Era um dia normal de aula na Escola Estadual Conselheiro Mafra quando Ronaldo escutou dois colegas conversando. Falavam sobre ele e um dos colegas referia-se à Ronaldo como "o filho da doméstica" — como se a profissão da mãe fosse uma espécie de palavrão na boca do adolescente. Pelo menos vinte anos se passaram desde este episódio, mas não foi apagado da lembrança do músico.

ÁUDIO: ouça aqui a música.

VÍDEO: confira uma entrevista com os integrantes da banda e as mães



— Eu ficava pensando porque ele tinha que falar da minha mãe e profissão dela. Éramos só nós dois, ela é minha única família. Por isso, eu quis fazer um desabafo —  conta ele.

O desabafo veio na letra de "Desconceito", canção que será lançada no próximo álbum, o terceiro da banda. Apesar de escrita pelo vocalista, a letra faz parte da história dos três integrantes da Fairans. Ronaldo já sabia que a mãe compartilhava da mesma profissão que a mãe de Maikel, mas só depois de apresentar "Desconceito" para Rafael é que eles descobriram que Gilza, agora professora aposentada, havia começado a vida profissional da mesma forma. Quando os filhos nasceram, ela já trabalhava em Centros de Educação Infantil, mas, aos 17 anos, saiu de Biguaçu para cuidar da casa e do filho de uma professora joinvilense.

— Foi ela que me ajudou a  fazer o magistério, mas ficou triste quando eu quis ir embora. Eu já administrava toda a casa e eles estavam acostumados comigo — lembra Gilza.

Não é só na canção da Fairans que as domésticas estão em alta. Na novela global "Cheias de Charme", o público tem acompanhado as histórias de Penha, Rosário e Cida, domésticas que sonham com uma outra vida mas, no dia-a-dia, tem problemas e desafios como as da vida real, com os quais Benta e Gilza também conseguem se identificar ao assistir.

— Eu me lembro de como era difícil sair pra trabalhar e deixar o Ronaldo. Primeiro, ele ficava no meu pai e eu ia lá visitar, depois, aos cinco anos, ele já ficava sozinho — conta Benta.

E, se não sonhava com a carreira de cantora como as personagens da novela, ela pelo menos influenciava o filho a pensar na carreira, já que a paixão pela música partiu dela. Além dos duetos na pia da louça, quando cantavam "Voa Bicho" — que, aliás, também era trilha na casa de Gilza e Rafael —, Ronaldo costumava ajudar a mãe no trabalho quando a acompanhava.

— Nós lavávamos as paredes do prédio cantando — recorda ela.

A coincidência entre o lançamento de "Desconceito" e da novela já foi feita por Ronaldo que, logo que "Cheias de Charme" estreou, viajou para o Rio de Janeiro para divulgar o novo álbum da banda e deixou uma gravação da canção com a produção da Rede Globo, como uma opção para ser incluída na trilha sonora da novela.

— Sei que essas coisas são definidas com antecedência, mas, de qualquer forma, a música está lá se quiserem usar — avalia ele.

"Desconceito" foi produzida pensando em ajudar crianças e adolescentes que se sentem constrangidos em ter a mãe trabalhando como doméstica. A letra fala sobre a superação com a qual as mães conquistaram melhores condições de vida para os filhos e de como elas são tão valiosas quanto todas as outras mães. Este, no entanto, nunca foi um problema para os garotos da Fairans.

Mães, as maiores fãs

A construção da consciência social que aparece nas letras das canções da banda joinvilense Fairans começou há muito mais tempo que a década em que Ronaldo Santiago, Maikel Poa e Rafael Oliveira reuniram o grupo. Ela se formava nos duetos de "Voa Bicho" na hora de lavar a louça, nos cafés passados para as tardes de ensaio e nas toalhas bordadas especialmente para pagar a gravação do primeiro álbum. Tudo influência das mães da banda - e aqui se aplica um dilema matemático em que três é menor ou igual a duas: Benta Oliveira e Gilza Oliveira  (que, apesar do sobrenome igual, não são da mesma família), são as mães dos três, e é para elas que os rapazes cantam e a elas que procuram quando estão no palco.

— Outro dia, nós estávamos tocando em Balneário Camboriú e, olhando em volta, procurei o rosto da minha mãe. Não encontrei e pensei  'ah, ela não veio'! Então a vi no cantinho, do lado do palco — conta Rafael, assumindo uma frequência que é muito mais comum em bandas iniciantes: a das mães que não perdem um show dos filhos.

Mas, mesmo quase dez anos depois que a Fairans foi criada, elas não se cansam de acompanhá-los, torcer pelo sucesso do grupo e fazer sacrifícios para que os roqueiros alcancem o sucesso.

E, por sacrifícios de mãe de roqueiro, entende-se mais do que abrir mão da tarde de sábado para deixar o grupo ensaiar na sala.

— Nós sempre moramos de aluguel e vi minha mãe lutar muito para comprar um terreno, mas, quando quisemos gravar o primeiro CD e não tínhamos dinheiro, ela falou: filho, se precisar, a gente vende o terreno para pagar o CD — lembra Ronaldo.

A venda não precisou ser feita, mas agulhas e fios de linha foram colocadas em prática para que Benta, mãe de Ronaldo, bordasse toalhinhas e as comercializasse para ajudar a pagar as despesas da produção do álbum "Contra o Tempo", em 2005.
 
Gilza e Benta são, afinal, as principais fãs e promotoras da banda e transformaram o grupo em uma família. Para Maikel, que já não tem muito contato com a mãe, elas são a base de apoio.

— Elas são ótimas, estão sempre presentes para ajudar. Eu as adotei como se fossem minhas — afirma.

Pocket show

Nesta sexta, às 20 horas, a Fairans faz um pocket-show na Livrarias Curitiba do Joinville Garten Shopping, no qual apresenta canções do terceiro álbum, "Todas as Manhãs do Mundo", além de relembrar músicas que fizeram sucesso na trajetória dos joinvilenses. A entrada é livre e gratuita. No sábado, 19 de maio, eles fazem um show no Teatro do Sesc Joinville. Todas as apresentações são um pré-lançamento do novo CD, que ainda não tem data de lançamento.

— Não queremos lançar um CD que as pessoas não conhecem. Nossa intenção é divulgar as canções e, quando o público já conhecer as faixas, lançamos o álbum —comenta Rafael.

Produzido por Ricardo Vidal, "Todas as Manhãs do Mundo" conta com a participação de Tom Sabóia na guitarra.