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 | 20/12/2010 08h10min

Murilo, do sonho de ser caminhoneiro ao título de melhor do mundo no vôlei

Ponta da seleção brasileira comenta a indicação ao Prêmio Brasil Olímpico: "Coroaria um ano praticamente perfeito"

Tomás Hammes  |  tomas.rodrigues@rbsonline.com.br

Na infância, enquanto ajudava o pai em uma loja de materiais de construção de Passo Fundo, Murilo queria ser caminhoneiro e passar horas na boleia de um caminhão, cruzando o Brasil. O tempo passou e o gaúcho tomou outro rumo profissional, cujo ápice foi alcançado neste ano, ao ser eleito o jogador de vôlei número 1 do planeta, aos 29 anos – tanto na Liga quanto no Campeonato Mundial, ambos vencidos pelo Brasil. Hoje à noite, Murilo espera coroar um 2010 "quase perfeito" com o Prêmio Brasil Olímpico.

Nesta segunda-feira, ao lado de Cesar Cielo (natação) e Leandro Guilheiro (judô), Murilo disputará o Prêmio Brasil Olímpico de melhor atleta do ano. O evento, que está em sua 12ª edição, é promovido pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e considerado o Oscar do esporte do país. O ponteiro comenta sobre a expectativa que o ronda às vésperas da solenidade marcada para o Teatro do MAM, no Rio de Janeiro.

– É tudo novidade. Minha vida tem mudado um pouco e a indicação é uma delas, pois eu nunca imaginei que poderia recebê-la. Estou vivendo a expectativa, um pouco nervoso. Quero ganhar, lógico. Mas não é uma disputa contra ninguém. Seria muito legal ter o reconhecimento do trabalho. Seria mais que 100%. Coroaria um ano praticamente perfeito.

Por quase perfeito, entenda-se o auge da carreira, confirmado pelas escolhas de melhor jogador de vôlei. Definidas pelo camisa 8 como consequência do sério trabalho dos últimos anos:

- É difícil falar. Claro que minha eleição no campeonato é reflexo das minhas atuações, mas, também, pode ser creditada a todo sacrifício que fiz. Estou muito feliz com o título, mas não quero me iludir.

Murilo rechaça qualquer tipo de acomodação. Não existe a mínima possibilidade de diminuir o ritmo do trabalho. Ao contrário, acredita que ainda precisa se aprimorar, mesmo sendo o melhor jogador do mundo.

- Quando a gente acha que não tem que melhorar e treinar... Eu tenho consciência de que preciso crescer bastante. Não é o título de melhor do mundo que irá me fazer acomodar.

As distinções recebidas agora mostram uma relação antiga com o vôlei. Murilo, desde pequeno, disputava partidas com os parentes:

- Eu comecei na escola Menino Jesus, de Primeiro Grau - atual Ensino Fundamental -, brincando. Depois, fui jogando torneios municipais e estaduais pela equipe de Passo Fundo.

De família classe média, o menino gostava de ajudar o pai, Arnildo, no negócio. E seus sonhos passavam longe da quadra, estavam mais perto, aliás das estradas brasileiras. A ideia do gaúcho era rodar o Brasil de Norte a Sul no comando de um caminhão:

- A gente não tinha nada para fazer e ele nos levava para trabalhar. Nós adorávamos, ficávamos em cima do caminhão descarregando areia, tijolo. Era uma diversão.

Mas a veia esportiva familiar falou mais alto. Em 1998, foi convocado para a seleção gaúcha infanto. No time da cidade, porém, já integrava o time adulto. Naquela época, Gustavo já morava em São Paulo. Atuando pelo Banespa, o mais velho da família Endres defendia a seleção brasileira:

- Foi aí que o negócio começou a ficar mais sério, isso começou a me atrair. Depois que o vôlei entrou em minha vida, não pensei em mais nada. Coloquei como objetivo viver esta aventura. Viver do vôlei.

Um ano depois, começava a seguir os passos do irmão. Também contratado pelo Banespa, deu início à trajetória nas quadras - seleção juvenil, equipe profissional. Mas, antes, precisou cumprir uma exigência da mãe, Janeamar: terminar o colégio para deixar Passo Fundo.

- Ela não abria mão que, antes, eu terminasse o colégio. Até tive propostas para sair, mas minha mãe não aprovou. Só depois de acabar o curso, viajei para São Paulo.

O “espelho” do atleta sempre esteve muito próximo. A coragem do irmão Gustavo em tentar a vida na cidade grande e vencer no esporte foi algo que o incentivou a tentar perseguir o sonho:

- O Gustavo foi meu exemplo. Foi fundamental ele ter desbravado toda essa história. Se por acaso ele não tivesse vindo para São Paulo, não sei se eu teria tido a mesma oportunidade.

Em 2003, veio a primeira convocação para a seleção adulta. Desde então, as medalhas se avolumaram. Conquistou uma medalha de prata nas Olimpíadas de Pequim (2008), de ouro no Pan-Americano do Rio de Janeiro (2007), dois Campeonatos Mundiais (2006-2010), uma Copa do Mundo (2007) e três Ligas Mundiais (2007, 2009 e 2010).

Assim como no futebol, muitos atletas de vôlei também acabam optando por jogar no exterior. Murilo passou quatro temporadas na Itália, defendendo o Modena e o Vibo Valentia. O salário pago na Europa, com a valorização do Euro, era muito maior do que o recebido no Brasil. Além disso, jogaria contra os principais atletas do mundo e em torneios bem mais estruturados e organizados do que os daqui.

- Saí do Brasil em busca de algo diferente. A Itália tinha o status de melhor campeonato de clubes. Para crescer técnica e fisicamente, além de aprender uma nova cultura, vale a pena você ir para Itália, Rússia, Polônia, Grécia, Turquia...

Mas, no ano passado, resolveu voltar. A proposta recebida para atuar no Brasil era muito semelhante à feita para permanecer na Itália. Além disso, poder estar perto dos familiares e ter lazer nos dias de folga pesaram na decisão.

Casado há 10 anos com a ponteira da seleção feminina, Jaqueline, revela que a vida fora de quadra não tem uma agenda muito extensa - até pela sequência de jogos dos dois. Gostam de passear, ir ao shopping, cinema e pegar uma praia nos raros dias de folga.

- A gente não faz muita coisa. Somos muito pacatos. Em um domingo de folga, vamos ao Guarujá. Em casa, assistimos filmes e jogamos videogames. Eu, principalmente.

Embora esteja longe do Rio Grande do Sul, tenta preservar algumas tradições. Gosta de arriscar no churrasco, mas chimarrão só toma quando está com os pais “nos quatro dias” que os visita em Passo Fundo ou quando eles viajam até São Paulo. O Inter também tem lugar cativo para o atleta:

- Sou colorado. E isso nunca irá mudar - enche a boca.

O sonho de voltar ao interior também não sai de sua mente. Quer voltar à tranquilidade, mas isso, por enquanto, não significa que a aposentadoria já esteja em pauta. Uma das ideias poderia ser atuar em alguma cidade gaúcha:

- Nunca joguei a Superliga no Sul, nem nunca mais voltei para cá. Seria muito legal jogar em Passo Fundo, Porto Alegre, Caxias. Gostaria que fosse em Passo Fundo, mas acho muito difícil.

Embora sonhe, não garante que consiga disputar as Olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016. Murilo demonstra cautela ao falar sobre como estará sua condição física e quem será o treinador:

- Acho muito cedo para fazer qualquer declaração sobre os Jogos Olímpicos, mas, lógico, eu gostaria muito de disputá-los. Estarei com 35 anos.

Murilo evidencia preocupação com a competição no país. Apesar de ter certeza de que o projeto fará os jogos serem únicos na história, acredita que os investimentos devem ser, principalmente, focados nos atletas, não apenas na organização, infraestrutura e ginásios. E pede urgência para melhorar a situação dos esportistas. Não quer atletas pagando do bolso as passagens e os treinamentos, como recorda ter ocorrido no Pan de 2007.

- O Brasil deixa muito a desejar em termos de investimentos e organização. Os atletas são as pessoas mais importantes. Se quisermos melhorar no ranking de medalhas, é nisso que devemos investir. Acredito, porém, que não estamos pensando no mais importante - as medalhas e a formação dos atletas. A gente devia estar pensando nisso desde ontem.

Com um DNA privilegiado, não seria surpresa nascer um novo craque nos próximos anos. O sonho já existe. Murilo quer aumentar a família. Mas se queixa da falta de tempo. Deseja ver os filhos assistindo as suas partidas in loco.

- É difícil fazer planos. A gente sonha. A Jaque precisa parar de jogar um ano. É muita coisa que precisamos avaliar, mas temos vontade. Eu gostaria que meu filho me visse jogar, entendesse um pouco da minha profissão, não apenas por fotos ou vídeos.

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