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 | 17/03/2008 07h37min

Lula vai anunciar reforço a pólo naval de Rio Grande

Em entrevista exclusiva a Zero Hora, a ministra Dilma Rousseff falou dos investimentos no RS

Marta Sfredo  |  marta.sfredo@zerohora.com.br

A bordo de quase R$ 17 bilhões em recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, está atenta a sinais de trânsito. Não só com as cores verde, amarela e vermelha usadas para simbolizar as obras que estão dentro do cronograma, ameaçadas ou atrasadas, mas até com o tráfego de Porto Alegre. Quando concedeu esta entrevista exclusiva a Zero Hora, na tarde de sábado, na sede da BR Distribuidora no Estado, no 21º andar do edifício-sede do Banrisul, no centro da Capital, contou que ficou parada mais de 20 minutos numa rua do bairro Moinhos de Vento. Ciente de que a Câmara de Vereadores analisa um projeto de adoção do rodízio de placas para circulação na cidade, já antecipou a opinião de que a cidade terá de evoluir para esse tipo de medida. Segundo Dilma, é um dos "problemas bons" decorrentes do crescimento econômico. Numa rara estada de três dias em Porto Alegre para falar sobre o PAC — do qual assumiu a maternidade atribuída pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva "para o melhor e para o pior" —, Dilma comentou, sobre as prévias do PT, mas também sobre a disciplina partidária, ter aprendido que "em política tem fila". E embora seja a primeira na linha de sucessão de Lula, garante como convém não se ver nesse papel. Para os gaúchos, Dilma deu uma boa notícia sobre a visita de Lula ao Estado, prevista para o mês que vem:

— Quando o presidente vier aqui no Estado para visitar o porto, iremos fazer o anúncio de utilização maior, principalmente do Dique Seco.

Zero Hora — Um de seus desafios é dar limites ao PAC, como se fosse um filho. Não pode ser preguiçoso, uma cobrança comum, mas também não pode andar tão rápido que provoque a volta da doença da inflação, como disse o presidente Lula. Como se ajusta o ritmo?
Dilma Rousseff — A carência de infra-estrutura é uma das áreas onde nós temos de andar mais rápido. É uma carência sistêmica, não pode nunca ser fator de pressão inflacionária. Um país sem infra-estrutura adequada eleva custos não-inflacionários, como a produção de bens agrícolas, de produção industrial, da produção de serviços. Aumentando a infra-estrutura, é possível reduzir custos de produção, aumentar a eficiência e a produtividade do sistema. Nesse sentido, tem um efeito antiinflacionário, é um fator real de redução de preços. No Brasil hoje a carência é tão grande porque ao longo dos últimos 20 anos não se investiu em várias áreas. A primeira, que salta aos olhos, que tem esse impacto direto na veia sobre custos, é a logística. Não é possível falar em um país competitivo e eficiente sem falar de estradas, portos, ferrovias e aeroportos. Mas sobretudo não é possível falar em eficiência sem falar na integração dos modais. Ao escolher as obras, demos prioridade às que pudessem facilitar escoamento de mercadorias, reduzir os custos, melhorar a distribuição regional de infra-estrutura.

ZH — Foi assim com as do Rio Grande do Sul?
Dilma — Aqui temos um dos maiores portos do país, que é Rio Grande. Então, tivemos a questão da ampliação do porto, que é a questão dos molhes, a manutenção, que é uma política diferenciada em relação a dragagem, vamos lembrar que no Brasil não se fazia dragagem de forma sistemática. Agora, o Programa Nacional de Dragagem dá contrato de cinco anos, com direito de renovar por mais um ano, que dá horizonte ao dragador, que vai ser cobrado pelo resultado, terá de manter o calado do porto. Tudo isso vai estar perfeitamente identificado. O porto de Rio Grande é estratégico.

ZH — Também como pólo naval?
Dilma — É um local que tem uma área capaz de abrigar um pólo naval. Serve também de retaguarda para toda produção de plataformas, navios, FPSOs (Floating, Production, Storage and Offloading, expressão em inglês para navios que processam e armazenam o petróleo) que a gente pretende também ver expandida, agora, com todo esse investimento que a Petrobras está fazendo. Quando o presidente vier aqui no Estado para visitar o porto, iremos fazer o anúncio de utilização maior, principalmente do Dique Seco, em parceria da WTorre, com 20% e a Petrobras, com 80%. E também ver a obra que já está sendo feita aqui que é a construção da plataforma P-53.

ZH — É a triplicação do Dique Seco?
Dilma — Não, não pode funcionar por ondas. Se você considerar que está triplicado, nós vamos expandi-lo.

ZH — Mais ainda?
Dilma — É, terá de expandir, porque a demanda do Brasil por navios é grande, e o fato de nós termos definido que têm de conteúdo local mínimo em torno de 60% exige que seja produzido dentro do Brasil. Uma das alternativas é Rio Grande. Como o Dique Seco já é da Petrobras, a Petrobras pretende ter uma destinação pelos 10 anos que tem o Dique Seco arrendado — a partir de 2009, por 10 anos, só pode produzir para a Petrobras. Por isso é que nós iremos aqui anunciar uma utilização maior.

ZH — E haverá também a laminadora da Gerdau?
Dilma — Não, isso ainda não está certo. Nós teríamos muito gosto se a Gerdau fizesse esse anúncio. O doutor Jorge Gerdau é testemunha da insistência que o presidente tem feito no sentido da expansão e da agregação de valor dentro do Brasil no que diz respeito aos minerais, ou seja, transformar aqui e não só exportar o minério, siderurgia basicamente. Mas voltando, por isso tem também a rodovia Pelotas-Rio Grande. Não colocamos essa obra no PAC porque gostaríamos de fazer uma rodovia, é estratégica, uma exigência do próprio programa. Não vamos gastar quase R$ 1 bilhão na instalação de todas essas plantas e não ter a rodovia ligando. É uma das obras mais urgentes no Estado. O que estamos resolvendo são os desequilíbrios regulatórios existentes nesse contrato. Hoje o Custo Brasil não é mais a necessidade de pagar a dívida com o resto do mundo, até porque já fizemos isso. Hoje o Custo Brasil é ser capaz de produzir infra-estrutura de qualidade ao menor preço possível. Por isso, a infra-estrutura não tem efeito inflacionário.

ZH — Os empresários apelidaram o PAC de "petróleo, aço e cimento", pela demanda provocada pela obras, e o Banco Central acendeu a luz amarela por que o consumo estaria crescendo demais diante da capacidade de produção do país. Há risco?
Dilma — Não acho que esteja nesse pé. É óbvio que nós saímos de um processo de não-investimento durante anos. Então, temos pressão sobre petróleo, aço e cimento, máquinas e equipamentos, mão-de-obra. Uma parte da pressão sobre máquinas e equipamentos sai para fora, através do aumento substantivo na importação, o que reduz de forma consistente a pressão inflacionária. No Brasil, o setor de bens de capital cresce muito acima do resto da indústria. É esse fator que mostra que estruturalmente o Brasil hoje não passa por uma conjuntura inflacionária. Nós vamos ter gargalos? Sem sombra de dúvida. Mas esse é o bom problema, porque vamos superá-lo, tenho certeza. Primeiro, porque temos uma classe empresarial com uma capacidade de gestão e de enfrentar problemas construída nos tempos das vacas magérrimas. Segundo, temos a confiança dessa classe empresarial no futuro do país, então há decisão de investir. E terceiro, acho que todos os empresários vêem uma oportunidade de lucros significativos com o crescimento do país. Então vamos ter de superar esses gargalos. A iniciativa do governo vai ser muito importante, para onde ver gargalos, facilitar.

ZH — Como isso pode ser feito?
Dilma – Começamos a desenvolver indústria do petróleo antes desse momento privilegiado da economia entre 2006 e 2007. Quando o presidente Lula assumiu, ele tinha o compromisso de produzir e criar no Brasil uma demanda para ser atendida pela Petrobras, que faria aqui as compras de plataformas, navios, FPSOs. Nós tínhamos uma indústria naval que tinha parado de produzir no final dos anos 80, nós que éramos o segundo país deixamos de aparecer no mapa. Quando houve essa decisão, muita gente dizia: "Impossível, o que vocês vão conseguir é um atravancamento, não vai ter gente capaz, não ter engenheiro para projetar, é melhor continuar comprando lá de Cingapura". Nós criamos o Prominp, que foi o plano de mobilização da indústria de petróleo e gás que visava equacionar gargalos. No que se refere à construção civil, tem uma variante do Prominp que está sendo articulada com o pessoal da Abramat junto com o pessoal da construção civil, com recursos do FAT, Ministério do Desenvolvimento Social e a gestão do PAC. Nessa área, consiste fundamentalmente em capacitar mão-de-obra. Há hoje no Brasil muita procura de pedreiro, e não usual, às antigas, é um pedreiro moderno. Eles tem um kit e têm aulas. Nessa parceira, o objetivo é formar entre 10 milhões e 14 milhões de pedreiros.

ZH — Milhões?
Dilma — É, milhões. Eles já vêm fazendo uma formação no nível dos milhares. Do pedreiro ao eletricista, passando pelo encanador, passando pelo que faz instalação de azulejos. E o mais interessante é que a média é 20% mulher. Nós estamos ocupando esse espaço de trabalho. Ali no Alemão (Complexo do Alemão, no Rio), o pessoal do Pezão, que é o vice-governador do Rio (Luiz Fernando de Souza, do PMDB, que também ocupa a Secretaria de Obras) abriu o cadastramento, e foram 14 mil. A grande maioria que demandava algumas áreas especiais, por exemplo eletricista, era mulher. Por isso a gente colocou o Ministério de Desenvolvimento Social, esse programa é uma espécie de porta de saída do Bolsa Família, o PAC, o crescimento do país é uma das portas. Há um compromisso deles de dar preferência ao pessoal do Bolsa Família. São 11 milhões de famílias, vai ser muito importante para o país que a gente seja capaz disso. Por isso concordo, vai haver gargalos, mas acredito que serão superados. A parceria dos governos locais é fundamental. Prefeituras, suas secretarias, governos de Estados, suas secretarias, o governo federal com o Ministério do Trabalho, todas as associações de classe, o sistema S, o Sebrae, tem de estar articulados para fazer frente a esse processo que é o gargalo da mão-de-obra. É talvez o melhor problema que nós temos.

ZH — Nesse cenário de decolagem do PAC, o Banco Central mostrar intenção de aumentar o juro não pode dar o sinal errado?
Dilma — Não, até porque só sinalizou, não significa que vai ocorrer. Mas mesmo que ocorra, o PAC não é dependente dessa sinalização do Banco Central. As oportunidades de investimento no Brasil são consistentes e independem dessa condições mais conjunturais. Até porque nós temos o que eles chamam de greenfield (projetos onde não há infra-estrutura existente) — ou seja, são muito atraentes se comparados a qualquer país do mundo. Temos uma estrutura de financiamento bem adequada, não é à toa que o Luciano Coutinho (presidente do BNDES) está prevendo para este ano de R$ 100 bilhões, isso de demanda.

ZH — Muitos empresários ainda recorrem a linhas externas, porque acham o juro interno muito alto. Não pode haver problemas?
Dilma – Acho que ainda vão continuar recorrendo, aqueles que têm acesso. No cenário internacional, a aversão ao risco excetua o Brasil, hoje. E não tenho visto nenhuma reclamação de que houve alguma barreira a financiamento a projetos brasileiros. Até porque estamos com o sistema financeiro nacional muito tranqüilo. Acredito que vamos manter as IPOs, outra forma de financiamento barato que surgiu nos últimos tempos. Tem sempre dois lados: vamos ter sim um fluxo de capitais procurando investir no Brasil, não só em bolsa ou em renda fixa, mas no setor produtivo. Estou trabalhando com o trem de alta velocidade, de ligação entre Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro, e se vê um interesse o mais variados possível, coreanos, japoneses, franceses e americanos. Não há projeto no Brasil hoje que seja como era antes. É o contrário. Recebo muitos empresários perguntando quais são as possibilidades de eles investirem, e eles não me perguntam onde, já vêm com uma idéia de onde gostariam de participar.

ZH — Um desses empresários foi Eike Batista, que se tornou popular no Estado por querer construir aqui uma usina a carvão?
Dilma — Foi, ele me comunicou que tinha comprado as reservas de carvão da Copelmi e que vai fazer aqui uma nova usina.

ZH — A senhora teme a resistência dos ambientalistas a esse tipo de geração?
Dilma — Dá perfeitamente para compor, porque hoje há tecnologia limpa para o carvão. Não dá para demonizar uma fonte. Acredito que no Brasil só há um lugar para produzir termeletricidade a carvão, é aqui. Aqui que vai ser competitivo, que se pode apostar em política de reduzir a emissão, tornar essa produção sustentável e tem linha de transmissão que permite gerar longe do centro de carga. No Rio Grande do Sul, essa vocação que o Estado demonstrou é justa, legítima, faz todo o sentido técnico e pode ser ambientalmente sustentável. Só vai ser um pouco mais cara. Mas mesmo assim, ali é o lugar onde produz mais barato o carvão.

ZH — No caso de outra fonte de energia em discussão no Estado, a eólica, a exigência de conteúdo 60% nacional foi um gargalo, não?
Dilma — Dessa eu também sou mãe (risos). Não foi isso que impediu. Havia um modelo de contratação de eólica em que era proibida a participação de empresas que atuassem de qualquer forma na área de energia. Então, foram pequenos investidores e nem todos tiveram musculatura para segurar o projeto. Eram projetos-papel, estavam na fila, tinham prioridade mas não se viabilizavam. É importante porque, no próximo programa, não se pode fazer restrição dessas. Quem quiser produzir, produz.

ZH — Então haverá um próximo programa?
Dilma – Vai ter de ser avaliado primeiro este, agora seguramente em algum momento haverá. Não posso dizer quando. É preciso evitar os mesmos erros e perseguir os mesmos acertos. É bom que se diga que o horizonte não está longe. Esse agora acaba em 2008. Encerra, avalia e aí toma a decisão. Vira a página e faz outro.

ZH — Esse setor, como outros, atrai investimentos estrangeiros que fazem o real se valorizar mais. Qual é o nível de preocupação com o câmbio no governo?
Dilma — O derretimento do dólar não afeta só a nós, mas todos os países. Alguns inclusive muito mais preocupados do que nós, porque diversificamos nossa pauta de exportações e nossas relações com os Estados Unidos. Estamos em momento histórico recente que somos menos dependentes e temos uma relação muito mais diversificada do que alguma dia se teve no Brasil. Veja como foi acertada a política externa do presidente Lula, que o pessoal criticava. Tivemos o cuidado de dar uma preferência a América Latina e ter responsabilidade regional. O Brasil não deu as costas à América Latina, porque fazer isso não era moderno. Achamos que moderno é dar peso expressivo à nossa região, perceber que temos raízes com a fronteira do desenvolvimento da humanidade, que é a África, e desenvolver também a relação de alta qualidade com países desenvolvidos como Estados Unidos, os da Europa e os da Ásia. Demos conta, no que se refere à política externa, da afirmação do Brasil como uma potência regional e como um interlocutor internacional. A fala recente da Condoleeza Rice (secretária de Estado dos EUA, que em visita ao país considerou o Brasil um líder na região) retrata isso.

ZH — É uma comparação freqüente que se faz da senhora com ela, há alguma identidade?
Dilma — Não, até conheço ela pouco, mas a minha trajetória é completamente distinta. Acho que ela é uma pessoa admirável nas condições dela. As concepções dela são muito diferentes, mas é uma mulher que fez sua história, tem de ser respeitada por isso.

ZH — A propósito, a senhora chorou, na comemoração do Dia Internacional da Mulher, ao homenagear Terezinha Zerbini, sua antiga colega de cela durante o regime militar, mas já havia falado sobre o período com serenidade. Por que a emoção aflorou?
Dilma – Sempre que você vive de forma muito intensa, a recordação deles tem o poder de trazer aquilo presente como se você estivesse vivendo aquele momento. A Terezinha me comoveu, porque vi uma lutadora, uma pessoa que teve uma trajetória de vida, que ela escolheu, de muita luta, muita garra, muita dignidade. Ela não é da minha geração, sempre foi 20 anos mais velha. A gente tinha 20, ela 40, era uma senhora. A cadeia política aos 20 é uma coisa, aos 40 é outra. Ela suportou com tanta dignidade, tanta firmeza... Vestia um chemisier de seda, calçava uma sandália, e chegou um conjunto de visitantes fardados. Eles tinham uma prática estranha naquela época, mostravam essa parte do Tiradentes para dizer "olhaí, os presos políticos no Brasil vivem bem". Porque mulher faz uma cortininha, pinta um caixote, bota a roupa dentro do caixote pintado. Não conheci o dos homens, mas devia ser mais bonito.

ZH — Havia observadores internacionais?
Dilma — Não, eram generais. Varia. Ia Dom Agnelo Rossi (arcebispo de São Paulo e presidente da CNBB de 1964 a 1970, faleceu em 1995 aos 82 anos), que gostava muito de nos visitar. Não era a mesma coisa que o nosso querido Dom Aloísio Lorscheider, que não deixavam ir, mas o Agnelo podia. Por que iam ainda não entendo, mas iam. Ela era mulher de um general. Ela parava na porta da cela, puxava a porta, bléin, fechava a cortina, tléin, e dizia "esses homens não honram a farda que vestem, não falo com eles". Falava alto. Essa cena ela sempre fazia. Vi ela ali, andando com dificuldade, me comoveu a condição humana dela. Uma certa identificação também. Como uma mulher frágil, porque ela era frágil, pôde em alguns momentos serão tão digna, tão altiva.

ZH — Sobre a sua geração, há uma minissérie na televisão...
Dilma – Ah, Queridos Amigos. Tem partes que eu achei interessantíssima, outras meio pobres.

ZH — A senhora está assistindo?
Dilma — Eu vi uns quatro, mais, uns cinco capítulos. Teve umas partes que eu achei muito bonitas, muito bem feitas. Acho muito esquemática a personagem da menina, antiga militante, que foi torturada (Bia, interpretada por Denise Fraga). Aquilo está muito estereotipado, não é assim que as pessoas reagem. Aquele cara também, que ia morrer, o Léo, durante o início todinho adorei, depois começou a dar uma degringolada. Aquela menina, a personagem da Débora Bloch (Lena, que abandonou a filha com o marido para viver com um colega militante que não quis se separar para assumir a relação), é muito realista. O cara prometeu e nunca foi. Achei que estava muito bom aquilo. Viveram juntos e tal. E gostei também muito do que é feito pelo Mateus Nachtergaele (Tito, um jornalista que entra em depressão quando cai o Muro de Berlim). É o cara que ficou lá atrás e por causa disso perdeu uma parte da vida dele.

ZH — Como a senhora vê essas transformações, agora também envolvendo Cuba?
Dilma
— Acho que é muito bom que ocorra isso. Tem gente que isso é uma violação do que a pessoa sentiu. Acho que ver a China do jeito que eu vi é uma situação fantástica. Só lamento que não seja mais democrática. É uma grande realização daquele país e daquelas lideranças. Não foi uma coisa trivial pegar aquela China que tinha um nível de pobreza medieval, e olhar essa China hoje responsável pelo mundo não estar entrando numa das maiores crises dos últimos 100 anos. É a presença da China e da Ásia que está neutralizando. E até nós, dessa vez até nós (risos). O Guido Mantega estava contando que estava uma choradeira entre os banqueiros naquela reunião do Instituto Internacional de Finanças, o IIF. E um reconhecimento que éramos nós e a China os que tinham mais proteção contra a crise.

ZH — Que tipo de sensação isso traz?
Dilma — A gente não fica excessivamente eufórico com isso, nem impressionado, porque achamos que temos de enfrentar essa situação com muito pé no chão e cabeça muito fria, porque se você se encantar com o sucesso, porque se fizer isso perde a dimensão dos desafios. Ainda temos muitos desafios a resolver. Não sei se algum dia vai ser um dia só de comemoração. Todos nós temos de saber que hoje comemoramos e ao mesmo tempo temos de nos preocupar profundamente, porque temos muita coisa para resolver.

ZH — Não é difícil fazer esse exercício?
Dilma — Ah, mas nós fazemos. E se não fazemos, o presidente faz. Sistematicamente, ele sempre fala. A orientação dele para os 5,4% do PIB foi uma...

ZH — ... "euforia comedida", não é uma contradição em termos?
Dilma — É uma alegria moderada, nada de ficar achando que acabou. Tem de falar "ô, tudo bem", mas vira as costas e vai trabalhar.

ZH — Aliás, como está sua carga horária?
Dilma — A mesma de sempre, péssima. Por isso que eles me odeiam. É muito barra pesada, porque não é só a carga horária, é a quantidade de coisas que se faz durante o dia, sem intervalos. Isso eu estou diminuindo. Estou fazendo o seguinte, fico o tempo todo, mas não vou deixar de ter nem hora para ir ao banheiro. Estava assim, marquei uma audiência para as 9h, outra às 10h, outra às 11h. Isso é inviável, não é real. Às vezes a minha agenda cai, entro na da Presidência, volto para a minha e retomo. Só tem um jeito de diminuir isso, aumentar os intervalos. Isso já estou fazendo.

ZH — As pessoas vêem na senhora uma espécie de primeira-ministra do governo, uma toda-poderosa. É mito ou verdade?
Dilma — A grande maioria é mito, porque num governo ou você constrói equipe ou não se faz nada. Uma andorinha, em governos ou na natureza, não faz verão. O que fomos capazes nesses anos, foi ter uma liderança forte, o presidente é uma liderança forte. Segundo, nós construímos uma equipe, a gestão do PAC é trilateral, nós, a Fazenda e o Planejamento, além do ministro da área. Agora, tem foco único. Se a prioridade é essa e o foco é aquele, é obrigação de qualquer um e de todos. É um diretriz de gestão fundamental para que se realizem os projetos, senão, se dispersar esforços, não consegue efetivar, principalmente quando são muitos os envolvidos, mais de uma dezenas de outros ministérios, secretarias, bancos, departamentos, estatais como a Petrobras. É preciso ter uma centralidade, que está no Palácio do Planalto. Não é um gestor que diz que tem de ser assim, é a expressão do poder político, que é o presidente.

ZH — A senhora vai continuar na presidência do conselho da Petrobras?
Dilma — Até agora ninguém nem cogitou diferente. Como era no tempo do Pedro Parente, que era chefe da Casa Civil e presidente do conselho.

ZH — Os blocos da camada de pré-sal seguirão com tratamento diferenciado nas licitações para exploração?
Dilma – Nossa decisão é de que Tupi, Júpiter e o pré-sal não são fatos secundários, são fato central na questão das reservas de petróleo do Brasil e portanto não podem ser tratadas dentro do contexto anterior. O que está absolutamente segregado é o pré-sal. Nós não trataremos o pré-sal da mesma forma. Não será igual em hipótese alguma (bate na mesa com a caneta).

ZH — Isso não pode afugentar investidores?
Dilma — Isso só cola no Brasil. Isso indica que temos de ter muito cuidado para não irritar ninguém, mesmo que esse cuidado signifique entrar o país e todas suas riquezas a preço de banana. Um país não é respeitado por isso. Não me consta que em nenhum país do mundo alguém deixou de explorar petróleo porque o governo decidiu A, B, C ou D. Só saem quando são mandadas embora. Não dá para ser ingênuo nessa história.

ZH — A senhora se vê como candidata à sucessão...
Dilma (interrompendo) — Não, não me vejo, já cantei em prosa em verso. Eu me vejo como uma das pessoas que participam do governo do presidente Lula e temos orgulho disso porque acho que vamos fazer um governo que vai marcar a história, porque vamos fazer esse país voltar a crescer, redução da desigualdade, melhoria da educação. Agora, não me vejo como candidata, não. Esse debate hoje sobre sucessão, com o governo entrando no início do segundo ano, não acho bom. Não vejo sentido em tentar adiantar esses três anos.

ZH — Os políticos dizem que sem um claro candidato à sucessão, e diante de uma figura forte como a sua, a escolha estaria feita.
Dilma — Sei não, não começa assim, não. Eles dizem que tem dois candidatos em outros partidos que estão lá na pauta. Porque o pessoal gosta de especular sobre 2010. Agora, porque eu vou focar lá? Prefiro discutir outras coisas do aqui e agora, o que está ocorrendo amanhã.

ZH — Não há risco, se não discutir isso agora, de entregar o governo para um adversário?
Dilma — Não, acho que tem muitos outros nomes que podem aparecer ao longo do processo. Nós não somos mais o país do futuro, estamos fazendo o futuro aqui e agora. Estamos vivendo aqui e agora o futuro. O futuro começou. Aquele dia no painel RBS, eu disse isso ao Rio Grande do Sul. É importantíssimo que o Rio Grande do Sul olhe para o presente. Tem regiões importantes que são importantes porque a gente tem de acabar com um desequilíbrio secular, caso do Nordeste e até do Norte. Mas o Rio Grande do Sul não é isso. O Rio Grande do Sul é uma reserva de qualidade do Brasil, por anos e anos, com desenvolvimento maior, formação de mão-de-obra, experiência empresarial, qualidade política, compromisso com a ética, então tem um papel de liderança, de protagonismo nesse processo de retomada do Brasil.

ZH — E além do pólo naval, qual vai ser a herança do governo Lula para o Estado?
Dilma
— Nós vamos deixar a infra-estrutura, hoje me mandaram o investimento para o Estado, e hoje está em R$ 16,9 bilhões. A gente acompanha todo o dia, o PAC é móvel. E não é assim, R$ 16,9 bilhões. É assim: Corsan, em Alegrete, em contratação. Cada um tem o estado.

ZH — E tudo vai sair do papel?
Dilma — Eu passo o dia inteiro fazendo isso, se não sair do papel... É impossível. Há um processo de acompanhamento, nisso o Gerdau tem razão. Ele me disse desde a primeira vez, quando ele viu um balanço do PAC em abril de 2007: "você vai ver que prestar conta é um dos maiores instrumentos de gestão, porque quando você presta contas para o público cria o compromisso de ninguém aparecer mal na foto".

 
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