Geral | 22/11/2012 06h04min
Um dos papéis mais procurados de um período sombrio da história do Brasil, uma folha de ofício amarelada e preenchida em máquina de escrever datada de janeiro de 1971, está guardado em um cofre do Palácio da Polícia Civil, em Porto Alegre. O documento confirma o envolvimento direto do Exército em um dos maiores enigmas do país protagonizado pelas Forças Armadas, cuja verdade é desconhecida até hoje.
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É, até então, a mais importante prova material de que o ex-deputado federal, engenheiro civil e empresário paulista Rubens Paiva, desaparecido há 41 anos, vítima-símbolo dos anos de chumbo, esteve preso no Departamento de Operações e Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) no Rio de Janeiro, um dos mais temidos aparelhos de tortura do país.
O corpo de Paiva nunca foi localizado, e o Exército jamais admitiu responsabilidade sobre o sumiço do político cassado pela ditadura militar (1964 a 1985). Durante quatro décadas, o documento fez parte do arquivo particular do coronel da reserva do Exército Julio Miguel Molinas Dias, 78 anos. Gaúcho de São Borja, o coronel foi chefe do DOI-Codi do Rio, cerca de 10 anos depois do desaparecimento.
Em 1º de novembro deste ano, Molinas Dias foi assassinado quando chegava de carro a sua casa, no bairro Chácara das Pedras, na capital gaúcha. Seria uma tentativa de roubar o arsenal que o coronel colecionava (cerca de 20 armas) ou um assassinato por razões ainda desconhecidas — a polícia investiga o caso.
>>> Veja a reação dos filhos de Paiva ao saberem da existência de documento
Com a assinatura do ex-deputadoEm meio a um conjunto de papéis com o timbre do Ministério do Exército, parte deles com o carimbo "Reservado ou Confidencial", o documento referente à entrada de Rubens Paiva no DOI-Codi foi arrecadado pelo delegado da Polícia Civil Luís Fernando Martins de Oliveira, responsável pela investigação da morte do militar.
Zero Hora acompanhou a coleta e folheou parte dos papéis. O delegado evitou divulgar o conteúdo, mas afirmou que a documentação em nada compromete a trajetória profissional de Molinas Dias.
— Pelo que consta ali, já descartamos a hipótese de o coronel ter sido morto por vingança em razão da atividade no Exército — garantiu o delegado.
Sob o título "Turma de Recebimento", o ofício contém o nome completo do político (Rubens Beyrodt Paiva), de onde ele foi trazido (o QG-3), a equipe que o trouxe (o CISAer, Centro de Inteligência da Aeronáutica), a data (20 de janeiro de 1971), seguido de uma relação de documentos, pertences pessoais e valores do ex-deputado. Na margem esquerda do documento, à caneta, consta uma assinatura, possivelmente de Paiva.
Promotor deve pedir documento
O termo de recebimento dos objetos é chancelado em 21 de janeiro de 1971 pelo então oficial de administração do DOI-Codi, cujo nome é ilegível no documento. É possível que seja o mesmo capitão que, em um pedaço de folha de caderno (também guardado por Molinas Dias), escreveu de próprio punho, em 4 de fevereiro de 1971, que foram retirados pela Seção de Recebimento "todos os documentos pertencentes ao carro" de Paiva que tinha sido levado para o DOI-Codi.
Em visita à 14ª Delegacia da Polícia Civil de Porto Alegre, na semana passada, integrantes da Comissão Nacional da Verdade — criada pelo governo federal para investigar crimes na ditadura — solicitaram uma cópia dos documentos, que deverá ser remetida a Brasília nos próximos dias.
O documento também interessa, e muito, ao promotor Otávio Bravo, que atua junto à Justiça Militar no Rio. No ano passado, ele reabriu a investigação do caso Rubens Paiva, após o Brasil ratificar em convenção internacional, o compromisso de apurar casos de desaparecimento forçado, como ocorreu com Paiva.
— Vou requisitar o documento. Não tenho conhecimento dele. Pode ser mais um indício para apurar a verdade e de que ele (Paiva) morreu no DOI-Codi — afirmou.
Segundo Bravo, até então, a informação mais contundente sobre a passagem de Paiva pelo DOI-Codi carioca se limita a relatos verbais, entre eles o de Maria Eliane Paiva, uma das filhas do ex-deputado.
Aos 15 anos, ela foi levada ao DOI-Codi para ser interrogada no dia seguinte à prisão do pai. Passadas quatro décadas, ao depor pela primeira vez sobre o caso perante o promotor, Eliane disse que ouviu de um soldado que Paiva foi morto após ser espancado no DOI-Codi.
— É a única prova que tenho de que ele foi para lá. O documento pode dar credibilidade aos depoimentos — diz Bravo.
Leia as informações presentes no ofício que confirma a prisão de Rubens Paiva no DOI-Codi no Rio:
MINISTÉRIO DO EXÉRCITO
PRIMEIRO EXÉRCITO
DOI
TURMA DE RECEBIMENTO
Nome: Rubens Beyrodt Paiva
Local: Encaminhado pelo QG-3
Data: 20.01.71
Equipe: CISAer
I - DOCUMENTOS PESSOAIS
Um cartão de identificação do contribuinte
Dois cartões de piloto privado
Um cartão do DINERS CLUB
Uma carteira nacional de habilitação
Uma carteira profissional do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura
II - PERTENCES PESSOAIS
Um porta notas de couro preto
Quatro cadernos de anotações
Um chaveiro com cinco chaves
Uma fita de gravador
Um lenço branco
Uma gravata
Um cinto de couro preto
Um paletó
14 livros de diversos autores
uma observação manuscrita: dois cadernos de anotações encontram-se com o major Belham (devolvidos os cadernos)
III - MATERIAIS DIVERSOS
Não há
IV - Publicações
Não há
V -ARMAMENTO E MUNIÇÃO
Não há
VI - VALORES
Uma caneta esferográfica de metal branco
Uma caneta esferográfica branca e cinza
Um relógio de metal branco marca Movado
Uma peça de metal amarelo
VII - DINHEIRO
CR$ 260,00 (duzentos e sessenta cruzeiros)
Na margem esquerda, à caneta, consta uma assinatura, possivelmente de Rubens Rubens Beyrodt Paiva
Rio de Janeiro, 21 de janeiro de 1971
Oficial de Administração do DOI
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