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Itapema FM  | 06/08/2012 17h10min

Escritoras são responsáveis pelas séries que dominam as listas de mais vendidos

Fenômeno feminino traz autoras que criam gêneros imitados pelo mercado de entretenimento

Carlos André Moreira  |  carlos.moreira@zerohora.com.br

As mulheres estão cada vez mais entronizadas no papel de produtoras de fenômenos editoriais.

Para além do policial, em que sempre tiveram presença demarcada (vide Agatha Christie ou Patricia Highsmith), as escritoras hoje frequentam listas de best-sellers planetários não apenas com livros filiados ao romantismo açucarado, mas a gêneros antes dominados por homens, como fantasia e ficção científica. 

Se autoras "sérias" como Margaret Atwood eram presença rara em exercícios de gênero dominados por autores homens, hoje a cada nova onda comercial que varre as livrarias o nome pode ser o de um homem ou de uma mulher. A redescoberta dos adolescentes como ávido público consumidor de fantasia vem do sucesso de J.K. Rowling, ainda no final dos anos 1990, com a série Harry Potter. Autoras como Stephenie Meyer usaram a fantasia como um veículo para atingir em cheio não os adolescentes, indiscriminadamente, mas o público jovem feminino, cativo pela mistura de sobrenatural e muito romance da saga Crepúsculo.

O mais recente fenômeno é Cinquenta Tons de Cinza, da inglesa E.L. James, trilogia erótica que acrescenta um novo gênero à receita. Sai o sobrenatural e entra o erótico, trabalhado para satisfazer o imaginário feminino. Um fenômeno que encontra seu precedente, de acordo com a professora da UFRGS Rita Therezinha Schmidt, no avassalador fenômeno A História de O., publicado nos anos 1950.

- Pauline Reage começou a escrever A História de O., entre outros motivos, depois de ouvir um professor afirmar que nenhuma mulher conseguiria escrever uma obra erótica. E o livro se tornou um ícone - comenta a professora.

Cinquenta Tons de Cinza vem dominando as chamadas "listas de mais vendidos" desde que começou a ser comercializado. Os três livros ocupam o pódio dos três primeiros lugares em várias relações semelhantes - em e-book ou em papel, marcando o livro como o primeiro e incontestável best-seller da era digital. Mas a presença de James (discreta devido ao pseudônimo de iniciais que a autora Erika Leonard escolheu), não é um caso isolado. Na lista do New York Times, por exemplo, oito dentre 15 posições são ocupadas por mulheres, de autoras mais tradicionais como a onipresente Danielle Steel a jovens cultoras do thriller de suspense.

Mulheres escritoras em números

> De acordo com a recente pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, as mulheres formam o maior contingente de leitores do país. São 57%.

> Uma pesquisa realizada em 2011 pela instituição Romance Writers in America (Escritores de Literatura Romântica dos Estados Unidos) apontou que 91% do público consumidor de literatura romântica nos EUA são mulheres.

> Na França, a pátria da palavra escrita, as mulheres passaram de 68% do público leitor, em 1973, para 74%, em 2003, de acordo com relatórios oficiais do governo francês.

Fenômeno feminino
Escritoras criam gêneros imitados pelo mercado de entretenimento

Em entrevista de Paulo Coelho publicada no Segundo Caderno, o mago do best-seller lamentava que sua editora tivesse programado o lançamento de seu novo romance para a mesma época da chegada às livrarias de Cinquenta Tons de Cinza, de E.L. James.

A reclamação procede. James representa um novo tipo de best-seller relâmpago, que carrega consigo uma legião de imitadores, praticamente criando um gênero - majoritariamente produzido e consumido pelo público feminino.

Uma das explicações para esse fenômeno não é necessariamente nova: as mulheres historicamente foram apontadas como as grandes consumidoras da literatura de ficção. Elas leem mais no Brasil, nos Estados Unidos, na França e na Inglaterra, mesmo com a redução de tempo produzida pela entrada desse público no mercado de trabalho. O que pode ser acrescentado de diferente no atual cenário é o impulso produzido pela tecnologia, do cinema às redes sociais, para que as leitoras de hoje entreguem-se ao projeto de serem as escritoras de amanhã.

- Cada vez existem mais leitoras. Consequentemente, elas querem escrever mais. Acho que a relação é mais ou menos essa: quem lê mais se aventura mais a escrever, porque o que leu pede uma resposta, mesmo no caso da literatura de entretenimento. Uma história puxa a outra - comenta a editora Lourdes Magalhães, da Primavera Editorial.

Ao menos no aspecto do mais recente fenômeno de vendas, essa "transmissão" é direta e assumida. E.L. James, a autora de Cinquenta Tons de Cinza, começou escrevendo fanfics (histórias produzidas por fãs) com os personagens Bella e Edward da série Crepúsculo, de Stephenie Meyer. Só depois alçou-se a produzir seu próprio material, uma série com muito mais sexo do que as castas aproximações e hesitações entre Bella e seu pretendente de caninos longos. Da leitura, nasceu a necessidade de apropriação da história e, mais tarde, da expressão de uma história diversa, própria. Esse movimento reproduz, na literatura voltada para o consumo, um fenômeno semelhante ao já ocorrido no âmbito da literatura dita "séria" - assim chamada por falta de melhor termo, mas talvez o mais apropriado fosse "artisticamente mais ambiciosa".

- Houve, em um primeiro momento, a valorização de uma escrita feminina na literatura de autoras stricto sensu, e essa literatura mais ambiciosa preparou o caminho para o cenário de hoje, em que há a presença feminina também em peso nos grandes fenômenos de mercado. Esse processo seria mais difícil hoje se não tivesse havido esse movimento anterior da literatura "séria" - diz Fábio Durão, professor de Teoria Literária da Unicamp.

Essa presença das mulheres como agentes ativas da literatura voltada para o entretenimento, contudo, para alguns não representa necessariamente uma vitória dos valores associados à original luta por maior presença feminina. A reafirmação da castidade promovida por Crepúsculo, a submissão narrada em Cinquenta Tons de Cinza e até mesmo uma indeterminação etária do público, herança ainda da série Harry Potter, podem ser vistas mais como retrógradas do que elogiáveis.

- Reinstitui-se a questão do amor romântico. É interessante observar que, em uma certa faixa da população feminina adolescente, ainda é recorrente o sonho com "o príncipe encantado". E quando se tem uma história de amor mesclada à violência na sexualidade, o que implica relações de poder, a história de amor ratifica a submissão da personagem feminina - diz a professora Rita Theresinha Schmidt, da UFRGS.

Para ela, contudo, o saldo desses fenômenos não é negativo.

- Isso implica dizer que o livro não está morto, que a literatura vive, e que é uma grande reserva de imaginação geradora de sensibilidades criativas e também de valores postos em discussão.

Criadoras de modismos

E.L. James

Quem é: executiva de TV inglesa, começou seus exercícios literários escrevendo ficções de fã ambientadas no mesmo universo da saga Crepúsculo, de Stephenie Meyer. Depois, ampliou seu trabalho para uma história de tons eróticos publicada originalmente na internet e depois incorporada por uma grande editora. É a atual "autora-sensação" do momento.
A Obra: Cinquenta Tons de Cinza (Intrínseca) é uma obra que mistura o romance açucarado ao estilo da literatura romântica de bancas de jornal com um erotismo bastante mais ousado, narrando o envolvimento de uma jovem com um homem mais velho e bem-sucedido, obcecado por controle.
> Antecedentes: ao incluir sexo de verdade na atmosfera romântica sacarínica de Crepúsculo, James conquistou um público feminino amplo, disposto a fruir uma história carregada de romance com um apelo erótico inusitado com toques de dominação e sadomasoquismo. É também o equivalente pós-moderno de A História de O, sucesso erótico de Pauline Reáge nos anos 1950.
> Consequências: O sucesso chamou atenção para obras semelhantes que já tentam pegar carona, como Beautiful Disasters, de Jamie McGuire, ou Gabriel's Inferno, de Sylvain Renard.

Suzanne Collins

> Quem é: escritora e roteirista de televisão, havia publicado uma série de sucesso reinterpretando Alice no País das Maravilhas antes de se tornar um fenômeno global com o primeiro volume da série Jogos Vorazes.
A Obra: distopia em três volumes na qual adolescentes lutam até a morte em um reality show promovido por um Estado ditatorial.
> Antecedentes: talvez não houvesse Jogos Vorazes sem o sucesso de Harry Potter, que reinstituiu a fantasia a seu lugar no mercado infantojuvenil. O mito de Teseu e o Minotauro é outra inspiração. Críticos apontam semelhanças com a série japonesa Battle Royale.
> Consequências: a série ganhou uma adaptação cinematográfica de sucesso e tem gerado centenas de fanfics na rede.

Stephenie Meyer

> Quem é: dona de casa americana que, após ter a inspiração em um sonho, escreveu a história de uma adolescente comum e desajeitada, alvo do interesse de um jovem vampiro. Com o sucesso da série, virou uma das autoras mais ricas do mundo.
> A Obra: Crepúsculo aproveita a fantasia resgatada pelo sucesso comercial de Harry Potter e inclui fartas doses de romance açucarado de apelo adolescente.
> Antecedentes: Meyer trouxe romantismo desbragado para um dos mitos consagrados do horror, abordado antes por Bram Stoker (Dracula) e Anne Rice (Entrevista com o Vampiro).
> Consequências: uma legião de obras românticas com horror sobrenatural, como Beijada por um Anjo, de Elizabeth Chandler, e Os Imortais, de Alyson Noël.

J.K. Rowling

> Quem é: recém-separada e desempregada, a jornalista britânica Joanne K. Rowling começou a escrever uma história sobre um jovem estudante de magia e criou a série que estabeleceu as bases do entretenimento contemporâneo na literatura.
> A obra: Em sete volumes, Harry Potter, a história de um jovem que se descobre bruxo e salvador do mundo, vendeu mais de 450 milhões de exemplares ao redor do globo.
> Antecedentes: Rowling aproveitou em seus livros elementos de mitologias variadas e inspirou-se em J.R.R. Tolkien (O Senhor dos Anéis) e C.S. Lewis (Crônicas de Narnia).
> Consequências: Rowling provou que a fantasia era rentável, influenciando a direção que boa parte do ramo editorial seguiria no século 21.

ZERO HORA
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Fenômenos: E. L. James, Suzanne Collins, Stephenie Meyer e J. K. Rowling
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