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 | 08/04/2002 01h03min

Frade brasileiro relata tensão na Basílica da Natividade

–  O perigo está tanto do lado de fora quanto de dentro.

A força da declaração contradiz a aparente calma com que o frei franciscano Antônio Marcos Koneski, 65 anos, fala ao telefone. O religioso, natural de Santa Catarina, é o único brasileiro sitiado na Igreja da Natividade, a sagrada basílica de Belém transformada em trincheira por mais de 240 palestinos. Do lado de fora, tanques e blindados do exército israelense cercam o prédio, construído onde, segundo a fé cristã, nasceu Jesus Cristo.

Zero Hora fez um contato por telefone, às 15h30min (21h30min em Belém) desse domingo, dia 7, com o frade. Temendo uma invasão do convento anexo à basílica ou uma eventual batalha no interior da igreja, os religiosos decidiram dormir a noite passada no prédio onde funciona o seminário, um local teoricamente mais seguro. Sem luz e com a comida racionada, o religioso conta que até a gruta onde teria se localizado a manjedoura de Jesus está tomada pelos palestinos. Veja, a seguir, a íntegra da conversa:

Zero Hora: Como o senhor está?
Frei Marcos: 
A minha saúde está perfeita. Estou bem, graças a Deus. Só que acabou o gerador, não tem mais benzina. Ficamos sem luz agora. A gente vai dormir todos em um outro lugar, mais fechado, mais reservado. Daqui a pouco também estarei sem carga no celular. Mas, psicologicamente, toda a comunidade está muito bem, está calma. Eu também estou calmo. Apesar do perigo ser iminente, não vejo ninguém apavorado. Tudo está muito bem organizado: há colchões para todos, quartos para os velhinhos. Estamos no seminário agora.

ZH:  O senhor permanece dentro da Igreja da Natividade?
Frei Marcos:
É um complexo grande: tem o seminário, onde estudam filosofia, e o nosso convento dos padres. Fomos para o seminário, porque é mais difícil de ser encontrado. O perigo está tanto do lado de fora quanto de dentro. Se os de fora (os israelenses) invadirem (a igreja) atrás dos guerrilheiros, eles (os palestinos) podem nos colocar como reféns. Então, a gente tem de se precaver. Embora não estejamos seguros, a gente procura melhorar a situação.

ZH: O senhor tem se alimentado?
Frei Marcos:
Graças a Deus, não falta comida. Não é tão bem preparada como era antes, porque não temos meios. Mas a gente está se alimentando razoavelmente bem.

ZH: Vocês sofrem algum tipo de ameaça?
Frei Marcos:
Absolutamente nenhuma. Nem de dentro de casa, nem de fora.

ZH: É possível perceber se os palestinos que estão dentro da igreja são militantes do Hamas ou de outro grupo extremista palestino?
Frei Marcos:
Não. Se são deste ou daquele partido, a gente não sabe. A gente sabe que aqui dentro estão guerrilheiros, porque entraram com os rostos cobertos, com aquelas máscaras que eles usam, e armados. Se fossem soldados oficiais, estariam em um quartel e não teriam medo de morrer, porque um soldado prisioneiro é protegido pelas leis de guerra. Porém, com um guerrilheiro, é diferente.

ZH: O senhor teve algum contato com eles?
Frei Marcos:
Eles falam árabe. Só falo inglês. A gente cumprimenta, tenta se comunicar. Eles não tem invadido mais o convento. Embora, a hora que eles quiserem, eles invadem.

ZH: Os palestinos também entraram na gruta onde, acredita-se, ficava a manjedoura de Jesus?
Frei Marcos:
Eles dormem lá, porque assim estão livres de bombardeio. É uma gruta subterrânea.

ZH: O senhor tem mantido sua rotina de orações?
Frei Marcos: 
Normalmente. Não lá (na basílica). Lá, nós não vamos. E nem na nossa capela. Mas temos outra capela interna, onde celebrei missa normalmente, com muita fé, com muita devoção. Faço minhas orações normais. Às 16h (10h de ontem em Brasília) também teve missa de diversos padres ali. Com cantos, tudo normal.

ZH:  Tem algum frade doente?
Frei Marcos:
 Não, até o momento, nenhum. Os que estavam doentes, saíram. Eram quatro.

ZH: E o senhor pensou em sair? Poderia se quisesse?
Frei Marcos: 
Não, agora não posso mais. Naquela ocasião (quando os outros quatro frades deixaram o prédio, na sexta-feira), poderia ter saído. Mas não vou sair.

ZH: O senhor tem falado com sua família?
Frei Marcos: 
Converso muito com eles. Eles conversam muito comigo, para me dar força. Compreendem bem a minha situação, a minha opção de continuar aqui na Terra Santa, até que termine esta guerra. Quando terminar, talvez eu vá descansar no Brasil. Por enquanto, fico aqui.

ZH: O senhor tem idéia de como pode terminar este impasse?
Frei Marcos: 
É impossível a gente saber. Pode ser amanhã, pode ser daqui três meses.

ZH: O exército israelense ameaça invadir?
Frei Marcos: 
Existe ameaça de eles invadir. É uma ameaça que pesa sobre nós.

RODRIGO LOPES
 
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