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Geral  | 22/11/2012 11h23min

Caso Rubens Paiva deve chegar à Justiça Federal

Arquivos que comprovam prisão do ex-deputado paulista pela Ditadura Militar foram revelados por Zero Hora

Atualizada às 16h10min José Luís Costa  |  joseluis.costa@zerohora.com.br

O destino da investigação sobre o desaparecimento do ex-deputado federal Rubens Paiva, torturado por repressores militares em 1971 deverá ser a Justiça Federal.

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Em 1986, quando o sumiço do político paulista foi investigado pela primeira vez, transcorreu um Inquérito Policial-Militar que foi arquivado pela Procuradoria-geral da Justiça Militar, em Brasília, mesmo contendo nomes de suspeitos de sequestrar e matar Paiva.

O promotor Otávio Bravo, do 1º Ofício da Procuradoria de Justiça Militar do Rio, que reabriu o caso no ano passado, afirma que o arquivamento teve conotação política, ainda em razão da influência das Forças Armadas no poder. Porém, desta vez, a investigação é tratada com total isenção.

O promotor está convencido de que Paiva foi morto por militares, mas ressalta dificuldades de punir os responsáveis. Ele lembra que foram praticados pelo menos quatro crimes: tortura, sequestro, homicídio e ocultação de cadáver. O assassinato e a tortura já estariam prescritos, por ter transcorridos mais de 20 anos, ou até mesmo estariam perdoados, se foram consumados antes da entrada em vigor da Lei da Anistia, em 1979.

Entretanto, lembra o promotor, o sequestro poderia estar em curso — fato que ele não acredita—, assim como a ocultação de cadáver, porque Paiva nunca mais foi visto com vida e tampouco seu corpo foi localizado. Sendo assim, os executores não estariam anistiados e nem os crimes prescritos.

Para o promotor, é possível identificar os culpados e punir os autores do crime de ocultação do cadáver. E se isso acontecer, ele vai encaminhar seu procedimento investigatório para a Comissão Nacional da Verdade e também para o Ministério Público Federal, que tem competência para apresentar denúncia de crimes comuns à Justiça (sequestro e cárcere privado são crimes comuns). Por atuar junto à Justiça Militar, Bravo só pode apresentar denúncias referente a crimes militares.

— Se conseguir identificar pessoas que ocultaram o cadáver, elas podem sentar no banco dos réus por esse crime — garante Bravo.


ENTREVISTA
Otávio Bravo, promotor militar que investiga o sumiço de Rubens Paiva

Por telefone, de seu apartamento no bairro carioca do Leblon, o promotor Otávio Bravo, 44 anos, do 1º Ofício da Procuradoria de Justiça Militar do Rio, falou na quarta-feira com Zero Hora sobre o caso Rubens Paiva e seu trabalho para tentar desvendar o paradeiro de 39 desaparecidos em poder de repressores durante a Ditadura Militar. Confira trechos:

Zero Hora — Qual a importância do documento que comprova a entrada de Rubens Paiva no DOI-Codi do Rio?

Otávio Bravo
— Estamos trilhando agora uma prova que dá credibilidade a declaração de uma das filhas do Rubens Paiva que ouviu de um carcereiro que Rubens morreu lá. Ela nunca tinha sido ouvida por uma autoridade brasileira, por incrível que pareça. Foi presa aos 15 anos, ficou um dia detida no DOI-Codi e ouviu dizer: seu pai já era, morreu.

ZH — Quantas pessoas o senhor já ouviu?

Bravo
— Umas 15, mas entre outros casos, eu não investigo só isso. São 39 casos de desaparecidos de unidades militares aqui no Rio de Janeiro. O meu maior foco é unidade clandestina que funcionava em Petrópolis (Serra fluminense), a Casa da Morte.

ZH — O Rubens Paiva passou por lá?

Bravo
— Existe uma versão de que ele teria passado, mas nada comprovado. Não teria o porquê. Eram levados para lá pessoas que militavam, que eles (militares) queriam dar fim mesmo.

ZH — O que aconteceu com Rubens Paiva?

Bravo
— A morte do Rubens Paiva não foi uma morte planejada. Na verdade, foi torturado. Bateram demais nele e perderam o controle. Tanto é que há no inquérito, instaurado em 1986, uma declaração não lembro de quem, de um militar, mencionando que a morte teria sido "acidental" no sentido de que ele não era para ter sido morto, e sim preso. Ele não era um militante, um ativista, não pegava em armas. Pelo contrário, era um empresário, cuja morte geraria muito mais problemas do que soluções.

ZH — A investigação anterior foi por meio de um IPM?

Bravo
— Em 1986, foi instaurado um inquérito para apurar a morte do Rubens Paiva, em um inquérito que terminou, de forma absurda, embora tenha sido identificado militares que participaram da prisão dele.

ZH — Foram apontados cinco militares, mas nenhum punido?

Bravo
— Não foram punidos porque era 1986, final do regime militar, então por uma decisão do procurador-geral militar o inquérito foi arquivado. Era um período em que os promotores e procuradores eram indicados pelas Forças armadas. Hoje, procurador-geral militar é membro do Ministério Público da União, e o Ministério Público Militar é um órgão que a pertence ao Ministério Público da União.

ZH — O senhor está convencido de que o Rubens Paiva foi assassinado no DOI-Codi?

Bravo
— Para mim, ele foi assassinado lá, mas já saiu da unidade da Aeronáutica em condições bastante ruins, onde começou a apanhar. Isso sei porque eu tenho o testemunho das duas senhoras que viram ele sendo maltratado.

ZH — É possível chegar ao culpados?

Bravo
— Acho que sim. No caso do Rubens Paiva, se a gente chega aos nomes das pessoas envolvidas, e conclui que ele morreu antes de 1980, aí os crimes de sequestro e de homicídio estaria prescrito e anistiado pela Lei de Anistia, de 1979. Poderíamos dizer dizer quem foram os autores dos crimes, mas mas não teria como punir essas pessoas.

ZH —Não tem como?

Bravo
— Não tem como punir pela Lei da Anistia e porque o prazo de prescrição máximo é de 20 anos. Instaurei o procedimento no ano passado para ajudar a descobrir a verdade e, se possível, encontra corpos.

ZH — A condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo caso Araguaia também influenciou para reabrir o caso?

Bravo
— Tem um trecho da decisão da corte que indica que o Brasil tem obrigação de investigar todos os casos de desaparecimento forçado. Além disso, no final de 2010, o Brasil assinou e ratificou a Convenção das Nações Unidas para Prevenção e Repressão de Casos de Desaparecimentos Forçados, se comprometendo a investigá-los.

ZH — É possível levar alguém a julgamento?

Bravo
— Existe. Seria ingenuidade achar que o sequestro está em curso ainda. Mas ocultação de cadáver é crime permanente até aparecer o cadáver, e ele ainda não apareceu. É um pouco frustrante depois de se falar em tortura, homicídio, sequestro. Mas, se conseguir identificar pessoas que ocultaram o cadáver, elas podem ser colocadas no banco dos réus por esse crime.

Zero Hora — Como é a sua estrutura de trabalho?

Bravo
— Só eu e minha secretaria. É um trabalho bastante pesado. Houve apoio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos e da Comissão Nacional da Verdade. Mas não tem apoio em termos de estrutura, estou sozinho. Não há pressão, mas também não teve ajuda que eu esperava. Há uma certa resistência das forças armadas em fornecer informações meio absurdas de destruição de documentos que a gente sabe que não foram destruídos.


 

ZERO HORA
Eduardo Simões / Especial

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Foto:  Eduardo Simões  /  Especial


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