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Geral  | 19/02/2014 06h02min

Ex-comandante do DOI-Codi, coronel morto em Porto Alegre ocultou caso do Riocentro, diz Ministério Público Federal

Para órgão, militar havia mandado suprimir provas e encomendado versão para atentado em 1981

Cleidi Pereira  |  cleidi.pereira@zerohora.com.br

Passadas três décadas do atentado ao Riocentro, o Ministério Público Federal (MPF) no Rio conseguiu reunir, pela primeira vez, elementos para sustentar o envolvimento do então comandante do DOI-Codi, Julio Miguel Molinas Dias, no caso.

Coronel reformado do Exército, ele morava em Porto Alegre e foi morto em uma tentativa de assalto em novembro de 2012.

Os procuradores pedem a condenação de seis pessoas (cinco militares e um delegado) e apontam a “participação decisiva” de outros nove “criminosos” já falecidos, incluindo Molinas. Se estivesse vivo, o coronel também seria responsabilizado pelas explosões no local, durante um show em homenagem ao Dia do Trabalhador com a presença de 20 mil pessoas.

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De acordo com o procurador Antonio do Passo Cabral, Molinas ordenou que subordinados suprimissem provas do local do crime, o que prejudicou o trabalho dos peritos. Documentos que embasam a acusação contra Molinas foram revelados pela primeira vez por ZH em dezembro de 2012.

A denúncia do MPF é a quarta tentativa de punição dos envolvidos no Riocentro. Os denunciados são acusados de tentativa de homicídio doloso, transporte de explosivos, associação criminosa, favorecimento pessoal e fraude processual. Cabral afirma que as investigações também comprovaram a existência de um plano de atentado ao Riocentro um ano antes:

— O show do Dia do Trabalhador era promovido por um órgão que arrecadava fundos para o Partido Comunista. Então, o show era tido como evento dos comunistas, e os militares tinham uma obsessão pela simbologia que aquele show carregava.

Entrevista — Antonio do Passo Cabral, procurador da República

“Molinas atuou dolosamente para encobrir tudo”

Coordenador do grupo de Justiça de Transição, que apura crimes do regime militar, o procurador Antonio do Passo Cabral é chefe da equipe que assina a denúncia. Em dois anos, foram ouvidas 43 testemunhas e produzidos 37 horas de depoimentos e 38 volumes de documentos.

Zero Hora — O que motivou a reabertura do caso Riocentro?

Antonio Cabral — Há um novo contexto normativo e um novo conjunto probatório. Existem decisões internacionais, inclusive contra o Brasil, que disseram que os crimes da época da ditadura militar são imprescritíveis. Temos também novas provas, tanto novos documentos quanto novas testemunhas. Localizamos diversas pessoas que viram os militares dentro do Puma no dia do evento, que estavam próximas das explosões das bombas. Tivemos novas provas documentais.

ZH — Qual a importância da descoberta do arquivo do coronel Molinas para a denúncia?

Cabral — Foi um importante elemento de prova. Na agenda, ele anotava hora a hora, minuto a minuto, as ocorrências, quem ligava para ele, o que estava sendo feito. Com isso, a gente conseguiu comprovar a participação de algumas pessoas, revelar alguns codinomes dos agentes secretos e construir um quebra-cabeça. A gente comprovou que havia um plano um ano antes para explodir o Riocentro. Esse plano foi gestado dentro do DOI. Ou seja, a gente viu que havia uma associação criminosa que estava querendo explodir aquela bomba muito tempo antes.

ZH — O coronel Molinas teve participação decisiva no caso?

Cabral — A gente não tem provas de que ele sabia previamente do atentado, mas a gente tem várias provas de que ele atuou dolosamente para encobrir tudo o que aconteceu. Ele, por exemplo, deu a ordem para o sexto denunciado, o major Divany Barros, ir ao Riocentro e suprimir todos os elementos de prova que comprometessem os militares. Barros subtraiu do local do crime uma granada, uma pistola e a agenda do sargento Rosário. Chegou no DOI, entregou a granada e a pistola a Molinas, e isso nunca apareceu nas investigações. O Molinas deu sumiço na granada e na pistola. Além disso, Molinas procurou arapongas, para que arrumassem alguma versão para encobrir tudo aquilo.

ZH — Por quê?

Cabral — Porque aquilo iria respingar nele. Aquilo foi gestado dentro do destacamento que ele comandava e iria parecer que ele tinha perdido o comando, sendo ultrapassado pelos subordinados, ou então que ele estava mancomunado com alguém. A atuação dele para encobrir era uma forma de tentar preservar a sua imagem dentro das Forças Armadas. Mesmo que ele não estivesse envolvido no atentado anteriormente, ele atuou de maneira que o DOI ficasse preservado. Tanto é que meses depois, acho que em agosto, ele foi retirado do comando do DOI.

ZH — O que aconteceria se o atentado tivesse dado certo?

Cabral — A gente acha que as bombas seriam colocadas dentro do complexo, nas proximidades do palco, para que a explosão ocorresse perto dos artistas, causando comoção no público. Havia também outras equipes. Uma segunda bomba foi colocada na casa de força, para explodir a subestação de eletricidade. Os criminosos estavam tentando apagar a luz e, com isso, causar mais pânico. Nessa parte, o plano parece ter sido mal planejado, porque a bomba usada não teve potência para destruir a casa de força. Houve erro também no arremesso, e a bomba não atingiu em cheio a subestação.

ZH — Por que a bomba estourou no colo do militar?

Cabral — Foi uma explosão prematura. Uma testemunha viu ele manuseando o objeto segundos antes da explosão. A gente acha que pode ter sido um contato com a pulseira do relógio ou com algum fio desencapado.

Um plano frustrado

O atentado

Na noite de 30 de abril de 1981, um show pelo Dia do Trabalhador era realizado no centro de convenções do Riocentro. O DOI-Codi planejou explodir duas bombas durante o evento com a intenção de atribuir o crime à organização de esquerda VPR.

Um dos artefatos explodiu antes da hora, dentro de um Puma, no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, que morreu no local, e feriu o dono do carro, o capitão Wilson Luiz Chaves Machado. Na época, a investigação conduzida pelo regime concluiu que os militares foram vítimas, e não autores de um atentado.

As descobertas

Em 2012, ZH mostrou como o Exército se articulou para ocultar a autoria do plano. Reportagens trouxeram à tona arquivos que eram guardados pelo coronel reformado do Exército Julio Miguel Molinas Dias — assassinado em Porto Alegre.

Os documentos revelam como o regime tentou maquiar o cenário do Riocentro. Placas de trânsito, por exemplo, foram pichadas com a sigla da VPR, para fazer com que o ato parecesse obra dos guerrilheiros. O arquivo mostra orientações no sentido de desaparecer com pistas comprometedoras.

ZERO HORA
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Bomba explodiu no colo de agente do DOI-Codi
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