Notícias

 | 20/12/2010 13h10min

Murilo relembra o "Jogo da Vergonha" no Mundial na Itália: "O Brasil deu vexame"

Atleta critica o tratamento do país com a seleção no torneio

Tomás Hammes  |  tomas.rodrigues@rbsonline.com.br

Que a seleção de Bernardinho é a equipe mais vitoriosa entre todos os esportes ninguém questiona. Mas como é a relação do grupo acostumado aos títulos?

Murilo conseguiu escrever seu nome e colocar Giba, jogador mais famoso do mundo e melhor jogador do planeta, até então, no banco de reservas. Além de capitão do time. Mas engana-se quem pensa que o trabalho do companheiro está menor.

- O Giba tem liderança, além do nosso respeito por tudo que já fez e pela pessoa que é. E tem ainda muito para nos ensinar, é uma peça fundamental no nosso grupo.

O camisa 7, aliás, é o grande ídolo de Murilo. Atuam na mesma posição, como ponta. O ex-melhor do mundo e jogador mais famoso do grupo é um dos grandes amigos do gaúcho, apesar de ser reserva na equipe de Bernardinho.

- A gente tem certeza de que quem estiver melhor irá jogar. Sempre me espelhei nele. Cresci vendo o Giba jogar. Aliás, temos uma relação muito boa.

Murilo comenta sobre a semelhança na carreira de ambos e confidencia que Giba previu que ele seria escolhido o melhor jogador da Liga e do Mundial. Assim como havia ocorrido com Giba em 2006.

- Fui eleito o melhor jogador da Liga Mundial e ele me abraçou dizendo que eu merecia. E foi além: afirmou ter certeza de que eu também seria escolhido como o melhor do Mundial.

Se ele é o melhor do mundo e Giba, a liderança, o que sobra para Bernardinho? Como é o treinador que fez os brasileiros saberem que o vôlei também pode trazer alegrias - algumas vezes até mais - do que o futebol, principal esporte do país? Para Murilo, o que é visto nas partidas pela televisão é a mais perfeita tradução do trabalho do comandante da seleção. E esse é o fator que o faz tão diferente dos outros.

- Chato (ri). Exigente, perfeccionista, meio maluco até. Ele não descansa em momento algum. Quer sempre o máximo da gente: seja em um treino de ataque e defesa, de ataque ou coletivo. É sempre a mesma exigência. Ele é um vitorioso, alguém que sempre busca o melhor. Perfeccionista é a melhor definição para o Bernardo.

Desde 2007, o Brasil convive com uma polêmica: Ricardinho. Às vésperas do Pan-Americano do Rio de Janeiro, o levantador, que acabara de ser eleito o melhor jogador da Liga Mundial, foi cortado e não faz mais parte da equipe multicampeã. O gênio do jogador foi sempre questionado como um fator que traria instabilidade às equipes. Murilo diz que nunca teve problemas com o atleta que está de volta ao Brasil, depois de seis anos defendendo o Vôlei Futuro.

- A gente já jogou contra, mas nunca tive problemas. Quando convivi com ele na seleção, era um moleque, mal estava chegando. Não tinha tanta amizade com ele como com o Gustavo, Giba e Marcelinho. Joguei com ele em Módena dois anos, quando tivemos relação normal, tranquila.

Ricardinho falou à Revista ESPN, pouco antes da convocação que, se fosse para ficar na reserva, preferia assistir ao campeonato do sofá. Murilo evita a polêmica com o ex-companheiro, mas desaprova a ideia do levantador. Para ele, cabe a Bernardinho decidir o time que julgar o melhor e colocá-lo em quadra.

- Eu li alguma coisa sobre isso. Não tenho que pensar nada, é a opinião dele. Se é o que ele acha, acabou mesmo assistindo em casa do sofá. Mas espero que o caso não se torne uma polêmica. Mas não cabe nem ao Ricardinho nem ninguém na seleção que pense deste jeito. Se, ano passado, eu chegasse para o Bernardinho, “sou o melhor do mundo e não sei o quê. Eu sou titular ou não quero.” Ele iria dizer: “você pode ir para casa”. Não é por ser o Ricardo, o Murilo, o Giba ou o Bruninho. Ninguém com este pensamento tem lugar dentro na seleção.

Além deste assunto controverso, o Mundial foi cheio de “problemas extra-quadra”. Até então, apenas a Itália era tricampeã consecutiva do torneio. E jogava em casa. O Brasil já tinha mais títulos que a Azzurra na Liga (nove a oito). A delegação criticou a conduta dos anfitriões durante toda a competição. Segundo ele, a possibilidade de perder a hegemonia também no Mundial gerou um “ciúme” do país europeu diante do time canarinho.

Como forma de dificultar mais um título brasileiro, os italianos não facilitariam em nada. Murilo lembra o episódio do levantador que a seleção pediu emprestado à equipe de Verona para completar os treinamentos - Marlon, o reserva, estava com uma colite ulcerativa, doença inflamatória intestinal crônica.

- A gente já imaginava um pouco isso. Houve declarações deles afirmando que não atrapalhariam, mas que, em maneira alguma, ajudariam o Brasil. O Marlon estava sem condições de treino. Pedimos para o Verona um levantador para treinar. O técnico, que tinha sido meu treinador em Módena, até tinha se disposto a emprestar. Mas foi apenas um treino e, no dia seguinte, jornais publicavam notícias de que a Federação Internacional planejava multá-lo, chamando-o de traidor.

As “coisas absurdas, fora do normal em um Campeonato Mundial”, de acordo com o camisa 8, não terminaram por aí. Murilo relata sobre a troca que precisaram fazer para poder malhar. Mas nem essas dificuldades foram capazes de tirar o título do Brasil.

- A gente havia reservado uma academia em Roma. Porém, eles ligaram dizendo que não daria mais, pois o time da Itália iria treinar e não havia espaço para nós, e tivemos de correr atrás de outra. Na alimentação, nem digo só da nossa, mas das outras seleções também, houve problemas. Mas já fomos preparados para isso. Acabamos passando por cima de tudo.

Mas os problemas não terminaram e ainda reservavam mais um capítulo. O dia 2 de outubro de 2010 ficou conhecido como a data do “Jogo da vergonha”. O Brasil enfrentaria a Bulgária pela última rodada da segunda da fase do Mundial, em Ancona. Com uma fórmula controversa, o time que perdesse a partida teria um caminho melhor para o restante da competição. A seleção brasileira já vinha advertindo para um jogo que não valia nada e para o desinteresse em vencer de ambos os lados.

Sem poder contar com Marlon, Bernardinho resolveu poupar Bruninho, o titular, que ficou agasalhado no banco de reservas, com gripe. No lugar do levantador, foi escalado o oposto Théo. A Bulgária, por sua vez, estava toda descaracterizada. Os titulares Zhekov - levantador - e Salparov - líbero - não foram sequer relacionados para o confronto. O principal atacante do time, Kaziyski, não entrou na partida. A torcida vaiava a e gritava “palhaçada”. Demonstrando muita irritação com a suposta “marmelada” brasileira. O público ainda ficou de costas e atirou objetos na quadra ao término da partida. Resultado: Bulgária 3 a 0 (25/18, 25/20 e 25/20). Os europeus, não gostando da atitude do Brasil, se recusaram a cumprimentar o técnico Bernardinho.

Murilo demonstra incômodo ao relembrar o tema. Admite o fiasco pela atuação, mas critica a organização do torneio por deixar a situação chegar a esse clímax. E aponta a impossibilidade de ter um levantador como a principal causa para o revés contra os búlgaros.

- Até já tinha esquecido um pouco isso, mas vergonha mesmo foi o que os italianos falaram. A torcida, lógico, não gostou porque queria ver um Brasil e Bulgária nas melhores das condições. A gente decidiu poupar o Bruno, que não estava se sentindo bem. Todo mundo acompanhou o problema do Marlon. Acabamos ficando sem levantador. O Théo (oposto) era o único jogador entre os outros 11 que já tinha treinado como levantador. Lógico que estamos falando de oito, 10 anos atrás. Com certeza, o Brasil deu vexame, não negamos isso para ninguém. Mas não tínhamos condições de lutar e/ou vencer sem um levantador. Para mim, é um caso encerrado. Não foi só o nosso jogo o “Jogo da vergonha”, o nosso só ficou mais em evidência. Houve outras partidas que não foram jogadas nos 100% para vencer e não foram faladas tanto quanto o nosso caso.

Após a crise, o Brasil voltou a demonstrar sua melhor condição e conquistou o título. Na final, pegou Cuba, do jovem Leon, a quem Murilo considera um “fenômeno”. Aproveitando da inexperiência do time da ilha caribenha dos irmãos Castro, os brasileiros deram o troco da derrota por 3 a 2 na terceira partida da competição e fizeram um inquestionável 3 a 0 (25/22, 25/14 e 25/22).

- Uma final pesa muito. Ainda mais contra o Brasil. Comentamos que Cuba comemorou muito quando passou pela Sérvia nas semifinais. Não sei se acabaram relaxando ou se o 3 a 2 que eles venceram da gente se repetiria... Nós estávamos crescendo na competição. E, na final, estávamos voando.

Murilo rompeu os ligamentos do tornozelo ao cair em cima do pé de Leon. No calor da partida, não quis sair. O ponteiro explica que mudou seu estilo de jogo para poder permanecer no jogo. Mas ressalta que, se a partida prosseguisse, dificilmente conseguiria ajudar o time.

- Eu não pensei em sair em momento algum. Senti que o tornozelo inchou, já não conseguia firmar o pé e não sacava viagem. Falei para o Bruno me poupar nas bolas de fundo e o bloqueio também. Estava mais ali pelo passe e pelo volume de jogo. O terceiro set eu aguentei. Caso tivesse um quarto set, acho que não daria.

E foi o suficiente. O Brasil venceu em três sets e levantou mais um caneco. Segue sendo a equipe a ser batida no vôlei - o conjunto mais forte em todos os esportes coletivos. Murilo, como Giba profetizou, foi eleito o melhor jogador. Apesar disso, segue com os pés no chão. Ainda acredita que tem algo a melhorar. E assim segue o jovem de Passo Fundo. Aliando humildade, liderança, raça e muito talento a serviço do Brasil. E que continue por muito tempo.

CLICESPORTES
 
SHOPPING
  • Sem registros
Compare ofertas de produtos na Internet

Grupo RBS  Dúvidas Frequentes | Fale Conosco | Anuncie | Trabalhe no Grupo RBS - © 2024 clicRBS.com.br • Todos os direitos reservados.