Política | 20/12/2012 13h53min
O destino dos condenados no julgamento do mensalão, que podem acabar passando o Natal atrás das grades antes mesmo da confirmação da sentença, abre um debate no meio jurídico. Especialistas consultados por Zero Hora divergem sobre o que está por trás do pedido de prisão feito às pressas pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e sobre o provável desfecho.
Além de solicitar a reclusão dos envolvidos antes da publicação da sentença, Gurgel decidiu encaminhar a demanda às vésperas do recesso da Corte. Isso significa que caberá ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) avaliar o pedido — e não ao colegiado. Ou seja: a decisão será de Joaquim Barbosa, persona non grata entre os petistas pelas penas rigorosas imputadas aos réus.
Para alguns juristas, não se trata de mera coincidência: o encaminhamento seria uma estratégia calculada para obter o resultado desejado. Durante todo a ação penal, o ministro foi implacável.
— A acusação pode, sim, usar desse tipo de manobra. Não há nada de ilegal nisso — afirma o criminalista Lúcio de Constantino, professor da Unisinos.
— Estou convencido de que Gurgel adotou a estratégia por acreditar que a chance de conseguir a prisão é maior. O colegiado certamente negaria — complementa Marcelo Guazzelli Peruchin, da PUCRS.
A avaliação não é unânime. Para o diretor da Faculdade de Direito da UFRGS, Danilo Knijnik, faltam elementos para fazer tal suposição.
— O julgamento foi concluído no final do ano judiciário. Mesmo que Gurgel quisesse, não haveria mais condições nem tempo hábil para levar a discussão ao plenário — pondera Knijnik.
Os juristas também divergem sobre como Barbosa reagirá. A detenção só seria possível nesse caso, se houvesse chances reais de fuga, riscos à manutenção da ordem pública ou ameaça a testemunhas. Do contrário, teria de se esperar até o término do prazo para recursos — o que pode levar mais de um ano.
Como os réus passaram todo o julgamento soltos, especialistas entendem que as prerrogativas não se aplicam. Apesar disso, o histórico de Barbosa dá margem para a suposição de que ele pode, sim, decretar a prisão.
— Não duvido que ele aceite o pedido, mas o melhor seria levar a decisão ao pleno, até para preservar a imagem do STF — conclui o criminalista Jader Marques, professor da Escola Superior da Magistratura.
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ENTREVISTA: "Vamos ter decisões desse tipo em cascata, e isso é perigosíssimo", avalia especialista
Professor de Direito Penal da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Davi Tangerino vê com ressalvas a mais nova polêmica envolvendo o caso do mensalão. Para o especialista — que tem Mestrado e doutorado em Direito Penal e Criminologia pela USP, com passagem pela Universidade Humboldt, em Berlim —, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, estará passando por cima da lei, com consequências imprevisíveis, se determinar a prisão imediata dos condenados:
— O perigo disso é que o ano vai virar e então todos os juízes vão achar que agora, em função de uma decisão como essa, podem mandar prender todo mundo sem que tenha saído a sentença definitiva, o trânsito em julgado. Vamos ter decisões desse tipo em cascata, e isso é perigosíssimo.
Confira a íntegra da entrevista:
Zero Hora — O STF pode mandar prender os condenados antes de terminar o prazo para recursos? O que diz a lei?
Davi Tangerino — Eu tenho minhas dúvidas. A prisão, no Brasil, só pode ocorrer por dois grupos de circunstâncias. Um deles é se o caso transitou em julgado, isto é, se tiver saído a sentença definitiva. O outro é porque, cautelarmente, é preciso prender. Isso acontece, por exemplo, nos casos em que há risco de o condenado fugir, em que houve coação de testemunha ou risco para a manutenção da ordem pública. Mas os réus responderam em liberdade e não se tem notícia de tentativa de fuga, nem de coação. Ao meu ver, não há motivo para esse pedido de prisão imediata.
ZH — O pedido pode ser considerado uma estratégia do procurador-geral para deixar a decisão nas mãos de Joaquim Barbosa?
Tangerino — Sim. É uma estratégia clara e, de certa forma, desprestigia o STF. Com essa manobra, Gurgel dá a entender que não confia nos demais ministros e que precisa esperar o recesso para que Joaquim Barbosa decida pelas prisões.
ZH — Mesmo que o STF mande prender os condenados, a defesa deles tem como recorrer?
Tangerino — Há dois caminhos. Ou a defesa entra com um hábeas contra a decisão de Barbosa ou com um agravo regimental, porque toda decisão monocrática pode ser revista pelo colegiado. O agravo só entraria em julgamento após o recesso. No caso do hábeas, por ser contra ele, Barbosa não poderia julgar e teria de repassar a outro ministro, mas isso também ocorreia após o recesso, ou seja, em fevereiro.
ZH — Esse episódio pode manchar a história do Supremo?
Tangerino — Não ficarei surpreso se Barbosa determinar a prisão e, ao fazer isso, ele estará tomando uma medida ilegal. Essa decisão não foi expressamente tomada pelo STF. Como o STF não mandou prender, ele não pode fazer isso. Joaquim Barbosa não tem competência legal, nem constitucional nem regimental para isso. Além disso, não há necessidade de tanta urgência.
ZH — Se não há urgência e se é ilegal, por que passar por cima da lei para apressar as prisões?
Tangerino — Esse virou um julgamento completamente excepcional, atípico e simbólico. E virou o julgamento da vida de Joaquim Barbosa. Para ele, é muito simbólico que os condenados estejam presos antes do Natal. Isso dá capa de jornal e repercute na mídia.
ZH — Mas não atende aos anseios populares?
Tangerino — O perigo disso é que o ano vai virar e então todos os juízes vão achar que agora, em função de uma decisão como essa, podem mandar prender todo mundo sem que tenha saído a sentença definitiva, o trânsito em julgado. Vamos ter decisões desse tipo em cascata, e isso é perigosíssimo. Mas Joaquim Barbosa acha que é batman e é autoritário. Não está pensando nessas possibilidades.
NÚMEROS E FATOS DO MENSALÃO:
Em infográfico, saiba mais sobre o processo:
Joaquim Barbosa teve uma dura atuação como relator do mensalão no STF
Foto:
Fabio Rodrigues Pozzebom
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Agência Brasil
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