Ronaldinho acusou o golpe. Depois de deixar o Olímpico há 10 anos rumo ao PSG e preferir as praias cariocas e o Flamengo, finalmente o camisa 10 externou alguma ponta lamuriosa, uma nesga de desconforto com o torcedor do Grêmio, este, sim, que o abomina e o acusa de traidor. Foi logo após o encerramento de um dos maiores jogos do ano. Neste domingo ensolarado, o Grêmio passou por cima do Flamengo com históricos 4 a 2.

— Para quem tá acostumado com a torcida do Flamengo, isso não é muito barulho, não — disparou, rodeado de microfones e soterrado por apupos, enquanto rumava ao vestiário derrotado do visitante.

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Era o que o torcedor do Grêmio precisava para ir para a casa realizado. A vingança estava completa. Vitória e o algoz completamente entregue. Mas esse foi apenas o capítulo final de uma tarde que cauterizou feridas de uma década. Um acerto de contas que vale ser dividido em 10 momentos.

O início da tarde prometia um jogo com cara de decisão, mas de ambiente tranquilo. Por volta das 12h, o pátio do Olímpico já estava tomado por um mar azul. E, claro, manifestações contra Ronaldinho. Mesmo com a medida da Brigada Militar, de proibir objetos alusivos ao jogador dentro do campo, o torcedor exercitou a criatividade. Havia faixa contra Assis, cantos personalizados de protesto e até cartazes com piadas, como esta: "Não joguem moedas, senão ele junta". Na foto, uma paródia da "Santa Ceia", com R10 de Judas.

Depois de um desembarque tranquilo na tarde de sábado no Aeroporto Salgado Filho, Ronaldinho sentiu os primeiros apupos da indignada torcida do Grêmio na chegada ao Olímpico, por volta das 15h deste domingo, para o jogo das 16h. Tudo que estivesse à mão dos cerca de 2 mil gremistas era jogado contra o ônibus carioca. Latas de cerveja, cédulas falsas e, sobretudo, moedas - uma verdadeira chuva delas. Um efetivo contundente de policiais tentou conter os ânimos.

Às 15h55min, Ronaldinho voltou a pisar no gramado do Olímpico 10 anos depois de sua tumultuada despedida rumo ao PSG, da França. A prometida vaia saiu da boca dos 40 mil torcedores com um rancor do tamanho do estádio. Não aos gritos, mas aos urros, os gremistas cuspiram "pilantra, pilantra", por pelo menos dois longos minutos. Mal dava para ouvir a execução do Hino Nacional. A vingança começava a tomar forma.

Mas Ronaldinho não estava nem aí para as vaias. Pelo menos no primeiro tempo, jogou solto, tranquilo, atormentou Saimon, que quase foi expulso. Deu de calcanhar, deixou companheiros na cara do gol e quase marcou. Acertou uma bola no poste, após milimétrica cobrança de falta. Como se não fosse humano, não se apavorou com os apupos que se revezavam. Ora, a torcida emendava vaias. Depois, arriscava alguns "pilantra, pilantra".

Derrotado e jogando mal, o Grêmio deixou o gramado no intervalo curvado a Ronaldinho e ao Flamengo. Já cansados de ver a história se repetir (sucessivas peças pregadas pelo jogador), a torcida se enfureceu. A vaia após o primeiro tempo saiu ainda mais nervosa, mais raivosa. Ronaldinho optou pelo silêncio:

— Só falo no final.

Ao gremista, um alento: o gol de André Lima, que diminuía o prejuízo para 2 a 1.

Começou no conforto do vestiário a incrível virada gremista. Ali, sem a ansiedade de uma torcida preocupada, Roth trocou o esquema. Sacou o preferencial 4-2-3-1, até então eficiente, mas que permitia espaços ao habilidosos flamenguistas, e trouxe à tona o 4-4-2. Assim, Douglas e Marquinhos começaram a tramar mais aproximados e o time cresceu. André Lima empatou com belo gol, logo aos cinco minutos. Começava o inferno de Ronaldinho.

Focada no tão esperado gol da virada, a torcida esqueceu Ronaldinho. Passou a empurrar o time que, cada vez mais, se avolumava no ataque. Foi voltar a vaiar Ronaldinho somente aos 25 minutos. Ou seria efeito inverso? O camisa 10 só foi vaiado naquele momento porque só ali voltara a participar do jogo? O fato é que o Flamengo e seu maestro sumiram. Melhor para o aplicado Grêmio de Celso Roth.

De formas diferentes, Douglas e Miralles (foto) também já tiveram seus "momentos Ronaldinho". O camisa 10 costuma ser vaiado vez que outra por errar muitos passes e parecer desligado em campo. Já o argentino angariou uma rusga com Roth, tornando-se desafeto do técnico. E a dupla brilhou. Douglas e Miralles marcaram dois golaços e selaram a virada redentora. Seria possível aquele momento ser ainda mais apoteótico?

Sim, poderia. Ronaldinho se despiu de seu costumeiro silêncio e reclamou acintosamente com o árbitro após o terceiro gol, o de Douglas. Tanto pediu que levou cartão amarelo. Soou como um novo gol, e de bicicleta, de tanto que o gesto foi comemorado pelas arquibancadas já em êxtase.

De repente, como que por força do acaso, Ronaldinho começou a jogar no nível do primeiro tempo. Buscou o jogo, arriscou um chute perigoso de dentro da área. Procurou cavar faltas. Cobrou uma muito perigosa, que passou sobre o gol e que, no fim, só serviu para a torcida azul ter mais um motivo para vaiá-lo. Tinha tudo para ser mais uma tarde da promessa renegada. Acabou sendo o domingo de uma torcida ferida. Agora, curada.


Próximos jogos
05/11 - 19h - Atlético-MG x Grêmio
13/11 - 17h - Grêmio x Palmeiras

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