| 05/05/2008 07h
O Inter é um time de jogadores experientes, campeões, rodados, bons de entrevista, alguns até de nível intelectual acima da média, casos notórios de Alex e Fernandão. Sendo assim, essa história de touca fica para o lado de fora do vestiário, nos braços da torcida, apenas para alimentar o folclore delicioso do futebol. Na verdade, ela nunca existiu. As derrotas sucessivas em jogos decisivos para o Juventude eram coincidência ou fruto de momentos ruins do Inter.
Até ontem, era mais ou menos esse o discurso oficial. Não é mais.
Clemer encarregou-se, com um sorriso de orelha a orelha, de mandar às favas o politicamente correto. E o fez com uma frase cunhada dentro do campo, em meio à festa:
— Peixe (quando relaxa, Clemer chama as pessoas de Peixe, apelido que aprendeu com Romário, nos tempos de Flamengo), depois de meter oito numa
final, a gente desvestiu a touca, colocou no
avião e mandou para o Japão. Já era.
Isso que não é possível reproduzir o tom da voz de Clemer na frase. Havia um tom de suspiro, de alívio. Clemer chegou a arriar os braços e a amolecer o corpo ao falar. Um pouco mais explícito foi um torcedor que corria feito doido em volta do Beira-Rio após a partida, carregando um caixão verde. Abaixo da cruz, o desabafo da toda a torcida do Inter:
— Acabou-se a touca desgraçada.
Portanto, a touca não apenas existia. Existia e incomodava. E incomoda tanto que, só ser campeão em cima do Juventude, era pouco para exorcizá-la. Por isso a decisão tomada no intervalo. Já estava 4 a 0 e falou-se na velha história de evitar o olé, aquela troca de passes destinada apenas a humilhar o oponente. Nesse instante, ergueu-se a voz de Fernandão:
— A maior humilhação que a gente pode impor é seguir fazendo gols.
Não que Fernandão, além de candidato a maior ídolo do Inter
em todos os tempos, agora tenha resolvido ganhar ares de
profeta. Mas foi o que aconteceu. Virou em quatro, terminou em oito. Até a camiseta branca, azarada nos anos 70 e 80 e agora santa das causas impossíveis, foi convocada à última hora. E a camiseta branca, como se sabe, surgiu de uma previsão de uma vidente, que disse em setembro de 2006 para um certo dirigente importante do Inter:
— Eu vi um homem alto, de cabelos longos, todo de branco, erguendo um troféu numa terra distante diante de uma multidão.
Em tradução livre, era Fernandão de uniforme branco ganhando o Mundial no Japão. O branco, portanto, é para causas nobres.
— Ah, eu botei pilha pela camisa branca de novo. Se a gente ganha todas com essa p... de camiseta branca, por que não usar contra essa touca desgranida? — revelou Clemer.
E Fernandão, que disse não existir nada dessa história de superstição, que tanto faz branco ou vermelho?
À beira do gramado, enquanto o goleiro
Clemer se preparava para cobrar o pênalti que resultaria no
improvável oitavo gol da incrível goleada do Inter sobre o Juventude, a resposta do capitão veio de forma inusitada: ergueu os ombros, sorriu e piscou de leve o olho direito.
Estava exorcizada a touca.
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