Geral | 25/06/2009 04h24min
Se o risco de epidemia de gripe A é apenas uma ameaça, a situação de emergência decretada pela prefeitura desde segunda-feira desafia a rotina, as crenças e até namoros entre os 60 mil moradores.
Com a confirmação de quatro casos da gripe A e um crescente número de pacientes com sintomas, que ontem aumentou em mais 17 casos, a população está em estado de alerta. O uso de máscaras se disseminou em serviços públicos, nos bancos, em restaurantes, e o movimento nas ruas e no comércio despencou. Mesmo quem acha exagerado o decreto que suspendeu por tempo indeterminado as aulas dos 13 mil alunos do município e proibiu aglomerações não consegue ficar indiferente a ele.
Que o diga o padre Emílio Barúm. Depois de desafiar a determinação e celebrar uma missa na catedral na noite de segunda-feira, acabou delatado pela Brigada Militar e censurado pela vigilância epidemiológica do município. Indignado com o descumprimento da ordem, o prefeito do município, Rossano Dotto
Gonçalves (PDT), levou o caso ao
bispo diocesano, dom Gílio Felício. Durante a tarde de ontem, preparava um relatório sobre a situação para enviar ao superior religioso, de Bagé.
– Não é por nada que estamos tomando essas medidas, estamos tentando conscientizar as pessoas. Todo mundo está compreendendo, menos o padre. Se for por isso eu reponho as perdas que a igreja terá com o dízimo – criticou o prefeito em reunião com o secretário estadual de Saúde, Osmar Terra, e o chefe da Casa Civil, José Alberto Wenzel, enviados pela governadora Yeda Crusius ao município ontem à tarde para discutir a situação.
Após a intimação e um telefonema do bispo na madrugada de ontem, o padre prometeu seguir o decreto. Como forma de protesto, negou-se a fazer missas de enterro ontem.
– Se a coisa é tão gravíssima, não pode nem ter velório. Morreu, enterrou. Nem nos tempos de ditadura nos impediram de rezar missa – protestou.
Evitem os namoros, aconselhou
vice-prefeita
A polêmica se estende aos relacionamentos. Em
entrevista a uma emissora de rádio ontem, a vice-prefeita e médica cardiologista Sandra Weber aconselhou os jovens a evitar contatos íntimos para conter o avanço do vírus.
– É o momento de manter uma certa distância segura. O namoro pode esperar um pouquinho – sugeriu.
O conselho que em outros tempos soaria moralista sensibilizou seguidores como Jamerson Figueira da Rosa, 17 anos, que ontem comprou a primeira máscara:
– Estou evitando até dar aperto de mão.
Proprietária de um restaurante, Noemi Andreolli chegou a pensar em fechar o restaurante da família. Os 220 almoços servidos diariamente caíram pela metade.
– Parece que as pessoas estão com medo de sair. Aumentou o número de gente vindo buscar comida para levar – contou Noemi.
A Câmara de Vereadores fechou, e o Fórum reduziu as atividades. Por medo, a estudante Karen Campana, 17 anos, ficou trancafiada em casa quatro dias. Aluna da mesma
escola onde estuda o primeiro infectado pela doença – uma adolescente de 14
anos que até a noite de ontem permanecia na UTI do Hospital Universitário de Santa Maria – Karen só se atreveu a sair de casa quando recebeu uma máscara especial que encomendou do Rio de Janeiro.
– Só saí porque a máscara chegou.
Máscaras foram adotadas como medida de prevenção
Nas ruas, ficou comum a cena popularizada no México, com máscaras sendo usadas no supermercado, em passeios pelo parque, na ida ao trabalho. Exagero? Alarmismo? O secretário municipal de Saúde, Paulo Fernando Forgiarini, acha que não.
– Prefiro pecar pela prevenção. Eu fui dormir com um número de casos e acordei com outro. É um vírus novo. Quem tem autoridade suficiente para dizer que as pessoas não precisam se cuidar? – questiona.
Doméstica, Jurema Toledo Rodrigues, 42 anos, nem teve tempo de se precaver. Começou a ter febre e dores no corpo no domingo, dois dias depois do início dos mesmos sintomas em um adolescente de
14 anos da casa onde trabalha, colega da primeira paciente e que teve o
diagnóstico confirmado por exame na terça-feira.
Após quatro dias em isolamento na Santa Casa de São Gabriel, a doméstica, considerada um caso positivo pelo município por associação epidemiológica entre os casos, teve alta hospitalar ontem. Apesar do susto, tranquiliza quem teme o vírus.
– Não é assim uma coisa de outro mundo. Parece uma gripe normal, com febre e dor no corpo. Não estou com medo nenhum. Só fiquei triste por causa do isolamento, ontem chorei um monte, estava me sentindo muito sozinha – contou, minutos antes de voltar para casa – onde deverá permanecer, com máscara, até o final da semana.
Nem só os moradores foram afetados pelas agruras da gripe. Uma das linhas de ônibus da empresa Ouro e Prata que diariamente parte de Santana do Livramento, na Fronteira Oeste, em direção a Porto Alegre teve uma mudança no itinerário. Ontem, o veículo que saiu às 12h30min não parou em São Gabriel para o intervalo de 20 minutos, praxe do roteiro. O
pedido partiu dos próprios passageiros,
que tiveram receio de serem contaminados.
Linha de ônibus suspendeu paradas no município
O motorista Estefanio de Souza, 34 anos, conversou com os passageiros antes de sair da rodoviária de Santana do Livramento. Ao falar da viagem, perguntou a todos se teria problema em não parar em São Gabriel. A psicóloga Maria Amélia Acauan Soares Pires, 43 anos, foi uma das pessoas que fez a solicitação. Ao embarcar no ônibus, ela perguntou para o condutor se ele iria fazer o intervalo.
– Eu brinquei que, caso ele parasse, não falaria mais com ele. No entanto, foi um consenso de todos. O motorista foi até aplaudido – conta a passageira.
Com o episódio, a Ouro e Prata decidiu adotar a medida por tempo indeterminado.
– Foi iniciativa dos passageiros e vamos manter a partir de hoje – afirma o gerente de tráfego da Ouro e Prata, Hugo Leal de Oliveira.
*Colaborou Ronan
Dannenberg
Mais
informações sobre a doença no site
Grupo RBS Dúvidas Frequentes | Fale Conosco | Anuncie | Trabalhe no Grupo RBS - © 2024 clicRBS.com.br Todos os direitos reservados.