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Geral  | 12/04/2012 12h50min

Gaúchas que tomaram decisões opostas diante de gravidez relatam tragédia familiar

A partir das 14h, ministros devem prosseguir o julgamento da ação que descriminaliza o aborto de fetos anencéfalos

Carlos Etchichury  |  carlos.etchichury@zerohora.com.br

A história de duas gaúchas, ouvidas por Zero Hora, ajuda a compreender a dimensão do que será votado nesta tarde pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A partir das 14h, ministros devem prosseguir o julgamento da ação que descriminaliza a interrupção da gestação de fetos anencéfalos — bebês que, devido a uma má-formação, não possuem partes do encéfalo e, na maioria dos casos, morrem logo após o parto.

A sessão iniciada na quarta-feira de manhã foi suspensa no início da noite com cinco votos favoráveis e um contra a liberação da interrupção da gravidez. A tendência é de que a mudança seja aprovada.

O projeto tramita há oito anos e divide opiniões não só nas esferas jurídicas e científicas, mas também entre religiões, profissionais da biologia e da sociologia.

Desde 1989, já foram pedidas 10 mil autorizações judiciais no Brasil para interromper gestações nessas condições. Atualmente, cada caso é analisado subjetivamente, conforme a interpretação da Justiça.

A seguir, o relato de duas mulheres que tomaram decisões opostas diante desta tragédia familiar:

"Eu queria vê-la viva, mesmo que fosse por alguns minutos"

Ao saber que o segundo filho seria vítima de anencefalia e, portanto, morreria logo após o nascimento, a gaúcha Daniele Nunes Mendes, então com 22 anos, decidiu interromper a gestação. Fez o que a maioria das mulheres em situação idêntica faz: procurou a Justiça, formalizou um pedido e aguardou pelo desfecho.

Mas ao longo dos 17 dias que durou o processo, Daniele navegou pela internet, ouviu familiares. E voltou atrás.

— Quando a Justiça autorizou, eu já havia decidido ter o filho — recorda.

Moradora de Rio Grande, no sul do Estado, a jovem queria experimentar, pela segunda vez, a oportunidade de gerar uma vida — mesmo que Sarah, como a sua menina seria chamada, estivesse condenada à morte.

— Queria vê-la viva, por alguns minutos que fosse — lembra.

Como no nascimento de Letierry, seu único rebento, hoje com cinco anos, a gestação de Sarah transcorreu sem percalços. Não fosse o acompanhamento constantes de um obstetra — duas vezes por semana —, nada indicava anormalidade.

— Não tinha dores, nem sangramento— conta.

Para que o bebê resistisse ao parto, de altíssimo risco em se tratando de anencéfalos, o procedimento recomendado era cesariana. Daniele consultou o plano de saúde e agendou o parto para um hospital em Porto Alegre, onde desembarcaria no dia 6 de setembro de 2010, uma segunda-feira. Tudo corria conforme o planejado, até a bolsa se romper e obrigar um parto às pressas, em Rio Grande, onde o plano de saúde de Daniele não operava. O procedimento, portanto, seria pelo SUS. Nas dependências do hospital, nova decepção.

— Havia condições para um parto normal, os médicos não quiseram fazer cesariana — detalha a jovem.

Sem a calota craniana, as chances de sobrevida, que eram mínimas, tornaram-se zero. Sarah veio ao mundo por volta das 11h de sábado, dia 4. Nasceu morta.

— Não consegui ver o meu bebê com vida — lamenta.

As consequências da tragédia familiar são sentidas até hoje, um ano e sete meses depois.

— Meu filho ainda pergunta quando a maninha dele vai chegar — confidencia Daniele.

Ainda perplexa com o diagnóstico, a jovem não se arrepende de sua decisão:

— Como é possível acontecer algo assim com alguém que não fuma, não bebe, não usa drogas, não tomou remédio abortivo? Só Deus pode explicar. Mas não me arrependo de nada. Faria tudo de novo.

Desde o parto, ela, o marido e o filho submetem-se a atendimento psicológico uma vez por semana.

"Não poderia gerar uma criança que ia nascer morta"

Mãe de uma criança de três anos e de uma garota de oito anos, K.M, 28 anos, secretária de uma empresa de Taquara, e o marido foram surpreendidos com uma gravidez inesperada, em agosto do ano passado.

— A gente não esperava um terceiro filho naquele momento — conta.

Passado o susto inicial, a surpresa tornou-se alegria.

— Nossa família é estruturada. Mesmo sem ser planejado, a gente já estava curtindo a ideia, planejando coisas. Já tínhamos contado para a mais velha, que achava que viria uma menina — detalha.

No segundo mês de gestação, porém, vômitos, enjoos, cólicas e sangramentos tornaram-se rotina. Sem resposta, em Taquara, para o que acontecia no seu ventre, K. viajou para Porto Alegre. Submeteu-se a exames. E ouviu de médicos e psicólogos que Melissa, como a sua menina se chamaria, vítima de anencefalia, estava sentenciada à morte.

— Na mesma hora os médicos me disseram que, se eu quisesse, poderia recorrer à Justiça para interromper a gestação — fala K, que pede para manter-se no anonimato.

Acompanhada da mãe, a jovem voltou para casa. As cerca de uma hora necessárias para ir da Capital de Taquara foram os momentos mais triste de sua vida. Antes de conversar com o marido, K. já estava decidida:

— Eu iria interromper a gestação. Como poderia ver o rostinho do meu bebê, pegá-la nos braços, amamentar, se ela não tinha a mínima chance de sobreviver?

Em casa, a decisão foi unânime. Com o despacho da Justiça nas mãos, K. foi internada no Hospital Presidente Vargas, em Porto Alegre, no dia 16 de dezembro. Três dias depois, uma cirurgia estancava o sofrimento da família.

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