| 16/08/2005 10h04min
Não dá para pensar em Glória sem Tarcísio - e vice-versa. Há 42 anos, eles protagonizaram a primeira novela diária brasileira, 2-5499 Ocupado, e há 36 fizeram a primeira parceria no cinema. Durante todo esse tempo viveram fora das telas um amor bem ao gosto do público: com final feliz.
Nada mais natural, então, que Tarcísio Meira, 69 anos, e Glória Menezes, 70, recebam juntos hoje o Troféu Oscarito da 33ª edição do Festival de Cinema de Gramado, em homenagem aos mais de 40 anos de carreira e parceria. Ao vivo, o casal faz jus ao pares românticos que interpretou: a sintonia é tanta que, na entrevista, eles chegam a esquecer a repórter, cada um interessado em saber da opinião do outro e em compartilhar lembranças. Na hora da foto, uma cena reveladora. Apoiada nos braços do marido, Glória pergunta à fotógrafa:
– Tenho de olhar para câmera ou posso olhar para ele?
Então, ela vira para Tarcísio, e os dois trocam aquele olhar de cinema. Ao fim da sessão de fotos, ainda frente a frente, mais uma prova de amor: câmara desligada, eles se beijam antes de desfazer o abraço. Não há mesmo como pensar Tarcísio sem Glória. Nem em TV e cinema no Brasil sem eles.
Zero Hora - Vocês recebem o Troféu Oscarito pelo conjunto da carreira no mesmo ano em que a Rede Globo completou 40 anos. É tempo de fazer um balanço?
Glória Menezes - A gente não se dá conta de que se passou tanto tempo, e, de repente, percebe: "Meu Deus, são 40 e poucos anos de profissão". Você não pensa nos anos que passaram, mas nos que estão por vir.
Tarcísio Meira - Nós temos sempre um personagem novo, uma insegurança nova, o que é inerente à nossa atividade. Mas com o aniversário da Globo, isso veio: tenho 38 anos de emissora. Chegou até a assustar.
Glória - Ainda mais para nós, que nos sentimos muito jovens, que temos a cabeça de menina e de menino (risos).
Tarcísio - Parece que não aconteceu com a gente. Nós temos sempre a emoção da estréia: cada trabalho é como se fosse o primeiro.
Glória - É isso. Às vezes, penso: "Será que o meu talento acabou?" (risos).
ZH- Sério, Glória?
Glória - Juro por Deus! Quando a gente acerta um personagem e ele acaba, você fala: "Ai meus Deus! Será que vou conseguir fazer outro tão bem como esse?".
ZH - O que mudou mais nesses 40 anos?
Glória - Temos hoje uma visão mais ampla do que fazemos: com a experiência, você até se entende melhor. Por exemplo, fiz O pagador de promessas há 43 anos, fui jogada numa fogueira: estava começando a carreira, fui a Bahia para fazer a personagem da prostituta e acabei com a Rosa (protagonista feminina) porque a (atriz) Maria Helena Dias adoeceu. Pintaram meu cabelo, trocaram minha roupa, e intuitivamente fiz o personagem. Se fosse hoje, teria um outro contexto.
ZH - Vocês costumam rever trabalhos antigos?
Tarcísio - Outro dia, vi um filme com o qual havia sido muito implacável na ocasião, As confissões de Frei Abóbora (1971). Mas aí até gostei. Evidentemente agora sou outra pessoa, e me ver há 30 anos foi bacana, divertido.
Glória - Há algum tempo, vi O pagador e, de repente, não me achei no meio da multidão. O Anselmo (Duarte, diretor) pegava os moradores do Pelourinho como extras e colocava ali 200, 300 figurantes. Eu estava lá no meio e, então: "Onde é que eu estou?". Mas estava lá, com aquela roupinha cheia de florzinhas, o cabelo todo... O Anselmo cuspia nas mãos e passava no meu cabelo para deixá-lo fosco, como se fosse sujo de terra.
ZH - Vocês têm parcerias no cinema, como Caçador de esmeraldas (1979), A máscara da traição (1969). Como foram?
Tarcísio - A máscara foi um um filme direitinho para a época.
Glória - Foi muito bom. Outro dia, o Tony (Ramos) veio falar comigo: "Glória, vi um filme, A máscara da traição, que coisa bem feita". Tem O descarte (1973), dirigido pelo Anselmo, com Ronnie Von, Carlos Vereza, que é um filme tão bonito, tão diferente. É bom assistir depois de algum tempo, porque quando a gente se distancia, aprecia melhor, a autocrítica fica um pouco jogada no chão.
ZH - Vocês pretendem voltar ao cinema?
Tarcísio - Na verdade, nós fizemos cinema numa época em que era muito difícil. Filme virgem era caríssimo. Imagina na época do Oscarito, coitado. A gente tinha responsabilidade de não errar, e quando você faz um personagem não tem que pensar no filme que está indo. Outro dia, fiz um filme americano, então errei e disse: "Corta!". E aí, perguntaram: "Corta por quê?". Disseram que não havia importância. E as câmeras rodando. Três câmeras. E eu nervosíssimo porque estava queimando filme virgem. Foi uma nova versão que fiz de Boca de Ouro (Boca, 1994), pela qual ganhei prêmio em Nova York.
Glória - Fiz uma participação no mês passado no novo filme do Daniel (Filho), e ele estava com duas câmeras o tempo todo. Tudo automático.
Tarcísio - Que maravilha. Antigamente, era tudo muito difícil, caro. Antigamente, não (risos), no nosso tempo.
ZH - Além de Boca de Ouro (1990), o senhor também fez outro filme inspirado em Nelson Rodrigues O beijo no asfalto (1981).
Tarcísio - O Nelson era muito querido, gostava muito de mim. Vou fazer uma confidência: ele me chamava de "formoooso Tarcísio" (risos). Era muito engraçado.
ZH - Muitas vezes, o público confunde ator e personagem. O fato de vocês serem casados contribui muito para isso?
Glória - Hoje, não. Já se habituaram a nos ver em tantos personagens que separam bem.
Tarcísio - O assédio foi sempre carinhoso. Nunca nos incomodou, pelo contrário.
Glória - Não, lá bem no começo, antes de o Tarcisinho nascer, as coisas eram diferentes. As mulheres davam muito em cima do Tarcísio (risos).
ZH - A senhora tinha muito ciúme?
Glória - Não sou ciumenta, graças a Deus (risos). Ou teria sofrido horrores.
Tarcísio - No começo, eles esperavam de você um comportamento de personagem. E quando você se mostrava como é, ficavam decepcionados. Eles sublimam pelo artista muito do que desejam da vida, então querem de você um comportamento de astro. Você pode até ser astro, mas não precisa se comportar como tal, pelo menos com o que imaginam que seja um, com uma supermáquina voadora, um carrão incrível (risos).
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