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Geral  | 23/07/2009 03h08min

Bebê de Uruguaiana vira símbolo contra a gripe A

Para a proteção do bebê, gestante deixou de receber a medicação mais adequada

Carlos Etchichury  |  carlos.etchichury@zerohora.com.br

O último pensamento de Rose Cristina Cáceres Furquim antes de entrar na sala de parto foi para a filha que carregava no ventre e temia perder. No dia seguinte, 16 de julho, a mulher de 36 anos acabaria por se converter em uma das vítimas da gripe A no Estado. Júlia, o bebê de 2,44 quilos e 48 centímetros, no mais frágil dos sobreviventes da epidemia.

Os destinos de mãe e filha se definiram na Santa Casa de Caridade de Uruguaiana. Com 40ºC de febre, tossindo, escarrando sangue e em dificuldade para respirar, a mulher ingressou no estabelecimento no dia 13, segunda-feira. Com pneumonia nos dois pulmões, eram mínimas as chances de que ela e o bebê sobrevivessem. Às 21h de quarta-feira, os médicos perceberam que prorrogar o parto colocaria em risco a vida de Julia.

– Vamos fazer a cesariana agora para tentar salvar a menina – disseram aos familiares.

Foi então que Rose dedicou seu último pensamento à filha que nutriu mas não conheceu. Ela já vinha tendo a própria saúde sacrificada em favor da menina havia dias – houve restrição na medicação contra sua gripe, para não afetar o bebê.

A caminho da UTI, estava consciente do sacrifício maior. Quando a irmã, Cleide, aproximou-se dela, esforçou-se por balbuciar algo. Sem fôlego, não foi compreendida. A irmã, então, sacou da bolsa a fatura de um cartão de crédito e uma caneta e pediu para que Rose escrevesse o que era incapaz de pronunciar. Em letras de forma, a gestante redigiu:

“MALA BEBÊ MANTA NA CAIXA CHÁ DE FRALDA. FRALDA PP.”

A mensagem cifrada de uma mãe agonizante, prestes a parir, foi facilmente compreendida por Cleide, mãe de uma adolescente e de um garoto. Rose queria dizer que era para pegar, na mala do bebê, uma fralda tamanho “PP” e uma manta que lhe fora dada nas confraternizações com amigos.

Como o oxigênio no corpo de Rose era insuficiente, Julia nasceu sem batimentos cardíacos e sem respirar. O Apgar (exame que investiga o quadro de saúde do bebê minutos após o parto, estabelecendo uma pontuação de zero a 10) marcava zero. Foi preciso reanimá-la.

Seis dias após o parto, Julia já respira de forma espontânea e alimenta-se por sonda. Numa primeira análise, o chefe da UTI Neonatal da Santa Casa de Caridade, Luiz Menegaz, não identificou sequelas.

– É possível que apareça alguma no futuro, mas ainda não temos como ter certeza disso.

Lição de sacrifício por filha veio de abandonada pela mãe

Natural de São Francisco de Assis, Rose soube dar um exemplo de renúncia que ela própria não recebeu dos pais. Quando tinha oito anos, ela e a irmã foram abandonadas pela mãe. Julgando-se incapaz de criar as filhas sozinho, o pai entregou-as ao Lar das Meninas do Exército da Salvação. A permanência no abrigo estendeu-se por cinco anos. Ao deixar o lar e voltar a morar com o pai, Rose era uma adulta de 13 anos.

– Nós saímos do abrigo, e ela começou a trabalhar. A mana era determinada desde piá – conta Cleide.

Rose, aos poucos, distanciou-se de casa. De dia, fazia faxinas em residências de família. À noite, concluía o Ensino Fundamental e nutria o sonho de estudar contabilidade no Ensino Médio. Uma família de negócios precisa ter um advogado e um contador, filosofava, sem que ninguém lhe desse ouvidos.

Os negócios faziam parte de um projeto de vida, que, anos depois, iria se materializar. De doméstica, Rose transformou-se em balconista. Nas horas vagas, vendia roupas. Adquiriu um ponto no reduto dos camelôs legalizados em Uruguaiana e virou comerciante regular.

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