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 | 01/05/2009 05h50min

Wianey Carlet: A paixão

Despudoradamente, ela traia o seu marido e nem fazia questão de esconder as suas andanças sensuais. Não escolhia lugar, ocasião, horário. Com o seu amante, frequentava restaurantes, teatros, cinemas e parques. Certa vez, chegou a fazer uma viagem sob a mais estapafúrdia justificativa. Depois de alguns dias, voltou para o abrigo seguro do seu lar, para felicidade e regozijo do marido. Os amigos do inditoso sujeito, inconformados com a situação, decidiram contar-lhe as tramas amorosas da sua esposa, sem omitir detalhes. Em silêncio, tudo ele escutou e, no final da narração, fez um único comentário:

– Vocês estão enganados. Minha mulher é pura concentração de virtudes.

Frustrados na investida de esclarecimento, decidiram registrar em fotografias a prova da descarada infidelidade. Contrataram um detetive e dois dias depois recebiam dezenas de fotos, uma mais comprometedora do que a outra. O cordato marido examinou o material com ar de enfado e, no final, considerou:

– A maldade humana não tem limites. O que pretendem com estas montagens fotográficas?

O homem não se deixava convencer. Mas os amigos fiéis não desistiram. Diante da relutância do bom marido, decidiram que só havia uma maneira de fazê-lo enfrentar a verdade: trazendo para diante dos seus olhos a prova viva do que diziam. Não precisaram esperar muito tempo. Na semana seguinte, dia de sol, céu sem nuvens e um certo perfume primaveril nos ares, levaram o amigo a um parque da cidade. Estacionaram o automóvel a uma distância conveniente e indicaram a cena que se desenrolava em um bucólico recanto, à sombra de uma paineira e à margem de um laguinho onde se refestelavam tartarugas e peixinhos, graciosamente coloridos.

A cena não poderia ser mais explícita. A mulher do desconfortado marido se aninhava nos braços do amante, com quem trocava beijos e carícias possíveis para o local e horário. Um hino à lascívia. Os amigos, silenciosamente, buscavam no olhar do traído algum indício que pudesse revelar perda momentânea da razão, aquela intensa emoção que provoca os crimes passionais que infestam as páginas policiais dos jornais e realizam o voyerismo da população. Masculina, claro. Mas nenhum músculo se movia naquele rosto que adquirira rigidez de rocha. Sequer uma piscadela quebrou a monotonia daquela face. Quando os parceiros do pobrezinho já se preparavam para questioná-lo, ele abriu um leve e rápido sorriso e com o jeito próprio daqueles que se julgam superiores, apresentou a sua leitura de jogo, quer dizer, da cena:

– Ufa! Desta vez vocês quase me preocuparam. Foi bom eu ter vindo. Assim, evitei que a maledicência deformasse um mero encontro da minha mulher com um primo querido, havia tempos afastado da família.

Os amigos desistiram. Nada, prova alguma seria suficiente para abrir os olhos daquele homem, irremediavelmente, apaixonado. Fanático pela mulher.

A historia é tão fictícia quanto corriqueira. Repete-se nos relacionamentos, política, religião e... no futebol. A paixão distorce, cega e deixa o sujeito muito menos inteligente do que seria. Sempre. Contem, apaixonados e fanáticos, com a minha compreensão. Sei que discordarão do que escrevi. É sempre assim.

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