"Ele voltou", dizia um panfleto do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo distribuído aos trabalhadores em março de 1979. O impresso trazia uma foto do líder máximo da categoria: 34 anos, cabelos e barba negros e abundantes, semblante carregado.

— Ele voltou — sussurravam militantes do PT no plenário da Câmara Municipal de São Paulo no dia 21 de maio, diante de um telão com os dizeres "Homenagem ao presidente Lula".

Ao lado da inscrição, paira a imagem de um homem de 66 anos, cabelos ralos, bigode branco, barba aparada e sorriso escancarado. Os dois homens são o mesmo Luiz Inácio Lula da Silva, com um intervalo de 33 anos.

O Lula de 2012 ainda se queixa de dor na garganta, mas o tumor de 2,5 centímetros na laringe diagnosticado em outubro foi curado, segundo os médicos. O cabelo voltou a crescer, mas restam poucos fios pretos no alto do crânio e nas têmporas. Recuperou parte dos 18 quilos perdidos durante o tratamento contra o câncer. Uma das sequelas foi a perda de mobilidade: está fazendo fisioterapia para tonificar a musculatura da perna e do pé esquerdos, debilitados por meses de recolhimento.

Desde abril, quando retomou a agenda política, o ex-presidente já esteve em Brasília, no Rio e em São Paulo. Em todas as ocasiões, alternou a presença em eventos públicos com movimentações de bastidores, como mostra o episódio do encontro com o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim.

A atividade de Lula começa cedo. No dia 21 de maio, data em que a Câmara de São Paulo entregou-lhe um título honorífico, uma condecoração e um diploma de gratidão, Zero Hora tocou por volta de 9h30min o único botão do interfone do condomínio de classe média alta onde o ex-presidente ocupa uma das duas coberturas, na Avenida Prestes Maia, em São Bernardo.

— O presidente não pode atender. Acabou de chegar da fisioterapia — disse o porteiro.

Antes da Presidência, Lula era frequentador de locais como o Bar do Zelão, nas imediações do sindicato dos metalúrgicos, ou o Restaurante São Judas Tadeu, do amigo Laerte de Marchi.

— Até Fidel Castro é fã do frango com polenta do Marchi — brincou Ademir Medici, jornalista e historiador.

O estabelecimento mais visitado por Lula, porém, era o Gijo Restaurante, de propriedade do ex-metalúrgico e companheiro de sindicalismo Juno Rodrigues da Silva, o Topo Gijo. No local, ainda hoje se reúnem expoentes da velha guarda como Nelson Campanholo, Gilson Menezes (ex-prefeito de Diadema, o primeiro eleito pelo PT) e Zé Ferreira (vereador de São Bernardo pelo PT há 30 anos). Aos 69 anos, Gijo (apelido devido aos dentes proeminentes, semelhantes aos do ratinho Topo Giggio, antigo personagem infantil de TV) lembra que companheiros estranharam sua decisão de iniciar o negócio, em 1984, para "não ter mais patrão":

— Lula veio aqui, olhou e me perguntou: "Topo Gijo, é isso que você quer?". Eu disse: "É". Ele pôs a mão no meu ombro e falou: "Então, companheiro, se é isso que você quer, Deus vai te ajudar e você vai prosperar". E eu prosperei.

Quando deseja comer chuleta paulista, uma das especialidades da casa, Lula recebe a refeição em sua cobertura pelas mãos do próprio Gijo.

O principal endereço da cidade

Nem o recolhimento de Lula nos últimos meses impede os "batateiros", como os naturais de São Bernardo do Campo são chamados desde os tempos em que o município fazia parte do cinturão verde de São Paulo, de falar com intimidade do morador ilustre. À pergunta "Onde mora Lula?", a resposta está na ponta da língua.

— Avenida Prestes Maia. Você tem de ir pelo centro de São Bernardo e pegar a Avenida Prestes Maia — informou João Augusto da Silva, gerente de café.

— O Lula mora numa travessa ali da Prestes Maia. Fica, eu acho, a uns 15 quarteirões daqui — disse Izete Brasileiro da Costa, gerente de franquia de empadas.

Acostumados à movimentação da imprensa depois do anúncio da doença de Lula, vizinhos não se lembram de tê-lo visto nos últimos meses. Francisco Uberlânio França da Silva, 35 anos, gerente da Panificadora FJ Artes em Pães, revelou que um dos irmãos do ex-presidente esteve certa vez no estabelecimento para tomar café. Maria Madalena Oliveira de Moraes, funcionária da GB Serviços Especiais, empresa com sede nas imediações do condomínio de Lula, sabe que Lula mora no local e o considera o melhor presidente que o país já teve, mas nunca o avistou desde que começou a trabalhar no local, há um ano.

Lula está longe, porém, de ser um recluso em São Bernardo. No dia 12 de maio, ele assistiu ao jogo entre São Bernardo e União Agrícola Barbarense, no Estádio Municipal 1º de Maio, o antigo Estádio de Vila Euclides, onde ocorreram as grandes assembleias operárias dos anos 1970 e 1980. A partida terminou em 2 X 2, mas para Lula a bola mal começou a rolar.

— Acho que em junho estarei pronto — disse o ex-presidente ao site do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

O repórter Luiz Antônio Araujo preparou um vídeo sobre a vida do ex-presidente. Assista: