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 | 29/11/2008 17h10min

"Fui muito escravizada nesses dois anos", diz Yeda

Governadora Yeda Crusius conversou por uma hora e meia com Zero Hora em seu gabinete no Palácio Piratini

Na terça-feira, dia em que a Assembléia Legislativa aprovou o orçamento de 2009 do Estado com a previsão de déficit zero, a governadora Yeda Crusius conversou por uma hora e meia com Zero Hora em seu gabinete no Palácio Piratini. A seguir, a íntegra da entrevista: 

Zero Hora – O que muda na vida dos gaúchos com a conquista do déficit zero no orçamento do Estado?

Yeda Crusius  – Dentro de casa todo mundo sabe que não se pode viver eternamente pedindo emprestado. O déficit é isso. Quando você contrata um serviço e não tem como pagar, pede emprestado. Só que um dia acaba o crédito. No Rio Grande do Sul acabou, não tem mais crédito. Como é que eu ia explicar isso? Só quando eu pudesse mostrar um resultado, e o resultado mais aberto foi eu ter conseguido pagar as folhas de dezembro e do 13º adiantadas, sem pedir emprestado. Só que as pessoas não percebem o resultado de pedir emprestado. Eram R$ 370 milhões de juros desde que se começou a tomar o empréstimo para pagar o 13º. Com R$ 370 milhões dá para fazer Estrada do Sol, Rota do Sol, hospital, dá pra pagar muita coisa, só que ninguém via. Ninguém mais vai falar de déficit zero no ano que vem. Vai se falar de asfaltamento de município, de mais verba para a cultura. Mas a gente vai botar uma plaquinha: isso é fruto do déficit zero.

ZH – Mas a marca da sua administração será o déficit zero?

Yeda – Na primeira parte do governo, sim.

ZH – E na segunda parte?

Yeda – Será obra e serviço social. Quando a gente for inaugurar a escola perto de Vila Nova (em Porto Alegre), eu vou mostrar a foto de como ela era antes. Crianças foram transferidas para modulados enquanto a gente construía uma nova escola. Isso custa pouco mais de R$ 1 milhão. Com os juros que eu paguei (com o empréstimo no Banrisul para cobrir a folha do 13º) dava para fazer 370 escolas como essa de Vila Nova. Isso a gente vai começar a mostrar. Porque não precisamos pagar os juros estamos podendo fazer essa escola. Porque a gente não pagou os juros está dando para fazer o asfaltamento na entrada do município. Isso depende muito de comunicação. Só agora eu posso dizer que vamos ter uma comunicação profissional, porque temos o que mostrar. A comunicação do déficit zero, do ajuste fiscal não comunica nada. Só há comunicação quando se pode mostrar o resultado.

ZH – A senhora se considera mais corajosa que seus antecessores?

Yeda – Acho que mais que os outros, né? O que é o déficit se não a falta de ação? O déficit público significa que você vai concedendo e depois vai ver como é que vai pagar. Aí não paga, e como a coisa já está andando, as pessoas que dependem desse pagamento também não sabem a quem recorrer, porque não tem nada além do Estado para você recorrer. Me dou bem na ação executiva. Vi que era hora de alguém enfrentar o déficit, que era o maior problema político. Ao cobrir o déficit, você vai ferir interesses. Aí tem de ter coragem.

ZH – Em dois anos de mandato mudou a sua forma de governar?

Yeda – Certamente estou mais à vontade com a máquina do governo. Foi um período muito curto, mas extremamente intenso, como poucos. Me sinto mais à vontade porque aos poucos as coisas vão dependendo menos de mim, que é o que eu queria. Fui muito escravizada nesses dois anos. Foi uma coisa muito pesada para a governadora. Agora já há uma compreensão interna que permite que a máquina ande sozinha, e é isso que me deixa mais confortável. Aquele que recebeu a delegação pode fazer sozinho. Mas tenho de confessar que não foi tão rápido como eu pensei que fosse colocar o projeto para andar. Deu mais trabalho. Foi bastante difícil.

ZH – Em recente entrevista no programa Conversas Cruzadas, da TVCOM, a senhora disse uma frase que raramente se ouve de um governante: "Eu ainda tenho medidas impopulares para tomar". Que medidas são essas?

Yeda – São medidas de poder que demoram para ter a compreensão popular, por isso a impopularidade. Elas vão até o final do ano. Essa discussão que estamos fazendo agora de mudança de contrato com as empresas (prorrogação por mais 15 anos da concessão das praças de pedágio em troca de R$ 1 bilhão em investimentos nas estradas) é completamente aberta. Chegou a vez de a população também me dizer se quer. Às vezes, as pessoas não querem muita abertura. Preferem que alguém decida por elas por ser uma coisa muito impopular. O Duplica RS é aparentemente impopular, mas quando vier o resultado, todo mundo vai dizer que podíamos ter feito antes, que não precisávamos ter sofrido tanto. É bem impopular fazer um decreto de corte de ponto (dos professores em greve) e ainda mais impopular cortar o ponto. E a governadora deve cortar o ponto. Isso muda a relação entre governo e os movimentos sindicais. Vai se aprender de novo a fazer greve. As regras são outras, mas são regras nacionais ou internacionais. Isso é impopular. Os movimentos estão acostumados há décadas a repetir um padrão de greve que não cabe mais num mundo sem inflação.

ZH – Em que momento a senhora decidiu que deveria cortar o ponto de quem faz greve?

Yeda – Em meio a um movimento nacional de greve dos servidores públicos. O governo federal enfrentou muitas greves nesses dois anos, mas a pior delas, a que dá mais a impressão de não haver regra, é a greve na segurança pública e na saúde. O que aconteceu em São Paulo alertou muito os responsáveis pelo poder. O Supremo Tribunal Federal havia dito que não pode mais haver relação sem regra. Os ministros decidiram que as regras para a greve do serviço público são as mesmas do setor privado, e cada governador que faça o que tem de fazer.

ZH – A senhora está preocupada com o desgaste da sua imagem junto ao funcionário público?

Yeda – Não. Me preocupa muito mais o que aconteceu nesses dois primeiros anos de governo em termos de dúvida sobre o meu comportamento ético, meu comportamento de honestidade (numa referência às suspeitas levantadas sobre a compra de sua casa em 2006, logo após a eleição). Me preocupa muito a decepção que esse período foi capaz de causar em algumas cabeças do povo. O que foi feito foi uma destruição da imagem gerada por um trabalho de vida inteira. Passou. A impopularidade ou a forma irada e agressiva de comportamento de certos segmentos da sociedade, isso sempre existiu. O que motiva a gente a tentar explicar melhor.

ZH – A senhora já disse que no auge da crise gerada com a gravação da conversa entre o vice-governador Paulo Feijó o então Cézar Busatto procurou se aconselhar com algumas pessoas. A senhora tem um grupo de consultores?

Yeda 
– Tenho, e eu vou querer que eles sejam conhecidos em breve. Não são pessoas amigas minhas, são pessoas acima de qualquer dúvida e de segmentos distintos.

ZH – Será um conselho de notáveis?

Yeda – É, um conselho de notáveis.

ZH – Quem são?

Yeda – São 10. Eu ainda não pedi autorização deles para dizer publicamente, mas muito em breve vocês vão ser apresentados a eles. São pessoas que tiveram papel importante nas várias fases históricas do Estado, foram importantes na constituição do Brasil. São pessoas notáveis que concordaram em reunir-se uma vez a cada mês, porque a agenda deles é terrível. São da área política, da área de descobertas médicas sobre os seres humanos, da área de agronegócio, da área de filosofia, da área da ação do terceiro setor.

ZH – O ex-ministro Paulo Brossard é um deles?

Yeda – Sempre consulto o Dr. Brossard.

ZH – A senhora submeteria a esse conselho questões como a do corte de ponto do magistério?

Yeda – Sim, é conselho para ser aberto a todos os assuntos de Estado.

ZH – Ao fazer isso, a senhora não corre o risco de dividir uma responsabilidade que é sua e criar um confronto com o conselho?

Yeda – Não sou eu quem criou a agenda do conselho, então é claro que se o conselho quisesse discutir o corte de ponto ficaria totalmente autorizado, mas não seria eu a propor. O conselho escolhe a discussão do mês ou de quando for necessário. Não há uma interferência da governadora. Quem vai decidir qual é o tema ou o tópico, quantas vezes vão ter de se encontrar, é o próprio conselho.

ZH – O comandante da Brigada Militar, coronel Paulo Mendes, tem feito intervenções fortes no sentido de disciplinar manifestações contra o governo. A senhora, vindo de um partido que tem histórico de luta contra o autoritarismo, não se preocupa com a possibilidade de esses conflitos ganharem proporções exageradas?

Yeda – O PSDB nasceu para combater determinados vícios da cultura brasileira, representados pelo fisiologismo, pelo corporativismo, pelo populismo. O PSDB nasceu com senso de responsabilidade na testa. Não somos um sindicato, somos um partido político. Quando a gente toma o encargo de governar um Estado, tem de responder àquelas coisas chatas: lei, disciplina, ordem, iniciativa, política pública. O coronel Mendes repôs a auto-estima da Brigada, ele é um brigadiano, ele me recebe com o uniforme de campanha. Ele não se paramenta para falar com a governadora porque ele é um homem de operação, conhece como poucos a legislação. É um homem de cabeça matemática. Nas primeiras vezes que você conversa com ele, ele diz qual é o tamanho do efetivo, como é que tem que ser, como é que se motiva uma pessoa que tem que ir pra rua.

ZH – O coronel Mendes tem mais visibilidade que o secretário de Segurança. Ele é realmente o verdadeiro secretário?

Yeda  – A Brigada Militar tem 171 anos, ela carrega o histórico de ensinar disciplina, valorizar a categoria, que é muito mal remunerara. Agora, a democracia evoluiu de tal maneira que existe uma Secretaria de Segurança Pública. Ela cuida de prevenir, de reprimir. Ela tem a Polícia Civil e Polícia Militar. Essas duas polícias se integram na ação, mas como instituições são diferentes. Não há possibilidade de integrá-las. Aqui no Rio Grande do Sul, não. A gente é o conjunto das coisas que a história trouxe. O coronel Mendes é o comandante da Brigada Militar. Ali ninguém se mete, e é bom que seja assim.

ZH – O PSDB lançou a sua candidatura à reeleição em 2010. A senhora é candidata a um novo mandato?

Yeda – Do partido eu sou candidata, mas acho que é uma discussão muito prematura.

ZH – Quem lançou a candidatura foi sua amiga Zilá Breitenbach, deputada estadual. Ela tomaria essa iniciativa sem o seu consentimento?

Yeda –
Certamente tomaria, tanto que ela me telefonou para saber se eu tinha ficado brava. Como presidente de partido, ela tem de ter perspectiva de poder.

ZH – A senhora vai deixar para a última hora a decisão de concorrer à reeleição como fez o seu antecessor, Germano Rigotto (PMDB)?

Yeda
 – Não, pelo contrário. A minha tendência é sempre antecipar as coisas.

ZH – A senhora e o seu vice, Paulo Feijó, vão continuar sem se falar até quando? Está bom assim para a senhora?

Yeda – Não, não está bom. O povo gostaria de nos ver juntos, não tenho dúvidas disso, mas aí não depende de um só. Tem muito chão pela frente ainda. Ele próprio passou por momentos muito dramáticos (numa referência à morte da filha de Feijó, no início deste ano). Dê-se tempo ao tempo. Com o tempo, também vai se somando o amadurecimento das pessoas.

 
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