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 | 16/03/2011 08h11min

Artista joinvilense Juarez Machado comemora 70 anos nesta quarta-feira

Amigos e parentes são os personagens que contam sua história

Cláudia Morriesen  |  claudia.morriesen@an.com.br

No verão, Leonora Machado sempre conta com uma companhia agradável para sua caminhada pela quadra. Ela segura no braço de um homem que é a companhia que ela já conserva há 70 anos e que divide com ela o amor pela arte. Há algumas décadas, eles costumavam sentar lado a lado na sala de casa enquanto ela esperava a chegada do marido, que passava dias fora de casa, viajando.

Foi ali que ela percebeu os primeiros traços do artista que nasceu dela e também nascia ao lado dela, surpreendendo-a com suas invenções que pareciam, a princípio, ações de um menino serelepe. Mas hoje, aos 94 anos, Leonora sabe que eram os primeiros passos de Juarez Machado, um dos artistas de quem os moradores de Joinville mais se orgulham e que participa de uma geração de artistas que revolucionaram a arte do século 20 e continua fazendo suas serelepices incessantemente no novo século.

Mãe e filho já não dividem mais a sala de casa para pintar, porque o artista vive em Paris e ela se ocupa de cuidar da saúde e de receber visitas com a mesma dedicação que ensinou ao filho mais velho. E é com a mesma dedicação que ele cuida de quem o criou quando está em Joinville. Ele acorda cedo e já começa a produzir. Depois faz uma caminhada, toma banho e fica pronto para tomar café com dona Leonora na hora em que ela acorda.

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A partir dali, o dia dele é quase todo dedicado à mãe, conta a assistente Maria Aparecida. Quando João de Oliveira Machado faleceu, os filhos de Leonora ainda eram jovens. Ela não poupa elogios aos seus meninos, Juarez e Edson, de 57 anos. A raiz estava pronta, e era forte. O pai era um contador de histórias que reunia a família para ouvir aventuras sobre mulheres grandes e bonitas. São as mesmas que encontro hoje nos quadros de Juarez, conta a prima, Yara Busch. João também gostava de esculpir peças em madeira, tudo a canivete, com o mesmo perfeccionismo das obras que o filho produz.

Já Leonora fazia pinturas, bordados e crochês e dela Juarez herdou o talento para enxergar o trivial com outros olhos. A Edson coube o talento com as letras: e o irmão, sempre exagerado na dedicação, levou o futuro jornalista ainda jovem para conhecer todas as redações do Rio de Janeiro. E, para minha surpresa, tratava todos aqueles grandes profissionais da imprensa da época como iguais, relata Edson. A história de Juarez está espalhada pelo mundo assim como suas obras queridas, que ele agora tenta resgatar para ter por perto.

Em seu aniversário de 70 anos, foram os parentes e amigos que quiseram reunir sua história para homenageá-lo. Mas não é o artista que aparece nas próximas páginas: é o filho, o irmão, o namorado, o primo, o sobrinho e o amigo apaixonado pelas pessoas que dividem com ele essa história.

Yara, prima

Yara Busch é filha do irmão caçula de Leonora, mãe de Juarez. Hoje ela vive em São Paulo, cidade onde foi visitar o primo mais velho quando ainda tinha 15 anos e recebeu de presente uma maquiagem que transformou o rosto de menina. O nariz coberto de sardas, que ela odiava, foi disfarçado naquele dia, mas ela ganharia de Juarez outro presente.

Clique e confira a carta enviada por Yara

— Juarez foi o único que conseguiu me convencer que eram exatamente essas sardas que eram o meu ‘it’. E eu acreditei nisso até hoje —, conta ela.

— [Juarez] Nunca se sobressaiu por sua beleza física, ao contrário, sempre foi baixo e narigudo, mas sempre jogou bem com essa desvantagem. Ninguém soube tirar partido de seu vestir como Juarez. Ele sempre trajava ‘o não esperado’ para aquele momento, o qual, como por encanto, se transformava no ‘ideal’ aos olhos dos outros. Suspensórios, cartolas, lenços e bengalas sempre fizeram parte de seu guarda-roupa usual. Era charmoso, estiloso ao extremo. Não havia menina bonita e cobiçada que por ele não se apaixonasse. Trazia consigo ainda algumas virtudes: dançava como ninguém e conseguia ser amado por toda a família de suas namoradas.

— Tenho muito orgulho de ser prima de Juarez Machado. Tive conhecimento de sua luta no início da carreira, sua ida a Curitiba, pois moramos muito tempo em Joinville na mesma rua. Quando partiu, foi ele com ele mesmo, mas hoje estou consciente de que levou uma valiosa bagagem de vida. Juarez foi o autor de muitos pontos de exclamações de minha vida! Parabéns pelos seus 70 anos!”

Verônica, a tia

A rua Padre Kolb assistiu a muitas brincadeiras do menino Jua, que não gostava muito de futebol, mas adorava andar de bicicleta. Depois de voltar do colégio – ele estudou no Colégio Estadual Conselheiro Mafra e no Colégio Bom Jesus – era ali que ele passava as tardes. Era “o tempo das visitas à tarde”, quando Verônica Maria Welter Machado levava a filha Ana Salete pela mão para ir à casa da cunhada, Leonora, para o café da tarde.

Foi assim que ela viu Juarez crescer do jeito que ela define como “um homem amoroso e trabalhador”, que quando vem a Joinville traz todos os materiais que tem da França para não parar de trabalhar. Mas toda essa intensidade já chegou a assustar a tia e a mãe.

— O Juarez devia ter uns oito ou nove anos numa tarde em que eu cheguei lá na casa dele e a Leonora me chamou correndo. Me levou ao quarto dele dizendo: ‘Olha só o que esse menino aprontou!’ Ele tinha forrado as quatro paredes do quarto com esqueletos de animais. Tudo o que ele tinha achado na rua de animais mortos, até pescoço de galinha e cabeça de morcego, ele pendurou no quarto dele. A mãe estava assombrada, mas eu falei a ela: ‘Talvez ele vire cientista’. Na verdade, é porque ele já era um talento nato, ele nasceu com essa capacidade de criar”.

Edson, o irmão

Juarez Machado foi filho único. Edson Machado foi filho único. Eles são irmãos, mas o ponto em comum na infância foi que os dois tiveram a mãe e o pai só para eles. Os 13 anos de diferença entre Juarez e Edson possibilitaram que eles dividissem a família, as memórias e cartas que ainda trocam entre Florianópolis e França, mas o irmão caçula – como todo irmão caçula – cresceu acostumado a enxergá-lo como a figura que estava muitos anos à frente, fazendo coisas esquisitas.

Quando Edson entrou na escola e começou a entender o mundo, o irmão já estava servindo ao Exército e indo para a Escola de Belas-artes.

— Temos meia geração nos separando e, por isso, tivemos visões de mundo diferentes. Foi depois de adultos que começamos a ter um diálogo mais próximo, que se tornou tão forte que ainda trocamos cartas —, conta Edson.

— Enxergo minha relação com meu irmão em décadas. A primeira memória que tenho dele é de um passeio da família no rio Cubatão. Estavam todos brincando na água e ele estava em uma ponte de madeira. Desenhava a família e usava a água do Cubatão para misturar a aquarela. Essa imagem me impressionou muito na época. Em 64, já morando em Curitiba, fomos visitá-lo e lembro que tive uma imagem de aluno dedicado, mas transgressor com o aprendizado. Ele tinha uma perspicácia que ia além das aulas da escola. Nos anos 70, virou o artista politizado que mostrou o caminho para a minha geração. Nos anos 80, era o artista popstar, um destaque que me orgulhava. A partir dos anos 90, já era meu amigo e companheiro, mas o que mais me recordo é dele operário, no canteiro de obras do Centreventos. Ele chegou ao ano 2000 com pinceladas leves e a criação do Instituto Juarez Machado.

Melina, a namorada

O riso de Melina Mosimann às vezes pode ser ouvido nas madrugadas de Paris. Acontece quando Juarez resolve promover uma de suas artes preferidas: a culinária. Nessas noites, o casal esquece das horas e passa a madrugada conversando. Tem sido assim há seis anos, desde que a amizade virou amor. Juarez já estava na vida de Melina há muitos anos, já que os pais dela foram os primeiros marchand do artista e eles se encontraram em vários momentos da vida. Mas foi em 2004, quando ela organizava o evento de inauguração do Edifício Juarez Machado, que aconteceu o encontro definitivo.

— Eu já o admirava muito, adorava o trabalho dele. Participar disso e estar na vida dele é emocionante —, conta Melina.

Quando o namoro começou, foi ela quem fez a pergunta fatal:

— O que você espera?

Com a experiência em relacionamentos que os dois já possuíam, ele foi sincero.

— Ele falou: Minha querida, eu só espero que nós dois possamos viver uma deliciosa história de amor —, recorda ela.

A deliciosa história de amor é construída todos os dias. A vida deles é separada por um oceano, mas Juarez tem datas certas para voltar ao Brasil: no verão e no inverno brasileiros. Em outras épocas do ano, é a vez dela ir visitá-lo em Paris.

— Ele é muito romântico, adora preparar surpresas e mandar flores – sempre rosas vermelhas. Mas antes das primeiras rosas, ele me deu um vaso e falou: esse é o nosso jardim secreto.

Juarez Machado, o CEI

Desde 2000, as crianças do CEI começaram a receber um projeto: estudar a história e a obra de um artista. A escolha das professoras, coordenada pela diretora Maria Hedir, caiu em Juarez Machado. O projeto ganhou força por se tratar de um artista joinvilense: as crianças puderam visitar a casa dele e conhecer a mãe, que eles chamam carinhosamente de vovó Leonora.

A pesquisa sobre o artista não movimentou só as professoras e os pequenos alunos: os pais também entraram na dança e, no fim do ano, foram presenteados com uma apresentação teatral inspirada na obra “O Circo”. Quando chegou a hora de inaugurar o novo CEI da comunidade, para onde as aulas seriam transferidas, a diretora resolveu promover uma votação para a escolha do novo nome. “Juarez Machado” venceu quase por unanimidade.

— Quando ele está perto das crianças, ele passa uma energia muito boa. Até pouco tempo, a vovó Leonora vinha nos visitar e tomar café com as crianças. Nos aniversários dela, ela não pedia presentes e dava doações para a escola. Primeiro foram livros, depois brinquedos. Queremos que o Juarez venha nos visitar de novo, porque novas crianças estão entrando na escola e querendo saber quem é o homem que deu nome ao CEI.

Henrique, amigo

Quando foi contratado para ser o engenheiro responsável da construção do Centreventos Cau Hansen e do Teatro Juarez Machado, Henrique Xiste Neto nunca imaginou que acabaria amigo do próprio. Henrique e Juarez fazem aniversário no mesmo dia. Hoje, quando Juarez completa 70 anos, Henrique faz 65. Se estivessem na mesma cidade, provavelmente comemorariam com uma boa festa.

É para Henrique que Juarez já confidenciou alguns planos para o futuro.

— Ele quer que a casa onde a família morou, na rua Lages, seja tombada. E ali pretende guardar seu acervo.

Depois disso tudo, o próprio Juarez pode ficar na casa.

— Ele já me falou que quer morrer aqui —, segreda Henrique.

— Juarez se mostrou muito empenhado e trabalhador quando fazia o painel na entrada do Centreventos. Isso também aconteceu quando íamos inaugurar o Teatro. Ele produziu duas obras para doar, um quadro que está no saguão e uma escultura, um busto dele próprio. Nós dois resolvemos fixar a escultura nós mesmos e a carregamos até o teatro. Depois, com a ajuda de alguns pedreiros, passamos um dia inteiro trabalhando para afixá-la, mexendo com cimento. E o pó do cimento, que planava ao nosso redor, nos deixou com uma conjuntivite. No dia da inaguração, nós dois estávamos com os olhos vermelhos e inchados, mas não era de emoção: era da alergia que o cimento tinha nos causado.

Carin, amiga

Já não é mais possível para Carin Wetzel lembrar quando foi a primeira vez que viu Juarez Machado. Afinal, parece a ela que eles já nasceram se conhecendo. Eles têm a vida em comum desde a infância, quando Juarez era o garoto que fazia bagunça ao lado de Adolar “Maqui” Koentopp e Ruy Meyer no pátio do Colégio Bom Jesus. E, até o artista alçar os primeiros voos, Carin, Juarez e toda a turma de amigos passaram muito tempo fazendo da Joinville tranquila do final dos anos 50 um lugar um pouquinho mais movimentado.

A turma andava sempre unida. Na época, o máximo era fazer passeios até o aeroporto, onde os rapazes tiravam brevê para pilotar aviões e levavam os amigos para passeios. Mas nada disso os pais podiam saber.

— Alguns iam de carro, outros de moto, mas não falávamos das motos para as mães senão elas não deixavam —, conta Carin. Juarez ia de carona – Carin revela que ele sempre odiou dirigir.

— Ele tinha era uma Variant bem antiga, caindo aos pedaços. Perguntei a ele: mas isso funciona? —, relata a amiga, aos risos.

— Ele nunca deu bola para carros.

— Em 78, Juarez reconstruiu uma casa em enxaimel em cima de um morro, levou os tijolos sozinho para lá. Então resolveu fazer a inauguração da casa e chamou os parentes e os amigos. Só que não parava de chover e já era muito difícil subir mesmo com o solo seco, porque era muito alto. A festa começou ali mesmo, na subida, porque tivemos que escalar o morro na chuva. Mas demos muitas risadas disso e a festa foi um sucesso, durou até de manhã. Ele é um ótimo anfitrião, sempre animado.

Sintonize a Itapema em Florianópolis 98.7, em Joinville, sintonize 95.3

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