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Itapema FM  | 21/05/2012 17h15min

João Nogueira, um sambista de calçada

Confira entrevista com o jornalista Luiz Fernando Vianna, sobre a obra de João Nogueira

Francisco Dalcol  |  francisco.dalcol@zerohora.com.br

Como cantor e compositor, João Nogueira ficou no caminho do meio. Não vinha do morro, mas também não pertencia à classe média que formatou a MPB nos anos 1960, mesma época em que virou artista. Por isso, preferia ser chamado de sambista de calçada, especialmente pela sua origem suburbana no Rio. Para completar, não era músico, mas tinha a musicalidade inata dos sambistas. Boa parte do personagem é saborosamente apresentada no livro que faz parte do Samba Book João Nogueira. Não é exatamente uma biografia: o texto, escrito pelo jornalista Luiz Fernando Vianna, é uma discobiografia, que acompanha o sambista do primeiro disco, João Nogueira (1972), ao último, Esquina Carioca (1999). Vianna, comenta, em entrevista à ZH, as particularidades e o legado de João Nogueira.

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Zero Hora – O que mais lhe atraiu na vida de João?

Luiz Fernando Vianna – A história de ele ter perdido o pai muito cedo, com 11 anos. O pai tinha sido um grande violonista, tocou com Pixinguinha e Noel Rosa. O João tinha um grande fascínio pelo pai e a musicalidade dele inata acho que vem um pouco desse lado genético.

ZH – O que o diferencia como "sambista de calçada"?

Vianna – Na carreira artística, ele tinha uma coerência muito grande e até pagou por isso. Ele se dizia um sambista de calçada porque era do subúrbio, do bairro do Méier. Ele não era do morro, a tradição do samba, nem era da classe média de onde vinha, por exemplo, Chico Buarque. O João era muito boêmio, sempre nas ruas e fazia músicas de observação do cotidiano.

ZH – O João pode ser lembrado como defensor do samba, especialmente com a criação do Clube do Samba?

Vianna – Ele pagou por isso porque, na medida em que tentou firmar posição de defesa do samba, da música brasileira tradicional em um momento em que ainda havia polaridade com a música internacional, ele foi, de certa forma, afastado das gravadoras. Até porque ele não tinha postura de temperança. Mesmo fazendo relativo sucesso, foi saindo das gravadoras. Não era uma pessoa de trato fácil. E o Clube do Samba surgiu em 1979, na época das discotecas, da novela Dancin' Days. Era uma época em que o samba estava fora da TV, das rádios, com muitos músicos sem conseguir trabalho. A ideia era um lugar para cantar, compor e também um QG para discutir as ideias e ir à imprensa. Até o Fantástico fez matéria na época. Hoje, parece um pouco de xenofobia e visão estreita com a música internacional, mas era outro tempo, de ditadura, de gravadoras internacionais. Depois, o João faliu com o Clube do Samba e passou o resto da vida pagando dívidas.

ZH – Como ele trabalhava em suas composições?

Vianna – O João era o melhor intérprete dele mesmo, mas não era músico. Fazia uns três acordes no violão. Mas isso é muito comum no samba, com caras que têm um ouvido muito especial, uma musicalidade muito forte. O João fazia de ouvido, cantarolando, com uma caixa de fósforos para marcar o ritmo. Só quem é bom mesmo sabe fazer isso.

ZH – Como situar o João na tradição do samba?

Vianna – Tanto como cantor quanto compositor, ele tem uma ligação forte com o samba sincopado, de Wilson Batista e Geraldo Pereira, e com a temática da malandragem, das ruas, que também tem a ver com Noel Rosa. É um samba muito ligado ao Rio e a seus personagens, mas ele também tinha um lirismo muito grande, de músicas românticas muito bonitas, que vai se casar com outra paixão dele, que é a Portela. Como cantor, o João também é sincopado, como Ciro Monteiro, Jorge Veiga e Moreira da Silva. Esse tipo de cantor que atrasa o compasso, depois volta. Um tipo de divisão muito peculiar. Não é a interpretação limpa do Orlando Silva, do Mário Reis. É uma interpretação suja no sentido de que ele fazia a divisão que ele achava melhor. Nisso, o Zeca Pagodinho diz que a grande influência dele é o João. Marcelo D2 e Seu Jorge também se influenciam nele.

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