Notícias

Esportes  | 05/04/2011 14h12min

Leo deixa o Cruzeiro e a carona dos colegas para realizar sonho de jogar na Europa

Destaque do Gauchão ruma a Portugal para assinar contrato

Lucas Rizzatti  |  lucas.rizzatti@zerohora.com.br

Até janeiro, Leo, 23 anos, era um cara comum. Sempre às 7h, já estava num lotação rumo à rodoviária. De lá, pegava uma carona com o colega Pedro até Cachoeirinha para os treinos. Depois de se destacar contra a dupla Gre-Nal, essa rotina de quase três anos ganhou contornos especiais. O mesmo trajeto, o mesmo transporte - mas recheados com o assédio de anônimos, que puxam conversa, pedem uma foto com o melhor zagueiro do Gauchão. Leo vai sentir saudades do carinho do fã, da solidariedade dos colegas de Cruzeiro. Desde sexta-feira, sabe que, por cerca de 1 milhão de euros, o seu destino é o futebol português. Lá, vai ser mais difícil conseguir carona.

— Agora, vou comprar um carro — planejou, antes de embarcar na tarde desta terça-feira rumo a Portugal.

Uma meta até pouco ambiciosa para quem alimenta, desde os seis anos, o sonho de vencer nos campos de futebol. Permeada de obstáculos, a trajetória de Leo, antes de tudo, uma história sobre superação. E sobre a importância de uma família sempre alerta.

Em vídeo, Leo fala sobre um bate-papo com Tinga:

 

Diferente dos meninos de sua idade, não foi Leo quem procurou o futebol em campinhos de chão batido. Foi o futebol que se apresentou a ele. Vera, sua mãe, morreu quando o guri tinha seis anos. Uma psicóloga recomendou a avó: seu neto precisa fazer uma atividade esportiva para ajudar a superar o momento difícil. Dona Neoli o encaminhou ao futsal, em Porto Alegre mesmo. Ali, em quadras apertadas e lidando com uma bola bem menor que a de campo, Leo, um garoto desde sempre muito alto, aprendeu os fundamentos do futebol, ganhou habilidade e se apaixonou pelo esporte.

— Até hoje, se deixar, ele fica batendo bola dentro de casa — confidencia Neoli, orgulhosa, na sala de um modesto apartamento na zona norte da Capital.

Dedicada, Noeli acompanhava o neto em todos os treinos. Assim foi quando se transferiram para Pelotas. A cidade muda, o futebol vai junto. Noeli só ficou um ano longe de Leo quando empresários do Vasco o levaram para São Januário, aos 13 anos. Na volta, passou dois anos no Inter. Para a tristeza da avó, uma colorada fanática, não logrou sucesso no Beira-Rio. Seria logo depois, num clube que nem existe mais, que a vida de Leo mudaria para sempre. Hoje, o próprio ri de sua sorte.

— Faço mais gol agora do que quando jogava no ataque.

Sim, até 2005 Leo era centroavante — e de poucos gols, confessa. No RS Futebol, de Alvorada, foi orientado pelo então proprietário Paulo Cesar Carpeggiani e pelo técnico Galego a trocar de posição, virar zagueiro. Desanimado, pela primeira vez pensou em desistir do futebol. Zagueiro não era uma posição valorizada, pensava ele, enquanto tentava se adaptar à nova realidade. E achou-se tão bem que, num pulo, alcançou a seleção gaúcha sub-17, dividindo vestiário com Anderson, ex-Grêmio, hoje no Manchester United.

Por falar em Grêmio, Leo (para "desgosto" da avó encarnada) passou dois meses na Azenha. Não emplacou. Voou a Campinas, defendeu a Ponte Preta. Próxima parada: São José, no Passo D'Areia. Tantos clubes, tantos percalços, tantos "nãos"... e nem 20 anos na cara. Mas Leo não havia entrado no futebol para perder. De um tratamento alternativo na infância, o esporte se transformara em meio de ganhar a vida.

— Nunca pensei em desistir, estou sempre na batalha.

E a guerra começou a ser vencida no Cruzeiro, de Porto Alegre. Chegou em 2008, para a base. Antes de ajudar o time a voltar à elite do Estado em 2010, Leo foi emprestado para o Taubaté. Em 2011, já na estréia no Gauchão diante do Inter, vitória com um golaço do zagueiro. Foi acabar o jogo para receber uma mensagem, via celular: "Foi a primeira vez que torci contra o meu time". Claro, só podia ser uma das mulheres de sua vida, a avó Noeli, a colorada fanática que, antes de tudo, é Leo Futebol Clube.

— Ela é o meu porto seguro — conta o gigante de 1m96cm.


Jogador se destacou logo na 1ª rodada
Foto: Fernando Gomes

Mas todos esses elogios têm um preço: Leo exige a presença de Noeli em todas as partidas do Cruzeiro. Ela chegou ao "sacrifício" de ir ao Olímpico uma vez. Mas foi premiada: viu Léo fazer um belo gol de cabeça na derrota do Cruzeiro por 4 a 2. Leo é o primeiro neto de Noeli, tem seus mimos e confessa ser apegado demais não só a ela, mas a todos os familiares. A casa é o seu refúgio, rodeado por um bom churrasco. Um passeio pela Redenção ou pelo Gasômetro, no máximo. O zagueiro que quer dominar Lisboa é um cara sossegado, caseiro.

Coube a tia Jussara a bronca de arrumar a mala de Leo, que viajou para Portugal na tarde de terça. "Pelo jeito, vou ter que correr", brincava a tia na segunda, enquanto o sobrinho se justificava: estava na correria em busca de documentos, renovação de passaporte e outras burocracias. No sábado, despediu-se dos colegas do Cruzeiro (talvez nem volte para a fase final do Gauchão).

Além de Noeli e Jussara, o zagueiro deixa em Porto Alegre mais uma mulher, a mais nova torcedora fanática do Leo Futebol Clube: Valentina, sua filha. Com três anos, ela já acompanha de perto a carreira do pai. Para a pequena, todo o gol do Cruzeiro é gol de Leo.

— Tudo é papai — se derrete o zagueiro.

Mas Leo não vai tentar a sorte em terras alheias tão sozinho. Na mala preparada pela tia Jussara, um item foi separado com carinho. Entre pesados casacos contra o frio, uma camiseta do Cruzeiro - a 3, é claro, que o ajudou a vencer na vida, depois de tantas tentativas. Seria ela um presente aos portugueses?

— Não — se esquiva. — Essa eu vou levar sempre comigo.

Passaporte na mão, amuleto na mala e o carinho da família. Leo deixa o país bem preparado. Sabe até que mudará de nome. Como há muitos "Leos" em Portugal, ele vai adotar o apelido de sua época de atacante: Leo Kanu, em alusão ao avante nigeriano. Para completar a nova fase, só falta mesmo o tão sonhado carro. A vida de caronas acabou.

CLICESPORTES
 
SHOPPING
  • Sem registros
Compare ofertas de produtos na Internet

Grupo RBS  Dúvidas Frequentes | Fale Conosco | Anuncie | Trabalhe no Grupo RBS - © 2024 clicRBS.com.br • Todos os direitos reservados.