Esportes | 08/08/2009 18h30min
A bola branca com desenhos coloridos, desavisada, enroscou-se num redemoinho que castigava a grama verde do Beira-Rio em dia de jogo com muita gente e pegou um vento estranho, desorientado, que começou a andar daqui para lá e de lá, sem sinal, para algum outro lado, em mudanças de direção radicais e surpreendentes. Coisa de começo de inverno rigoroso, como há muito não se via por aqui.
A corrente desse vento súbito e perigoso levou o Inter para algum lugar bem abaixo do piso bem tratado do estádio. Despencou nas estatísticas, no prestígio, cuspiu para o lado um título anunciado e deixou no rastro algumas carcaças reluzentes, como a maior contratação no Brasil de 2008. Andrés Nicolás DAlessandro já fez história, não só pelos US$ 5 milhões que custou e as sete viagens de negociação como pelos belos espetáculos que proporcionou em campo e as consequências do temperamento fogoso.
Agosto trouxe mais sol, menos frio e a bola enlouquecida agora volta submissa ao pé do
canhoto argentino. Ele está
pronto para bailar “la boba”. Vai passar o pé esquerdo sobre a bola, arrastá-la para trás junto com o parceiro involuntário desta dança rápida e mortal e conduzi-la para frente, já sozinho e vitorioso. Um a menos no caminho do gol do inventor do drible. Foram duas semanas de trabalho duro com o preparador físico Flávio Soares. Sem reclamações.
D’Alessandro é concentrado no que faz. A noção de compromisso fez com que há pouco tempo recusasse convite para participar do Bem, Amigos, programa de Galvão Bueno nas noites de segunda-feira do Sportv. Na quarta haveria jogo, alegou. Soares tirou o que precisava do discípulo afastado do grupo principal no meio de derrotas, atuações pecaminosas e da intervenção do vice de futebol, Fernando Carvalho.
A aparente vítima desta mão de ferro recuperou a defasagem que tinha na perna direita. Na linguagem mais simples que pode usar, Soares indica que a musculatura posterior da coxa direita está boa. Não zerada, como falam os
profissionais, mas está melhor,
suporta o peso do movimento do dançarino argentino.
“La boba” poderá ser vista a partir da semana que está começando. Basta que Tite queira. Não se sabe por quantos minutos poderá jogar, mas estará em condições de se comunicar da melhor maneira que sabe com o público: com a bola nos pés.
Com a imprensa, talvez leve um pouquinho mais. Por um acordo estabelecido com Carvalho, só quando ele autorizar haverá declarações. A previsão é de que o silêncio acabe nesta semana, depois de nova conversa entre eles.
Esse é um jogo mais complicado, que D’Alessandro tem conduzido fora do retângulo verde que domina. Mesmo que em parceria com seu procurador no Brasil, Fernando Otto, e Carvalho. Esse drible mais difícil tem sido tramado entre telefonemas e conversas diretas, que abrangem até recente proposta de clube europeu de chegada.
A gota d’água foi o jogo fatídico com o Corinthians, em Porto Alegre. Expulso e envolvido na cena em que partiu para
cima do zagueiro William, o ídolo se viu no
centro da frustração colorada. Nada de título, nada de Libertadores garantida, justamente no ano do centenário. Teve o episódio do atrito com Tite, a ameaça que ainda existe de uma pena pesada na justiça esportiva e, então, o silêncio que está trazendo a bola para o lugar certo.
No pé esquerdo apoiado por uma perna direita enfim restabelecida pode começar a nova fase para o meia e para o time. É certo que a equipe precisa de temperamento para chegar lá. E isso é o que não falta a D’Alessandro. Nas últimas semanas, o amigo Guiñazu pelea sem “Cabezón” de Buenos Aires.
Mas sua impetuosidade faz falta. Sim, há gente como Andrezinho, que se revela uma liderança, faz gols e constrói jogadas preciosas, também. Aproveitou bem o espaço que ganhou. Chega a se apostar que podem formar uma dupla fantástica. O sangue argentino, porém, é o aditivo que pode dar a explosão na corrida pelo Brasileirão.
Carvalho sabe disso e parece ensaiar os movimentos certos nessa
direção. Nem é tão difícil assim. O
temperamento forte deste argentino do bairro La Paternal, onde nasceu em Buenos Aires, é um fogo que se acende e apaga dentro das quatro linhas. É o que pensa Otto, que conheceu o então jogador do San Lorenzo pela primeira vez na capital argentina, na sala de negociação de um hotel, e depois jantou com ele, a mulher e os filhos, e de tanto repetir o ritual passou, sem se dar conta, das relações profissionais para a amizade entre duas famílias.
Até hoje é assim. Ao lado de Érika e dos filhos Martina, três anos, e Santín, um ano, D’Alessandro não pensa em dar carrinhos ou apontar um dedo ameaçador para um desafeto do momento. A família é o centro deste jovem homem de 28 anos, que recebe quase quinzenalmente os pais na cidade pela qual se diz encantado, onde comprou um apartamento na Bela Vista e caminha pelas ruas do Moinhos de Vento, confirmando a cada dia semelhanças com sua querida Buenos Aires.
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