Itapema FM | 19/09/2012 16h28min
— O silêncio começa a ficar denso, e quatro minutos parecem quatro horas — diz Carmen Silvia Presotto.
Instantes antes, a poeta de 55 anos havia sido uma das poucas pessoas – incluindo presenças ilustres como Eva Sopher e o também poeta Augusto de Campos – que assistiram à apresentação de Adriana Calcanhotto executando ao piano a peça 4’33", do músico vanguardista americano John Cage (1912 — 1992) na noite de terça-feira.
A acepção do verbo "executar" assume contornos particulares em se tratando desta obra. Composta em 1952, 4’33" (lê-se "quatro minutos e trinta e três segundos") é uma peça em três movimentos, para qualquer instrumento ou conjunto, em que o som que se escuta não é o dos músicos — orientados pela partitura a não tocar nada durante o tempo indicado no título. Cage propõe ao público, como explicou o diretor Luciano Alabarse em sua introdução, um convite a se ouvir o ruído, inclusive o produzido pela própria plateia.
Dada a torrente de chuva que caía sobre a Capital, não foram muitos os corajosos que chegaram ao São Pedro antes das 19h, a tempo de assistir à breve apresentação – um "presente" de Calcanhotto, que grava as duas apresentações do espetáculo Poemúsica (em parceria com Augusto e Cid Campos) no Em Cena para um DVD. O registro de sua 4’33" no São Pedro será um bônus no disco.
— Acho interessante a interferência do espaço — comenta a atriz Ana Makki, 25 anos, após o miniespetáculo. Ela se refere ao momento específico, no meio da apresentação, em que uma das portas do teatro bateu, interrompendo o silêncio que, até então, só havia sido cortado por cliques eventuais de máquina fotográfica.
Adriana havia entrado no palco um pouco antes carregando um iPhone e a partitura de Cage (cujo centenário de nascimento foi celebrado no último dia 5). Recebida com aplausos, sentou-se ao piano, abriu a tampa do teclado e iniciou o cronômetro no smartphone. Após os 33 segundos do primeiro movimento, pegou o telefone novamente para zerar a cronometragem e iniciar uma nova, de dois minutos e 40 segundos, correspondentes à segunda parte da música. Por fim, apanhou o celular mais uma vez para a contagem do movimento final, de um minuto e 20 segundos.
— Ficamos esperando que ela vá, em algum momento, tocar alguma coisa — diz a atriz Ana Makki.
É claro que isso não acontece. A execução de Calcanhotto resume-se a cronometrar e abrir e fechar a tampa do teclado. Nos intervalos, repousa as mãos sobre as coxas. No São Pedro vazio, ressoam ruídos quase inaudíveis. A respiração do espectador vizinho, a ventilação dos equipamentos de áudio. E, mesmo com a plateia bastante livre, há o que a poeta Carmen chamou de densidade do silêncio. É como se os sentimentos — a angústia de um, o conforto de outro, ou mesmo a excitação — se amontoassem no espaço vazio. Cage, afinal, propôs que escutássemos o ruído. Quando Adriana se levanta e agradece, calada, as palmas irrompem mais uma vez. O barulho encerra o show silencioso, e cada um leva para casa o que ouviu.
Adriana Calcanhotto homenageou o compositor americano no Theatro São Pedro
Foto:
Félix Zucco
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