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Itapema FM  | 12/09/2012 18h06min

"Tropicália" passa em revista efervescência do Brasil nos anos 1960

Documentário que estreia nesta sexta-feira celebra o movimento musical e estético capitaneado por Caetano Veloso e Gilberto Gil que sacudiu a MPB

Marcelo Perrone  |  marcelo.perrone@zerohora.com.br

No intervalo de dois anos, entre 1967 e 1969, o Brasil se viu diante de um paradoxo: à sombra da repressão e da censura impostas pela ditadura militar, germinou uma efervescência cultural que comungou música, cinema, artes plásticas e literatura em uma, de certa forma involuntária, manifestação coletiva de criatividade, experimentação e inconformismo. Esse ato de resistência pacífica teve enorme impacto, dimensionado pelo fato de ainda hoje seus principais protagonistas serem nomes de referência em seus respectivos campos. Mais efusivo e ruidoso segmento dessa onda, a Tropicália é tema do documentário homônimo que entra em cartaz nos cinemas nesta sexta-feira.

Embora o tropicalismo diga respeito ao inovador trem sonoro que misturou de Beatles a Luiz Gonzaga, pilotado no Rio de Janeiro pelos baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil, o diálogo deles com artistas de vanguarda que revolucionavam seus quintais à época — Glauber Rocha no cinema, Helio Oiticica nas artes visuais, Zé Celso Martinez Côrrea no teatro e José Agrippino de Paula na literatura, entre outros —  fez todos ergueram, mesmo que a contragosto, o estandarte do movimento. No vagão de Caetano e Gil estavam os também baianos Tom Zé e Gal Costa e os paulistas Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, dos Mutantes, além do maestro Rogério Duprat, arquiteto sonora da Tropicália.

O cineasta Marcelo Machado foi bastante feliz ao costurar o todo o contexto artístico — e também o político —  na abordagem do universo musical, que é o foco do interesse maior de Tropicália. Esse é um recorte, aliás, recorrente nos documentários nacionais recentes sobre a MPB. Alguns personagens do filme já ganharam seus próprios documentários, caso de Caetano, Arnaldo Baptista e Tom Zé. A semente do tropicalismo também marca presença no ótimo Uma Noite em 67 — sobre o festival de música da Record que foi a estação de lançamento do foguete tropicalista.

— Meu grande objetivo era mostrar todos eles juntos. É fascinante como um grupo de pessoas com históricos e perspectivas diferentes conseguiu se reunir em um movimento como a Tropicália – diz a Zero Hora Marcelo Machado. — O contexto daquela época foi único.

Já na primeira cena, o documentário apresenta as muitas boas surpresas que virão amarrar a geleia geral. Mostra Caetano e Gil num programa da TV portuguesa, em 4 de agosto de 1969. A caminho do exílio em Londres com o amigo, Caetano decreta: “O tropicalismo está morto”. A partir daí, o filme reconstitui seu nascimento e sua breve história com imagens raríssimas, algumas reveladas ao público pela primeira vez.

— Eu queria trabalhar com pesquisa de arquivo e fugir das entrevistas — explica Machado. — Questiono muito esse recurso no documentário. Tem quem faça isso muito bem, como o Eduardo Coutinho, mas não era o caminho para o meu filme.

Os depoimentos no documentário são poucos e bons, pois só fala quem ali teve papel de destaque. Surgem em material de arquivo, como Rogério Duprat, falecido em 2006,   e nas entrevistas recentes com Caetano, Gil, Tom Zé e os irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias — Rita Lee não quis conversa, mas "fala" por meio de documentário nunca finalizado sobre Gal Costa realizado por amigos do diretor.

— No início, eu tinha um pouco de reserva em usar depoimentos que não fossem registrados por mim — pondera Machado. — Mas não tinha como não dar voz a figuras fundamentais do movimento.

O diretor ressalta que as primeiras pessoas que entraram no projeto foram dois experientes pesquisadores, Eloá Chouzal e Antônio Venâncio, que assinam os principais projetos de memória musical do Brasil. Junto com eles, um advogado começou a lidar com a complexa questão do direitos autorais.

— Consegui usar 90% do material pesquisado. — Mas sinto não ter conseguido imagens em movimento do José Agrippino de Paula. Tinha uma no filme A Mulher de Todos, do (Rogério) Sganzerla. Localizei o produtor filme, Antônio Galante, em Curitiba, Mas ele me disse:"Fiz esse filme sem leis de incentivo, com dinheiro do meu bolso, e o preço é este". E era caro. Tudo bem, é direito de quem arriscou financiar um filme independente no Brasil. Como estabelecemos valores máximos para cada compra de direitos, ficou inviável. Também gostaria de ter usado comerciais como o dos Mutantes para a Shell, que davam ideia da popularidade que eles alcançaram. 

José Agrippino, autor do livro-manifesto PanAmerica, um dos pilares teóricos do tropicalismo, participa com cenas do filme experimental que dirigiu, Hitler III Mundo. O cinema autoral brasileiro, a propósito, é muito citado em Tropicália. Perpassam o documentário, ou por ilustrar o espírito anárquico-criativo da época ou por registrar os tropicalistas no calor da hora, filmes como Terra em TranseCâncer, de Glauber Rocha, Meteorango Kid, de André Luiz Oliveira, O Demiurgo, de Jorge Mautner, As Amorosas, de Walter Hugo Khouri, Opinião Pública, de Arnaldo Jabor, e Os Herdeiros, de Cacá Diegues.

Machado explica que a parte mais trabalhosa — e prazerosa — foi a garimpagem em arquivos pessoais. Com companheiros de exílio dos baianos e com amigos que  passaram pel Europa à época, ele conseguiu registros do cotidiano dos expatriados em Londres. O documentarista inglês Murray Lerner lhe enviou filmes em 16mm espetacularmente preservados com a participação de Caetano e Gil no Festival da Ilha de Wight, o contraponto britânico à epifania hippie de Woodstcock. Chamam a atenção ainda os trechos do documentário Caetano/Gil/Gal, documentário inacabado pelo diretor Leon Hirszman que flagra Caetano e Gil nas ruas de Salvador, ao som de Back in Bahia, no retorno da dupla ao Brasil,em 1972.

A celebração não deixa da abordar pontos polêmicos do movimento, como sua rejeição por parte da militância de esquerda, que via os tropicalistas como alienados e "americanizados" — a reação é simbolizada no memorável pito que Caetano passou nos universitários que o vaiavam num festival. Também houve ciúme, rivalidade, e empresário que viu a onda como negócio lucrativo.

— O filme é um deleite para a geração que viveu isso, mas eu gostaria de chegar é no público jovem que não conhece essa história — diz Machado.

ZERO HORA
Acervo Iconographia / Bossa Nova Films

Gilberto Gil com Os Mutantes em cena de "Tropicália"
Foto:  Acervo Iconographia  /  Bossa Nova Films


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