Esportes | 11/08/2011 07h10min
Atualizada às 14h30min
Julinho Camargo abre a porta do salão de festas de seu prédio, em Porto Alegre, e recebe a equipe de reportagem de maneira solícita. Tranquilo, senta-se em uma das cadeiras de madeira localizadas no interior de um espaço amplo para churrascos e jantares, com vistas a uma piscina e outros edifícios que ficam entre os estádios Olímpico e Beira-Rio. Olha para o relógio e pergunta a hora que começa o jogo da Seleção (contra a Alemanha, às 15h45min de quarta). Neste horário, há alguns dias, estaria executando treinamentos. Uma semana após deixar o Estádio Olímpico, Julinho agora tem tempo para curtir a família. A esposa e os dois filhos — dentre eles, Júlia, nascida há um mês — recebem o carinho do marido e pai que conceitua o profissional do futebol como detentor de uma "vida de cigano".
— Quem trabalha com futebol tem vida de cigano. Sempre concentrado ou viajando para jogos... Vou aproveitar o momento para curtir os filhos, a esposa, a casa, cuidar um pouco da família. Em 10 ou 15 dias, devo começar a observar melhor o mercado — comenta, revelando que a pretensão é curtir novos ares, possivelmente fora de Porto Alegre. Talvez até mesmo longe do Brasil.
Julinho não esconde a pretensão de aprender com a escola europeia de treinadores. Por já ter trabalhado fora do país (Kuait), a Europa virou o alvo. Inglaterra, Espanha, Itália, Alemanha ou mesmo a Rússia estão nos planos. Sincero, evidencia que não esperava sair tão cedo do Grêmio.
— Foi uma situação que eu não esperava. Com essa saída, estou revendo meus passos. O tempo que tive foi muito curto para trabalhar. Seria curto para qualquer treinador. Ao mesmo tempo, entendo o processo e a atitude da direção. Saí sem ressentimento algum — diz. — Pelo contrário. Só tenho a agradecer às direções dos dois clubes, Grêmio e Inter, por terem me dado a oportunidade de trabalhar em um grande clube - complementa.
Nesta entrevista, Julinho fala sobre o seu futuro como treinador, os planos, a saída do Grêmio, a cultura do imediatismo em relação aos treinadores, no Brasil, categorias de base, a relação com Falcão e a diferença entre os vestiários da base e do profissional.
— Vestiários de juniores e de profissionais são diferentes. Técnico de time profissional administra diferenças, vaidades, imprensa, torcida, direção, não apenas um treino — relata.
clicEsportes — Uma semana após sair do Grêmio, quais são os planos?
Julinho Camargo — Em primeiro lugar, foi uma situação que eu não esperava. Estou revendo meus passos. Quem trabalha com futebol tem vida de cigano, nunca consegue parar em casa, está sempre concentrando ou viajando para jogos. Apenas este ano, fiz três clubes: Novo Hamburgo, Inter e Grêmio. Agora, quero poder cuidar um pouco da família. É um momento de observar o mercado também. O mercado brasileiro tem mudanças constantes. Mas vou ficar mais atento a isso apenas depois de 10, 15 dias. Preciso pensar para frente e é nesse sentido que vou trabalhar. Quero viajar à Europa para conhecer de perto o mercado de lá. Acho que vou utilizar esse tempo para visitar dois a três clubes para ver como estão trabalhando.
clicEsportes — A saída do Grêmio foi inesperada então?
Julinho — Eu não esperava sair de uma forma tão rápida porque entendo que o tempo que tive no Grêmio foi muito curto. Seria para qualquer treinador. Mas, ao mesmo tempo, entendo o processo e a atitude da direção, e não tenho nenhum ressentimento. Pelo contrário, sou grato à direção por ter me dado a oportunidade assim como à direção do Inter, que me deixou ir para o Grêmio. Não tenho nenhuma queixa. Penso em ir para frente. Tudo na vida é um aprendizado, mas realmente acho que o tempo foi curto.
clicEsportes — Quanto tempo um treinador precisa para mostrar a cara do seu trabalho?
Julinho — Dois... Três meses.
clicEsportes — Quando você saiu, tinha apenas um mês no comando técnico do Grêmio.
Julinho — Para mim, o jogo contra o Atlético-MG mostrou muito claramente as principais dificuldades em termos táticos. Queria tornar o Grêmio seguro, mas com contundência ofensiva também. Buscava isso, mas não consegui achar esse ponto em um mês. Naquele jogo, fiz um desenho tático no primeiro tempo no qual a equipe foi segura, mas não teve aspecto ofensivo forte. Foi segura, mas o que adiantou se não criava situações? No segundo tempo, coloquei a equipe mais aberta, com o Leandro, fizemos o gol, tomamos o empate em seguida, aí fizemos o segundo. O aspecto ofensivo estava bom, mas defensivamente estávamos um pouco abertos. É o "lençol curto": se não faz gol e abre o time, pode tomar. Neste caso, o lençol ficou curto demais.
clicEsportes — Quando você recebeu a proposta do Grêmio, em algum momento você parou para pensar ou instantaneamente falou para você mesmo "é isso"?
Julinho — Pensei. Foi uma situação rápida e diferente. Tive uma tarde e uma noite para decidir. Todas as vezes em que saí da Dupla Gre-Nal, sempre fui para outro clube, não de um para outro. Era um convite que eu não poderia deixar de aceitar, mesmo sabendo das dificuldades que teria em substituir o maior ídolo do clube. Sabia disso desde o início. Era um desafio e nunca tive medo de desafios. Faria tudo de novo. Não pensaria duas vezes.
clicEsportes — Você não se arrepende de ter ido para o Grêmio em virtude de talvez depois ter assumido o comando do Inter?
Julinho — Não, até porque meu pensamento no Inter nunca fui ser técnico, mas sim um braço forte do Falcão. Estava muito contente com o trabalho do Falcão. Ele é um cara que gosto muito. Quando decidi aceitar o desafio, vejo como situação normal da carreira de um treinador. Aceitei desafio como aceitaria hoje de novo. Frustração foi ter ficado pouco tempo. Acho que uma coisa que levo para a minha vida: absorver coisas boas e todos os passos. Pegar coisas boas para poder crescer de forma positiva e não se agarrar nas negativas. Quando assumi como auxiliar do Falcão, a intenção era ser um braço direito dele, e não pensar em um cargo que pudesse surgir, até pelo comprometimento e à fidelidade ao Falcão naquele momento. Gostava muito de trabalhar com ele.
clicEsportes — Você se dá bem com o Falcão?
Julinho — Sim. Muito bem. Ele e o Carpegiani são duas referências pra mim. Tenho maior carinho pelos dois.
clicEsportes — Nos bastidores, comentavam que os trabalhos táticos eras comandados apenas por você.
Julinho — Percebi esse papo no ar, mas garanto que sempre foi o Falcão. Ele tem uma coisa que eu admiro muito e poucos treinadores têm: para exercer sua liderança, ele não precisa abafar os bons braços. Ele fortalece os bons braços. Concordo e pratico isso com o meu auxiliar. Muitas vezes, quem executa o treino é o auxiliar. É preciso ter bom auxiliar. Não quero amigo de bar trabalhando do meu lado, eu quero um bom profissional. Conheci o Falcão quando cheguei ao Beira-Rio. Antes, só tinha falado com ele em entrevista no programa que ele tinha na Rádio Gaúcha.
clicEsportes — Falta qualidade à Dupla Gre-Nal ou Inter e Grêmio têm bons times para brigar por títulos nacionais e internacionais?
Julinho — Acho que os dois têm bons elencos. Em ambos, encontrei excelentes profissionais nos elencos de apoio, comissões técnicas, e acho que eles têm condições de realizar bom trabalho no Brasileiro. Claro que todo grande clube tem que estar aberto a grandes jogadores. Com a Dupla não é diferente.
clicEsportes — Qual dos dois é melhor?
Julinho — Os dois se equilibram.
clicEsportes — O que é mais importante no trabalho com garotos da base?
Julinho — A primeira coisa é saber identificar em que fase de lapidação tática o garoto se encontra. O jogador sofre processo natural de evolução tanto técnica quanto taticamente. Este é o último momento antes de ele entrar para a profissão que vai executar. São vestiários diferentes, realidades diferentes. É importante passar isso a eles de forma natural. Fazê-los entender o futebol como profissão, com pensamento profissional. No passo seguinte, ele vai estar mais seguro.
clicEsportes — Nos profissionais, há muita vaidade e intriga entre jogadores?
Julinho — Tem. No Grêmio e no Inter, ambos são bons e têm norte. Já peguei piores. E isso facilita para quem está no comando. Nunca fechei um treino. Se o treinador fecha, é bronca. Todo mundo questiona. Costumo dizer que no futebol profissional é preciso treinar o time, a imprensa, a torcida, o clube, a direção, são muitas variáveis que acabam influenciando. O trabalho pode estar bom, mas se a situação com a imprensa e a torcida não estão boas, você não se sustenta. Esta é a verdade do futebol e ela está aí para ser dita.
clicEsportes — Você admite voltar para um dos times Dupla algum dia?
Julinho — Acho que sim. Eles foram a minha base durante 15 anos. Passei por quase todas as categorias. Agora, sigo minha vida para quem sabe daqui alguns anos pisar em um dos dois estádios.
Confira o vídeo:
Julinho: tempo para a família e observação do mercado para seguir na profissão de técnico
Foto:
Claudia Cantagalo
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