar alguma questão moral. Isso não tem valor para o diretor do filme e nem para a audiência. É preciso usar esse recurso com muito critério, e o mesmo vale para o sexo.

Então o senhor não gosta dos filmes do Tarantino, por exemplo?
Peter Greenaway -
Ele é muito criterioso na sua habilidade de mostrar sexo e violência. Mas ele está seguindo uma tradição, e é muito sincero quanto a isso. Seus filmes são citações de outros filmes famosos de Hollywood.

Quais são seus diretores de cinema favoritos?
Peter Greenaway -
Grande parte deles estão mortos há muito tempo. Vou ao México em breve para fazer um filme sobre o grande diretor russo Eisenstein, que passou parte de seu tempo no México nas décadas de 20 e 30. Seus filmes extraordinários sempre estão no topo das listas dos "100 melhores filmes de todos os tempos". Não é fácil para nós assistirmos esses filmes, já que tanto tempo se passou, mas ele tinha um ótimo senso de mise en scene, cenografia era particularmente sagaz no que se refere a registrar ideias cinema, que eu acho muito válido ainda.

Mas acredito que alguns dos melhores diretores foram da Nouvelle Vague, como Jean Luc Godard, Alains Resnais e italianos do final da década de 50, como De Cica e Bertolucci. Infelizmente nos dias de hoje o cinema italiano parece estar completamente morto e não causa mais nenhuma excitação. Mas um dos maiores foi Fellini, que realmente fez um cinema visual extraordinário. Entre os diretores mais comerciais, Ridley Scott sempre faz filmes "assistíveis" e com grande comando sobre a imagem.

As pessoas assistem filmes em telas cada vez menores. Primeiro na televisão, depois nos notebooks e tablets. Você acredita que isso tem alguma implicação na realização do cinema?
Peter Greenaway -
É muito excitante trabalhar com imagens grandes numa tela grande, mas isso está se tornando cada vez mais raro. É muito caro e acaba sendo associado, inevitavelmente a Hollywood. Mas as ideias realmente interessantes para filmes nunca partem dos grande dinossauros, mas dos pequenos insetos. Então os filmes interessantes não são feitos por comitês de Hollywood, mas por indivíduos que são apaixonados pela expressão de ideias e espera-se que com imagens também. Nos últimos 50 anos houve uma revolução associada ao Youtube, a câmeras baratas e com a capacidade de todos nós, sem nenhum treinamento, seremos capazes de fazer filmes.
Essa democratização é extremamente válida. Acho que devemos sacrificar a noção de telas imensas e grandes audiências por algo mais valioso, que são filmes melhores, mais pensados e inventivos. Claro que não conseguiremos disseminar esses filmes para o mundo inteiro. O cinema já algo algo muito elitista, acredito que ele deve ser e todos podemos participar dele. Tenho muita esperança quanto ao futuro do cinema.

O que o senhor acha dos novos equipamentos para as salas de cinema que transmitem odor, movimentam as poltronas, usam o 3D...
Peter Greenaway -
A tecnologia é extraordinária. Basicamente sou treinado como editor de filmes e esse processo é muito sofisticado atualmente. Participo do uso dessas tecnologias, uso 3D, telas verdes e toda essa parafernália, mas a tecnologia é só uma ferramenta.

Tenho no bolso do meu casaco uma caneta e um lápis e, de uma maneira curiosa, eles são ferramentas sofisticadas também, tanto quanto qualquer coisa produzida pela Microsoft e pela Apple. O que realmente tem valor são as visões que podem ser compostas e desenvolvidas pelo criador.

O senhor costuma ir ao cinema?
Peter Greenaway - Raramente. Eu acho a maior parte dos filmes muito tediosos. Vejo muitos filmes, mas em telas menores. Estou sempre procurando novos atores e atrizes, preciso deles para incorporarem minhas ideias.

Mas moro em Amsterdan e acredito que muitos poucos jovens vão ao cinema. Eles assistem televisão, então curiosamente ir ao cinema, pagar ingresso, entrar na sala escura e se sentar lá por duas horas sem interrupções e sem controle sobre a terra se tornou um hábito dos nossos pais e avós, mas não faz parte da nova geração. O cinema atual acaba tendo essa função de contar histórias para os adultos antes da hora de dormir.

Tenho certeza que o DVD vai desaparecer, já é muito difícil encontrar lojas que vendam DVDs nos Estados Unidos e na Europa, legalmente ou não, e como a polícia está sempre um passo atrás, acredito que em breve tudo será a televisão terá um teclado acoplado e tudo estará sujeito à adaptação do usuário, que vai poder mudar a edição, fazer alterações e o download de tudo que quiser. As pessoas que fazem televisão sabem disso e trabalham para alcançar esse objetivo. Me interesso muito mais por pintura atualmente. O cinema é muito conservador. Os filmes que Scorsese ou Spielberg fazem hoje são exatamente iguais aos que se fazia no início da década de 20.

DIÁRIO CATARINENSE
Flávio Neves / Agencia RBS

"Há mais de 170 anos, desde a sua criação, o cinema é feito do mesmo jeito", criticou Greenaway
Foto:  Flávio Neves  /  Agencia RBS


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