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 | 24/07/2007 11h15min

Briga por medalhas e zombarias acirram rivalidade entre Brasil e Cuba

Diferença de ouros até a manhã desta terça era de dois: 31 a 29

DAVID COIMBRA  |  david.coimbra@zerohora.com.br

O Maracanã que vaiou Lula pôs-se de pé para aplaudir a entrada da delegação cubana, na noite da abertura dos Jogos Pan-Americanos. Cuba foi, de longe, o país mais festejado pelos 60 mil brasileiros que assistiam à cerimônia. Agora, transcorridos 10 dias, quando há algum cubano em disputa por medalha, esses mesmos brasileiros saúdam-no com um tipo de ofensa muito conhecida nos estádios de futebol do Brasil:

- Ei! Fidel! Vai tomar no...

Protagonista na briga de domingo passado na competição de judô e inimiga do Brasil na busca pelo segundo lugar no quadro geral de medalhas, a delegação cubana transformou-se em personagem à parte no Pan do Rio. Muito devido ao comportamento dos próprios cubanos. Nos primeiros dias, eles circulavam com desenvoltura pela área internacional da Vila do Pan e até se notabilizaram pelo assédio às atletas brasileiras e às voluntárias. A situação política da Ilha, porém, acaba se impondo inclusive às relações pessoais dos seus habitantes. Ali não está uma delegação esportiva; está a representação dos ideais que regem o país, como anuncia uma enorme faixa pendurada num dos dois prédios da Vila em que estão hospedados os cubanos: "A pátria os mira, orgulhosa!". No caso improvável de um cubano não avistar essa faixa, basta ele baixar a cabeça para ser lembrado de quem ele é e de onde vem: atrás da credencial de cada atleta, há uma carteira plástica com uma foto de Fidel Castro e a frase ufanista: "Cuba, honra e dignidade".

Cercados de todo esse clima nacionalista, os cubanos são arredios, se a intenção do interlocutor não é ao menos ligeiramente sexual. Evitam contato com a imprensa, não comentam sobre seu país e às vezes tornam-se suscetíveis por motivos difíceis de compreender para um brasileiro. Dias atrás, um jornalista gaúcho abordou um atleta cubano que tremulava uma bandeirinha do seu país:

- Quanto custa uma bandeirinha dessas?

O atleta ergueu o queixo:

- Isso não se compra!

O jornalista engoliu em seco. Tentou corrigir.

- Ahn... E como eu faço para conseguir uma? Eu queria muito ter uma bandeira de Cuba...

O atleta estendeu-lhe a bandeira:

- Toma.

Essa galhardia se transforma em deboche durante as competições. As cubanas derrotaram as brasileiras no vôlei e, no dia seguinte, os atletas da delegação foram torcer por sua seleção de beisebol com cartazes provocativos, tipo: "Guapos como las morenas del volei". Os brasileiros passavam, olhavam e fechavam a cara.

Os jornalistas cubanos ajudam na zombaria. No dia da final do vôlei, o técnico Zé Roberto se irritou com a insistência dos repórteres em dizer que as brasileiras tinham medo das suas compatriotas. Os jornalistas cubanos, aliás, não se comportam como jornalistas. Usam o uniforme da delegação, torcem abertamente nas competições e se abraçam aos atletas nas vitórias. Os jornalistas também estão no Rio em missão patriótica.

Curiosamente, uma das históricas instigadoras da rivalidade entre Brasil e Cuba no vôlei, Regla Torres, criticou essa rixa. Durante a final das meninas, Regla, que foi eleita a melhor jogadora de vôlei de todos os tempo, pregou o fim da rivalidade.

- A cordialidade entre os adversários tem que estar acima da rivalidade. Senão quem perde é o esporte - disse.

Mas domingo, na confusão da disputa do judô - após a polêmica decisão da arbitragem que deu ouro para a cubana Sheila Espinosa no combate com a brasileira Erika Miranda - , Regla Torres era uma das mais furiosas com os brasileiros. Foi vista do alto de seus 1m91cm, de punhos cerrados, tentando desferir socos no mais apurado estilo "mata-cobra", com seu braço que se consagrou como um dos mais pesados do vôlei mundial. Não acertou em ninguém. Se acertasse, a rivalidade estaria mais uma vez acima da cordialidade. E quem perderia seria algum brasileiro que estivesse no caminho da sua mão.

Temos chance de chegar na frente?

O clima de rivalidade entre a torcida brasileira e a delegação cubana também se deve à briga pelo segundo lugar no quadro de medalhas – é o número de ouros que determina a posição. Após o dia de ontem, Cuba está na frente, com 31, contra 29 do Brasil (em Santo Domingo/2003, eles terminaram com 43 medalhas a mais).

Ainda há 25 esportes e dezenas de ouros em disputa. Pela tradição, Cuba deve manter a vice-liderança – desde Cali/1971 o país fica à frente do Brasil. Em esportes como boxe, atletismo e softbol, eles dominam. Na luta greco-romana, por exemplo, Cuba ganhou os sete ouros de 2003. Em compensação, a vela, o futebol feminino e futsal brasileiros têm tudo para engordar a nossa conta. E no basquete feminino já despachamos as cubanas - o ouro pode vir hoje. No vôlei masculino, o Brasil é favorito, mas, na história do Pan, Cuba leva vantagem: ganhou quatro de cinco finais contra a gente.

O atletismo deve ser palco do maior duelo.

- Cuba é muito mais forte, com certeza conquistarão mais medalhas. Estamos indo com tudo. Imagino que pelo menos seis ou oito ouros serão nossos - diz o chefe da delegação do Brasil, Carlos Alberto Lancetta.

Uma já saiu ontem: no salto com vara feminino. Mas Cuba ganhou no lançamento de martelo.

Boxeadores favoritos ao ouro sumiram

A segunda-feira foi traumática para a delegação cubana. O dia começou com a confirmação da deserção de dois dos favoritos ao ouro no boxe, o peso galo Guillermo Rigondeaux e o meio-médio Erislandy Lara. Foi um choque, sobretudo por causa de Rigondeaux, um ídolo no país. Ele foi ouro em Sydney (2000), ouro em Atenas (2004), ouro no Pan de Santo Domingo (2003) e tem ouro em todos os dentes da arcada superior, o que o transforma em atração onde quer que vá.

Rigondeaux é talvez a maior estrela entre os cubanos que competem no Rio. Depois de confirmado o seu desaparecimento, agentes da Polícia Federal foram à Vila do Pan, mostraram fotos a atletas e voluntários, e interrogaram uns e outros. Rigondeaux e Erislandy teriam fugido na madrugada de domingo para segunda. Ainda existe a suspeita de que os dois tenham sido vítimas de um seqüestro-relâmpago ou de algum golpe. No dia anterior, Rigondeaux circulou pela Vila mostrando as fotos tiradas em um celular de algumas garotas brasileiras com quem ele e Erislandy teriam se relacionado durante os dias de folga. Com a dupla de boxeadores, já são quatro cubanos desertores neste Pan. Na semana passada, um jogador de handebol e um técnico da ginástica também desapareceram.

Os beneficiados com as fugas foram os boxeadores brasileiros. James Dean Pereira, que ia enfrentar Rigondeaux, já tem o bronze garantido. Pedro Lima avançou uma fase da competição e já fala em conquistar medalha. Com os cubanos na luta, esse desejo seria muito mais difícil de ser realizado.

ZERO HORA
Silvia Izquierdo / AP

No domingo, cubanos e brasileiros trocaram tapas durante as disputas do judô
Foto:  Silvia Izquierdo  /  AP


 

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