| 23/02/2007 13h49min
A resistência dos Estados Unidos em aliviar as barreiras comerciais que blindam sua indústria de etanol ameaça reduzir significativamente o alcance das iniciativas conjuntas que Brasília e Washington planejam adotar em torno do uso do álcool como combustível alternativo à gasolina. Mas, paralelamente e em ritmo frenético, a iniciativa privada dos dois países já trabalha em uma aliança que, incluídos aportes em curso em ambos os mercados e o potencial de outras nações das Américas e do Caribe, poderão resultar em investimentos da ordem de US$ 100 bilhões nos próximos cinco anos.
– Quem espera maior abertura do mercado americano no curto prazo com essas discussões ficará desapontado – disse ao Valor Brian Dean, diretor-executivo da Comissão Interamericana do Etanol - grupo privado liderado pelo ex-governador da Flórida Jeb Bush, irmão do presidente George W. Bush, e por Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura do Brasil.
Na prática, alguns países latinos-americanos já deram início ao programa de produção de álcool combustível, como Colômbia e Venezuela, com apoio do Brasil. Nessa direção, desde o segundo semestre de 2005 a Petrobras exportou 200 milhões de litros de álcool para impulsionar o programa venezuelano. Outro sinal da força brasileira no ramo são as encomendas feitas à Dedini Indústria de Base, de Piracicaba (SP), que tem em consulta 104 projetos de usinas no exterior, boa parte na América Latina. Segundo José Luiz Olivério, vice-presidente de operação da empresa, três dessas unidades já estão em andamento e três estão em fase final de negociação. No Brasil, a Dedini tem 43 unidades em montagem e 189 em consultas. Boa parte desses projetos tem o apoio do BNDES, que entre 2005 e 2006 liberou cerca de R$ 3,3 bilhões para financiar a construção de usinas, o plantio de cana e a co-geração de energia a partir do bagaço.
Segundo Jose Orive, diretor-executivo da Aica (Azucareros del Istmo Centroamericano), que reúne empresas sucroalcooleiras da região do Caribe, países como Guatemala e Honduras também têm planos para produzir álcool, com o Brasil como modelo.
Para o ex-ministro Roberto Rodrigues, espécie de "embaixador brasileiro do etanol", a união de forças privadas de Brasil e EUA visa fomentar a produção em países com pouca tradição no segmento. Nas Américas, o potencial de produção chega a 200 bilhões de litros. Entre março e abril, Rodrigues, cujas ações contam com a simpatia do Planalto, terá em mãos detalhes sobre cada país da região, em um mapeamento que servirá como guia a investidores interessados - privados, diga-se de passagem.
Foi de olho nessa efervescência que Bush incluiu o etanol na "agenda" e fez do combustível tema central na relação dos EUA com o Brasil. Ele está preocupado com a dependência americana de petróleo, mas sua principal motivação é política. Para Washington, uma estratégia comum para promover o álcool na América Latina ajudará os EUA a recuperar influência na região, isolando lideranças radicais como o presidente da Venezuela, Hugo Chávez.
Na corrida para estreitar os laços com o Brasil, nos últimos dias funcionários do governo americano consultaram especialistas do setor privado em busca de propostas. Uma idéia que apareceu com freqüência refere-se à criação de reservas estratégicas de etanol, para garantir a oferta do produto nos postos. Do lado dos EUA, a iniciativa é bem vista, uma vez que o país conta com pesados recursos oficiais para viabilizar a criação dos estoques estratégicos. No Brasil, entretanto, a idéia já é discutida há pelo menos cinco anos, mas não há recursos de Brasília para viabilizá-la e muitas usinas ainda preferem defender que o melhor regulador é o "mercado".
O secretário de Energia dos EUA, Samuel Bodman, é simpático aos estoques. Na semana passada, o diretor do departamento de comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Roberto Gianetti da Fonseca, que preside a Ethanol Trading, que exporta álcool, defendeu a mesma proposta num seminário em Washington. Mecanismos para ajudar a financiar o desenvolvimento da indústria nas Américas também chegaram a ser discutidos, mas este nó parece difícil de ser desatado. Uma possibilidade seria usar o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), mas há dúvidas sobre sua capacidade de cumprir a tarefa. A instituição atravessa um tumultuado período de reformas e os limites para a sua atuação no setor privado são estreitos.
Apesar de cética quanto aos resultados concretos da aproximação Bush-Lula, as empresas privadas acompanham com interesse o amadurecimento da nova amizade, sobretudo pelo ambiente propício aos negócios que acredita que ela ajuda a estabelecer. Aos olhos do "mercado", Brasil e EUA são os maiores produtores de etanol do mundo (oferta conjunta de quase 40 bilhões de litros), mas ambos têm problemas - ou oportunidades de negócios. Os americanos não conseguem atender sozinhos sua crescente demanda interna, e o Brasil, auto-suficiente, tem de dissipar as dúvidas sobre sua capacidade de exportar grandes volumes de álcool.
Nesse contexto, grupos americanos elevaram a aposta no Brasil e empresas dos dois países passaram a investir na América Central e no Caribe. A americana Cargill e a brasileira Crystalsev são sócias em uma usina de desidratação de álcool em El Salvador. A brasileira Coimex também tem participação em uma destilaria na Jamaica. Ambos os casos se beneficiam do acordo CBI (Caribbean Basin Initiative), que isenta o álcool caribenho de impostos nos EUA. Outro rico manancial.
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