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 | 09/04/2012 06h10min

Os cem anos da pureza do homem do interior, Mazzaropi

Por décadas, Amácio Mazzaropi habitou o imaginário popular do brasileiro com seu personagem por vezes ingênuo e em outras esperto

Artista de circo, ator, produtor, diretor, compositor e, eventualmente, cantor. Amácio Mazzaropi,ou simplesmente, Mazzaropi, foi isso tudo e muito mais. Por décadas, ele habitou o imaginário popular brasileiro como a mais pura expressão da cultura do interior do país. Fez por merecer esta fama.

Seus personagens, por vezes ingênuos, outras vezes espertos ou atrapalhados, tinham a marca da boa índole do homem típico, que pode até buscar levar uma vantagem ou outra, mas conserva a pureza das intenções e a retidão do caráter.

Se estivesse vivo, Amácio Mazzaropi comemoraria hoje cem anos. Filho de um imigrante italiano e de uma portuguesa, o artista que mais bem representou o caipira brasileiro nasceu em São Paulo, mas foi criado em Taubaté e Tremembé, no Vale do Paraíba, região onde o termo caipira nunca foi motivo de vergonha.

Desde cedo, mostrou vocação para o palco, declamando poemas e participando de pequenas peças teatrais. Como, na época, ter um filho artista não era exatamente o sonho da maioria dos pais,Amácio foi enviado para Curitiba,onde trabalhou na fábrica de tecidos do tio. Mas aí já era tarde, pois o vírus da arte já estava inoculado.

Mazzaropi começou no teatro em 1932, chegou ao rádio em 1946 e à TV em 1950. Mas a fama começa a tomar maiores proporções com a estreia no cinema, em 1952, com Sai da Frente, no qual interpreta Isidoro Colepícula, um chofer de caminhão de frete. Foi também o primeiro de seus três filmes na Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Até 1958, também filma, em outras companhias, mais cinco produções - todas ambientadas na capital paulista ou no interior.

Neste mesmo ano, consciente da sua responsabilidade pelos grandes sucessos da Cinedistri, resolve dar um passo à frente e funda a Produções Amácio Mazzaropi - PAM Filmes. Porém, foi em 1959, no filme Jeca Tatu, que ele encontrou o tipo ideal que o marcaria para o resto da vida.

O personagem que dá título ao filme, personificação do caboclo preguiçoso, doente e indolente retratado por Monteiro Lobato em seu livro Urupês, passa a ter a cara, o andar, o falar e os trejeitos de Mazzaropi. A esta altura, seus filmes já arrastavam multidões e formavam filas na porta dos cinemas. E ele aproveitava esta empatia para falar ainda mais diretamente ao seu público.

Nas estreias de suas produções, Mazzaropi sempre comparecia e conversava com a plateia, buscando ouvir o que o povo achava de seu trabalho. E foi assim até o fim da carreira. Até 1980, ele produziu, dirigiu, escreveu e atuou em muitas outras produções próprias, sem financiamento estatal, sem aprovação da crítica, mas com imenso apoio popular. Mazzaropi morreu em 13 de junho de 1981, aos 69 anos, em Taubaté.

Um sobrevivente

Durante quase três décadas, Mazzaropi fez um sucesso nos cinemas do Brasil, mesmo enfrentando concorrentes de peso. Na década de 1950, suas comédias ingênuas formavam uma espécie de contraponto às piadas de duplo sentido das chanchadas da Atlântida. Nos anos 1960, a temática popular, de histórias simples e que falavam a língua do povo, batia de frente com o intelectualismo do Cinema Novo. Na década de 1970, ainda conseguia bater na casa de 1 milhão de espectadores e fazer frente aos filmes de outra potência de bilheteria do cinema nacional: Os Trapalhões. Tudo isso sem apelar para a nudez e as piadas pesadas. O Museu Mazzaropi, em Taubaté (SP), está com programação especial para o centenário. Confira em www. centenariomazzaropi.com.br.

Infância com diversão garantida aos domingos

Na minha infância em Lorena, no Vale do Paraíba, interior de São Paulo, saber que teria filme do Mazzaropi no final de semana era dupla garantia: para nós, de diversão na tarde de domingo; para os donos do cinema, de lotação esgotada. E olha que eram 1.150 lugares - 950 na plateia e 200 no mezanino - numa cidade de, sei lá, 50 mil habitantes.

Numa época em que não havia muita preocupação com a segurança e nem lugar marcado, pessoas assistiam aos filmes do Jeca espalhadas pelos corredores da sala de exibição, se preciso fosse. Não nos importávamos com calor, lotação, fila virando a esquina pra comprar ingresso, fila pra entrar.

O importante era gargalhar à vontade com aquele tipo tão próximo de nós. Afinal, Mazzaropi estava presente no vizinho carroceiro, no leiteiro que andava desengonçado, no meu tio-avô que morava na roça e tinha até um bigodinho parecido com o do artista. E Mazzaropi retribuía o esforço de seu público tão devotado. A cada careta ou situação criada por ele para nos divertir, a plateia vinha abaixo, como na vez em que eu mais dei risada em toda a minha vida no cinema.

O filme era Jecão... Um Fofoqueiro No Céu, de 1977. Jecão é morto por um fazendeiro e vai parar no céu, onde apronta todas a que tem direito. Até que consegue voltar à Terra. Na volta, acompanha o próprio enterro e, lá pelas tantas, resolve abrir a boca. É claro que tudo vira um corre-corre danado, com gente se jogando e se escondendo como pode da assombração. A simples cena de um sujeito erguendo a cabeça por cima de um muro pra espiar, com os olhos arregalados e os cabelo todinho arrepiado, me fez gargalhar sem parar e ainda me dá vontade de rir. (M.S.)

*Jornalista orgulhosamente nascido e criado no interior caipira tão bem retratado por Mazzaropi.

MARCELO SANTOS
Acervo / ACERVO MUSEU MAZZAROPI

Ator interpretava um homem pacato que se faz passar por cangaceiro em O Lamparina, 1963
Foto:  Acervo  /  ACERVO MUSEU MAZZAROPI


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