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 | 08/01/2011 17h09min

Um Haiti devastado mira o futuro

Há quase um ano, um terremoto devastou o Haiti, o país mais pobre das Américas. A tragédia deixou cerca de 250 mil mortos, além de milhares de desabrigados – grande parte deles ainda hoje vivendo em acampamentos improvisados. Agora, a nação caribenha tenta desenhar o seu futuro.

17h30min do dia 12 de janeiro de 2010. No terceiro andar do Centro Interinstituto de Formação Religiosa, em Porto Príncipe, o diretor da faculdade de Teologia pede à plateia de cerca de cem pessoas que encaminhe as últimas perguntas para a palestrante. Mas o público queria mais. Sedentas pelas palavras da doutora Zilda Arns, algumas pessoas cercam a médica brasileira após a explanação. O seminarista haitiano Honoré Eugur, 38 anos, era um deles.

– Como montar uma obra como a Pastoral da Criança com poucos recursos? – perguntou ele.

Zilda lembrava de Honoré, de uma conversa na noite anterior. O seminarista tinha sido o encarregado de fazer a oração do jantar. Naquela tarde, parecia que a coordenadora internacional da Pastoral da Criança queria falar-lhe com mais tempo:

– Honoré, preciso do seu endereço.

Enquanto a assessora de Zilda pegava um papel para o haitiano anotar seu endereço, ouviu-se um grito.

– O que é isso, é terremoto mesmo? – disse um padre.

Eram 17h55min. Honoré pulou para o lado certo. Zilda e muitas outras pessoas foram para o lado errado. O haitiano deitou-se no chão na parte do piso que permaneceu inteiro. Zilda, amigos e colegas foram para a porção sugada pela terra.

Em 33 segundos de tremor, o país mais pobre das Américas foi lançado no caos: pânico nas ruas, corpos pelo chão, um horror que por semanas dominaria o noticiário internacional.

Um ano depois, Honoré mora na Vila Santa Isabel, em Viamão. Estuda para ser padre na Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Estef), ao lado da Igreja Santo Antônio, em Porto Alegre. O haitiano desembarcou no Estado em 17 de fevereiro, trazendo na lembrança a última conversa com Zilda e, na mala, parte do legado da missionária. Eram 45 fotografias, que foram devolvidas à família da missionária, em Curitiba, e um caderno de capa amarela pertencente a uma assessora. À época, o conteúdo dos documentos foi revelado com exclusividade por Zero Hora, com autorização dos parentes.

Um ano depois, Honoré pergunta-se ainda por que, naquela tarde fatídica, Zilda queria o seu endereço.

– Ela disse que precisava de um coordenador da Pastoral da Criança no Haiti – especula.

Muitas coisas foram ditas sobre as razões de tamanha desgraça abater-se sobre uma população já massacrada por sucessivas tragédias, dos homens e da natureza. A que mais me espantou, ouvi naqueles dias de um dominicano, quando eu estava a caminho da fronteira do Haiti, como enviado do Grupo RBS: “É um castigo de Deus”. Tirando-se a tradicional rivalidade entre República Dominicana e Haiti, os dois países que dividem a Ilha de Hispaniola, estava por trás dessa afirmação a ignorância e a suposição de que a Justiça divina havia se voltado contra os haitianos por causa da prática do vodu. Com a mente elevada aos céus e os dois pés cravados na realidade, o seminarista Honoré dá sua opinião.

– Não é castigo de Deus. Temos uma questão social, a nossa parte que deveríamos fazer e que não fazemos.

RODRIGO LOPES
 
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