| 20/10/2005 17h50min
Animais vacinados corretamente contra a aftosa não adoecem. A informação é do doutor em veterinária Celso dos Anjos, integrante da comissão Comissão de Saúde Pública do Conselho Nacional de Veterinária. Conforme Anjos, se aplicada em todo o rebanho e com os cuidados necessários a vacina só não faz efeito em animais imunodeprimidos.
– Se forem os animais corretamente vacinados o risco de ocorrer doença em seu território é diminuto.
O especialista ressaltou que a erradicação da aftosa, a exemplo do que aconteceu com outras doenças já eliminadas, depende da montagem de uma grande rede de vigilância epidemiológica, de altas coberturas vacinais, de educação e de vontade política.
– O problema da aftosa é que ainda não se entendeu que somente com esses grandes esforços, que devem ser internacionais, é que a varreremos a doença do planeta.
Celso dos Anjos defendeu uma maior fiscalização da vacinação para garantir a correta imunização de todo o rebanho nacional, com a aplicação de medidas legais sobre o proprietário que deixar de cumprir o estabelecido em lei.
– Falo de realizarmos inquéritos de cobertura vacinal nas propriedades rurais. Isso significa buscar positividade sorológica em animais que deveriam ter sido vacinados. Se não houver anticorpos vacinais na totalidades dos animais (ou em grande parte deles) é porque não houve vacinação.
Celso dos Anjos participou na tarde desta quinta, dia 20, de entrevista online no Site Agrol. Confira abaixo a íntegra da entrevista.
Pergunta: Como funciona a vacina contra a febre aftosa, e que animais devem ser vacinados?
Celos dos Anjos: A vacina para contra a febre aftosa funciona como uma outra vacina qualquer. São vacinados em nosso país apenas os bovinos e bubalinos. É uma vacina de vírus inativo (morto) de excelente qualidade. As coberturas vacinais devem ser altas e homogêneas em todos os municípios para que se tenha níveis de proteção assegurados.
Pergunta: A aftosa também afeta ovinos e suínos, não? Por que estes animais não são vacinados? Não há risco da doença?
Celso dos Anjos: Sim, a febre aftosa infecta e produz doença em ovinos e suínos e, na verdade, em todos os animais biungulados (com casco fendido) – inclusive selvagens e camelídeos também. Nos suinos é bastante frequente o óbito do animal, e em ovinos se tem menos exteriorização de sintomas.
Pergunta: A vacina tem contra-indicações, provoca algum efeito colateral nos animais?
Celso dos Anjos: Não há produtos inócuos, e a vacina, nesse sentido, funciona como qualquer outro produto, podendo gerar reações adversas. Mas o que deve ser aqui entendido é que se trata de um produto de qualidade e que, diante do mal maior, que é a instauração do estado de uma doença com forma epidêmica, as reações adversas terminariam por representar nada de mais importante.
Pergunta: Qual é o maior obstáculo para a erradicação da aftosa: ignorância, falta de recursos financeiros ou falta de controle de fronteiras?
Celso dos Anjos: Certamente que todas esas variáveis têm seu peso... Veja bem: a varíola por exemplo, é uma doença que foi erradicada do planeta por meio de montagem de uma grande rede de vigilância epidemiológica mas, principalmente, ela foi varrida da Terra por meio de vacinações... Falo de altas coberturas vacinais. O problema da aftosa é que ainda não se entendeu que somente com esses grandes esforços, que devem ser internacionais, é que a varreremos do planeta. Acrescentaria ainda que, juntamente com o esforço e mobilização da sociedade, principalmente das cadeias produtivas, é fundamental que os governos possuam vontade política para resolver o problema.
Pergunta: Que regiões ou países ainda sofrem com a aftosa?
Celso dos Anjos: Há regiões de alta vulnerabilidade na região amazônica e, como podemos comprovar nesse momento, o Mato Grosso do Sul acaba de mostrar sua vulnerabilidade em termos de fronteiras. Tudo indica que seu primeiro foco (fazenda Verozzo), em Eldorado, tenha tido origem em Japorã, na fronteira com o Paraguai. Isso segundo informações passadas pela mídia.
Pergunta: O governo brasileiro tem realizado campanhas de vacinação e percorrido regiões remotas do país (Norte) para conscientizar a população. O que mais pode ser feito?
Celso dos Anjos: Na verdade, além do comprometimento dos governos e das cadeias produtivas (incluindo fundos de indenização, juntamente com governos), há que se conscientizar permanentemente às populações. Educar também é repetir, e nunca é demais falar de risco do adoecer, mesmo que se tenha saúde, que se tenha ausência de casos. Prevenir em defesa sanitária animal, principalmente em se tratando de doenças com os impactos sociais, econômicos e políticos como essa, significar vigiar sem cessar a realidade (objetiva e subjetiva).
Pergunta: O governo fiscaliza apenas a compra das vacinas. Como é possível garantir que os pecuaristas reuniram o gado e aplicaram a vacina?
Celso dos Anjos: Esse é um grande problema. Os governos não têm como garantir que numa campanha de vacinação, em todas as propriedades rurais se pratique a vacinação com o que chamamos de "agulha oficial", isso é, aplicada por servidores públicos. Assim, muitas vezes se utiliza o servidor público para as regiões de maior risco. É fundamental que se estabeleça um escalonamento de riscos. Mas ainda assim temos um recurso importante. Falo de realizarmos inquéritos de cobertura vacinal nas propriedades rurais. Isso significa buscar positividade sorológica em animais que deveriam ter sido vacinados. Se não houver anticorpos vacinais na totalidades dos animais (ou em grande parte deles) é porque não houve vacinação. Aí cabe a aplicação das medidas legais sobre o proprietário que deixou de cumprir o estabelecido em lei.
Pergunta: O senhor fala em "falar de risco do adoecer". A aftosa pode provocar doenças em humanos?
Celso dos Anjos: Não, a aftosa não representa risco para as pessoas. No passado ela até foi considerada uma zoonose (doença que passa dos animais ao homem e vice-versa). Mas hoje sabe-se que essa possibilidade não tem nenhuma relevância.
Pergunta: Animais vacinados podem pegar aftosa?
Celso dos Anjos: Em princípio, se tiverem sido bem avacinados, com excelente vacina, de boa conservação, e se os animais não forem imunodeprimidos, não haveria razão para não fazerem sua produção de anticorpos protetores.
Pergunta: Os proprietários da fazenda onde o primeiro foco foi registrado afirma que vacinou os animais, mas mais de cem cabeças de gado adoeceram. É possível que a vacina não tenha sido aplicada?
Celso dos Anjos: O que pode acontecer é que animais vacinados possam ainda albergar o vírus circulante, ainda que não adoeçam. Esse é um fenômenos relativamente comum em se tratando de algumas vacinas. A da meningite humana, por exemplo, não elimina o estado de portador sadio da bactéria.
Pergunta: Mas os animais vacinados que portam o vírus apresentam sintomas clínicos? E podem contaminar outros animais não vacinados?
Celso dos Anjos: Sim, podem contaminar outros animais não vacinados. Sempre é possível que a vacina não tenha sido aplicada em algum animal, principalmente em grande fazendas. Ainda assim, há sempre aqueles indivíduos (ocorre também com pessoas) que não são competentes em termos de imunidade e não conseguem desenvolver proteção. Quem os protege é o grupo vacinado (que está ao redor). Mas quando há uma efetiva circulação de vírus eles podem adoecer.
Pergunta: Pode-se afirmar, então, que animais vacinados corretamente não adoecem (apenas em casos raros e com menor risco de disseminação da doença)?
Celso dos Anjos: Está correto o que dizes. Se forem os animais corretamente vacinados o risco de ocorrer doença em seu território é diminuto.
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