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Polícia  | 07/12/2012 22h33min

Coronel assassinado viveu à sombra da linha-dura do regime militar

Comissão da Verdade do Rio Grande do Sul investiga a trajetória do oficial

Carlos Wagner  |  carlos.wagner@zerohora.com.br

O oficial reformado que mantinha dentro de casa arquivos reveladores sobre dois dos episódios mais sombrios da ditadura militar viveu à sombra dos oficiais linha-dura do regime.

Assassinado a tiros em suposto assalto em novembro na Capital, o coronel do Exército Júlio Miguel Molinas Dias, 78 anos, dirigia o Destacamento de Operações e Informações — Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) carioca em 1981, quando ocorreu o atentado a bomba do Riocentro, promovido por radicais contrários à abertura política iniciada pelo presidente Ernesto Geisel, na segunda metade da década de 70.

Molinas não entrou para história do Brasil por ter sido comandante do DOI-Codi, um dos mais famigerados órgãos da repressão política, mas por ter mantido escondidos durante três décadas originais de documentos sobre o Riocentro e o desaparecimento, em 1971, do empresário, engenheiro e ex-deputado Rubens Paiva.

A morte de Molinas início a uma busca pela trajetória do oficial do Exército. Afinal, quem é o homem que manteve escondido, em um caixa de papelão, documentos fundamentais para o entendimento de dois episódios importantes do regime militar?

Comissão da Verdade do RS investiga vida do militar

Filho de um subtenente da Cavalaria do Exército, Molinas nasceu em São Borja, na fronteira com a Argentina, mas ainda adolescente mudou-se para o Rio, onde ingressou no Colégio Militar. Em 1956, formou-se cadete da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), na Engenharia do Exército. Dois anos depois, fez um curso de especialização em comunicação — instalação de telefones no campo de batalha.

Esta é a história oficial do coronel, uma pessoa metódica, que tinha o hábito de guardar em arquivo qualquer pedaço de papel que julgasse importante. Para revelar o que aconteceu nos anos seguintes na trajetória não oficial do Molinas, Zero Hora, durante uma semana, conversou com militares reformados da época que pertencem à chamada "comunidade de informações", como são conhecidos aqueles que lidavam com espionagem na ditadura.

Na década de 1960, o coronel foi recrutado para fazer a logística da comunicação entre os grupos de oficiais que estavam articulando o golpe militar de 1964, que derrubou o presidente João Goulart. O recrutamento obedecia a uma rotina: o militar era indicado e passava por uma rigorosa investigação, que incluía suas ligações políticas.

Os Anos de Chumbo

Assim, o coronel Molinas entrou para a comunidade de informações, um grupo de pessoas que teve um papel fundamental na consolidação da tomada do poder pelos militares. Como tenente-coronel, ele fez curso no então Centro de Operações na Selva e Ações de Comandos (Cosac), em Manaus (AM).

Transferiu-se para Bento Gonçalves, onde, em 18 de agosto de 1976, assumiu o comando do 6º Batalhão de Comunicações. O coronel ficou na Serra até 9 de janeiro de 1979. Na época, em Brasília (DF), o presidente Geisel começava a desmontar o aparato de torturas e prisões ilegais dos DOI-Codi. Os militares que se rebelaram contra suas ordens, conhecidos como "linha-dura", eram chamados por Geiselde "tigrada". Molinas ficou do lado da tigrada, ligou-se aos seguidores do coronel Fredie Perdigão Pereira, falecido em 1997 — homem que idealizou o DOI-Codi.

Foi assim que Molinas se tornou o comandante do órgão no Rio de Janeiro. ZH consultou o Tortura Nunca Mais, documento produzido para apurar crimes praticados por governistas durante a ditadura militar. O nome de Molinas não é citado. Relatos dos oficiais da época o descrevem como um burocrata, um homem preocupado em preencher fichas.

Obsessão do coronel

Molinas não se integrou com a comunidade de informação de Porto Alegre. Ninguém havia ouvido falar dele até a sua morte, afirma Marco Pollo Giordani, advogado que, na época do regime militar, trabalhava como agente do DOI-Codi infiltrado entre os militantes de esquerda.

Todos sabiam, inclusive seus vizinhos, com quem raramente conversava, que ele tinha problemas para se adaptar à vida de paisano.

Como se fosse um soldado isolado em uma ilha sem saber que a guerra já acabou, o coronel continuava vivendo o conflito que mergulhou o país em sangue, torturas e mortes.

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