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Itapema FM  | 13/08/2012 17h55min

Documentário lança nova luz sobre a música brega

Em cartaz em Porto Alegre, "Vou Rifar Meu Coração" aborda relação passional dos fãs com sucesso de ídolos populares

Marcelo Perrone  |  marcelo.perrone@zerohora.com.br

Trilha sonora das novelas mais assistidas do Brasil no momento, a propalada ascensão social da classe C, as listas das mais tocadas nas rádios. Elementos como esses reforçam a impressão — como todo olhar superficial, não imune a preconceitos e estereótipos — de que se vive-se no país uma vigorosa celebração do universo popular um dia pejorativamente classificado como brega.

Em cartaz na Capital — na Sala Eduardo Hirtz da Casa de Cultura Mario Quintana e, a partir da próxima sexta-feira, também no CineBancários —, o documentário Vou Rifar Meu Coração lança sobre esse universo um olhar afetivo e antropológico. Com direção da carioca Ana Rieper, o filme reacende uma discussão que tomou fôlego 10 anos  atrás, quando o historiador e jornalista Paulo Cesar de Araújo lançou o livro Eu Não Sou Cachorro, Não — a obra destaca o processo de marginalização sofrido (ou imposto) nos anos 1960 e 1970 por artistas populares como Odair José e Waldick Soriano. De lá pra cá, o que antes era cafona virou tema de estudo acadêmico, ganhou tratamento mais respeitoso e inspirou releituras de roqueiros e artistas celebrados da MPB, que vão de Marisa Monte a Marcelo Janeci. Está liberado pela cultura pop celebrar a paixão ou chorar um amor perdido sem floreios poéticos.

Antropóloga e geóloga por formação e documentarista por paixão, Ana viveu em Aracaju (Sergipe) por quatro anos, período em que teve contato com universo da música brega:

— Andando pelo interior, por beiras de estradas e convivendo nas casas das pessoas, ouvi muitas histórias relacionadas com músicas que marcaram suas vidas. Decidi tratar desse tema saindo do olhar acadêmico e investindo no olhar poético.

Os personagens de Vou Rifar Meu Coração são pessoas que listam canções que, acreditam, descrevem dramas de suas vidas. Ou, como alguém diz no filme, "vivem o que escutam". O frentista abandonado pela mulher lembra Folha Seca, de Amado Batista ("Era uma tarde tão triste quando ela partiu / Na curva daquela estrada ela então sumiu / Era como folha seca que vai onde o vento quer / Me enganei quando dizia tenho uma mulher"). Para a moça que busca um namorado, Roberta Miranda canta uma página de seu diário ("Solidão mora comigo / Onde anda quem me quer?"). E assim é com o rapaz que se casou com a prostituta, o travesti que quer ser amado como mulher, a amante abandonada, o homem com duas famílias.

Durante a realização de Vou Rifar Meu Coração, Ana ouviu artistas de diferentes gerações sobre essa relação passional com os fãs. Foi então que o documentário ganhou uma mudança de curso.

— Percebi nas entrevistas com os mais antigos uma profunda mágoa. Apesar da fama e do dinheiro que ganharam, eles sentem terem sido considerados lixo cultural por uma  visão elitizada e preconceituosa dos formadores de opinião —  diz Ana. — O Nelson Ned lotou duas noites do Carnegie Hall, em Nova York. Assisti a um show de Amado Batista, no Vivo Rio, e fiquei impressionada. É um lugar com ingresso caro e estava lotado, com a plateia cantando todas as músicas. 

Assim, figuras clássicas do cancioneiro romântico (Lindomar Castilho, Odair José, Agnaldo Timóteo, Nelson Ned, Wando e Amado Batista) surgem no filme com depoimentos sobre seus sucessos e também sobre o tratamento que tiveram "dos intelectuais".

— Tem a praia da música popular de Ipanema, a MPI,  e a minha, a MPB, a mesma música popular brasileira de Roberto Carlos, Luiz Gonzaga e Tom Jobim, destaca Odair José, para quem dor de corno dói tanto no médico quanto no pedreiro. — Não existe grau de intelectualidade no sofrimento que é perder a mulher de que se gosta.

Com seu característico tom beligerante, Timóteo provoca:
— "Entra meu amor / Fica a vontade / E diz com sinceridade / O que desejas de mim". Eu cantando isso é brega. Se fosse o Chico Buarque era chique. Nelson Gonçalves cantando Negue é cafona. Maria Bethânia grava e vira um luxo.

Ana também falou com Rodrigo Mell e Walter de Afogados, que despontam ao lado de nomes como Gaby Amarantos nessa reinvenção do brega sob as luzes das trilhas das novelas globais. Mas a diretora não concorda que esses novos artistas figurem nesse universo pelo viés da paródia, em contraposição à maior autenticidade dos "clássicos".

— Eles são tão genuínos quanto os mais antigos. Ocorre que sobre esses mais velhos se olha agora em perspectiva, de forma romantizada. Chupa que É de Uva (de Rodrigo Mell) representa esse universo hoje tanto quanto Pare de Tomar a Pílula (de Odair José) representava nos anos 1970. 

Assista ao treiler do filme.

Meu brega favorito

"Vou de Wando, aquela do ‘você é luz, é raio, estrela e luar’... Essa música é um daqueles horrores adoráveis, como pinguim de geladeira, flor de plástico ou abajur vermelho. Não paira dúvida alguma sobre a ruindade da música, mas, sem pretensão, ela é graciosa, divertida, bem-humorada. A graça dessas canções deus-me-livre é essa, eu acho: a coisa ser ruim de doer e não pretender ser além do que é."

CÍntia Moscovich, escritora

" A única brega de que eu gosto é o punk brega do Wander Wildner. Vale Eu Tenho uma Camiseta Escrita Eu te Amo? Mas tenho uma simpatia afetuosa pelos cantores bregas porque eles falam de sentimentos tão elementares, tão comuns e tão renegados pelo ‘bom gosto’. Não consigo gostar, mas me divirto se alguém canta na minha frente."

Marcia Tiburi, filósofa e escritora


"Já me ‘apeguei’ a mais de uma música considerada brega. Na época em que vivia nos rodeios, uma das que mais gostava era Nuvem de Lágrima, de Chitãozinho e Xororó. Acho que essas músicas nos tocam quando estamos sentimentais. Ser brega é um estilo e ter estilo é ter personalidade."

Ingra Liberato, atriz


"Não sei se eram consideradas bregas, mas eu curtia o molejo das músicas do Claudinho e Buchecha."

Martha Medeiros, escritora e cronista


"Uma música brega na hora certa é fundamental. Quem nunca gostou que atire a primeira pedra. A que eu mais gosto, até hoje choro (de verdade), é Impossível Acreditar que Perdi Você, do e com o Márcio Greyck. É perfeita, uma das músicas que escuto sempre."

Luciano Alabarse, encenador de teatro

ZERO HORA
Paladina Filmes / Divulgação

Wando, que morreu em fevereiro de 2012, é um dos artistas entrevistados
Foto:  Paladina Filmes  /  Divulgação


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