| 18/03/2009 09h11min
Transparência e futuro foram os dois conceitos mais insistentemente abraçados pelo presidente do Juventude Sérgio Florian durante a entrevista exclusiva concedida por quase duas horas, na manhã desta terça, no Alfredo Jaconi. Por um lado, o dirigente não escondeu certo alívio em finalmente externar vários ângulos até então pouco explorados do atual período de dificuldades atravessado pelo clube – dentro e fora de campo. Inclusive admitindo o ônus a que estará sujeito como responsável por ministrar a contenção de despesas (e de expectativas). Apesar das dificuldades, ele está otimista para a disputa da Série B.
– Subir. Se eu pensasse qualquer coisa diferente disso, teria que ir para casa, ficar de chinelos, tomando chimarrão.
Confira os principais trechos da entrevista:
Pioneiro - Qual a situação financeira do clube hoje, em comparação ao período que antecedeu à venda da sede campestre para a
Abyara, em 2007?
Florian - Inicialmente é importante
colocar que existe uma comissão que tratou da venda e da liquidação da dívida. Não é a direção executiva que trata disso. A partir da venda, cujo valor é de R$ 52 milhões, houve um plano de saneamento. Nem toda dívida foi saneada. Houve uma programação, porque, também, o fluxo de recebimento desses valores obedece a um parcelamento de 24 meses. Com o rebaixamento, em 2007, os direitos de televisionamento, na ordem de R$ 4 milhões, caíram para um número seis vezes mais baixo. Foi aprovado pelo Conselho Deliberativo o repasse de um valor para suprir aquela demanda de recursos que não teríamos, para fazer frente aos compromissos.
Pioneiro - Qual foi esse valor?
Florian - De R$ 2,4 milhões, para todo o ano. Muitos associados, naquele momento, se afastaram. Todas as receitas ficaram muito mais baixas. Da frustração de 2007, tivemos uma nova frustração, que foi não subir novamente. Nesse momento, o grande parceiro do Juventude, que é o seu torcedor, acabou
se afastando. Mesmo com essa
dificuldade, o associado ainda é a principal fonte de receita. O Juventude tira, hoje, em torno de R$ 150 mil do quadro social.
Pioneiro - Qual é o quadro social?
Florian - Em torno de 5,7 mil, incluindo dependentes.
Pioneiro - Esse número já foi quase três vezes maior.
Florian - Sim, sem dúvida. Imagine o que isso representa em termos de receita. E aí teríamos resultado, porque nos adequamos, também, nas despesas. O Juventude tem, hoje, no futebol, não pensando em todos os encargos e tudo o mais, uma folha de pagamento abaixo de R$ 200 mil. E o futebol é o maior investimento. No ano passado, em que houve uma tentativa de subir, tínhamos uma despesa maior, e o fluxo de caixa de curto prazo acabou se complicando. Isso remete a atrasos de (direitos de) imagem... Nós estamos, por exemplo, colocando o salário de fevereiro em dia hoje (ontem).
Pioneiro - No caso de
jogadores de maior destaque, há um atraso dos direitos de imagem ainda do ano
passado. Mas, a maior parte do que eles recebem não é exatamente do direito de imagem?
Florian - Não. Nós temos uma política da maioria do valor dos atletas ser CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas, o chamado salário em carteira). Sabemos que aí no mercado existem clubes com 90% direito de imagem e 10% CLT. Não é o Juventude. A maioria do salário é CLT.
Pioneiro - Só que agora houve atraso até no salário de funcionários. O que aconteceu?
Florian - Foi o conjunto da obra. Como eu disse: saímos de 2007 com uma frustração e o torcedor se afastando, as receitas reduzidas, patrocinadores também... Aí entramos 2009 com a frustração de 2008 e uma baita de uma crise mundial. Tudo ao mesmo tempo. Hoje estamos negociando com várias frentes para patrocínio, mas nenhuma delas sinalizou concretamente para o restante da temporada. Então, é um momento difícil. Não só para o Juventude. Não dá para negar: se tivéssemos um patrocinador,
estaríamos com uma situação bem mais
tranquila. Para se ter uma ideia, nosso gerente de controladoria, que é quem paga o salário, será o último a receber. Fomos ao vestiário outro dia, para dar uma satisfação, e dissemos que a única forma de revertermos isso é a equipe tendo performance. Porque aí vem o patrocinador, o associado volta, se retornar à Série A os valores serão diferentes...
Pioneiro - Como o Juventude fechou 2008?
Florian - Ainda estamos fechando o número para fazer a prestação de contas logo adiante, mas fecha negativo. Em torno de R$ 4 milhões. Existe uma conta muito simples a ser feita: clube que não transferir atletas, fecha no vermelho. A notícia que temos é que o São Paulo fechou o ano com R$ 12 milhões de débito.
Pioneiro - A espiral negativa parece muito clara: veio o rebaixamento, a verba de TV caiu a um sexto do que era, a verba do Gauchão também caiu, o quadro social diminuiu. Como estancá-la e voltar para o ciclo
virtuoso?
Florian - O Juventude teve a melhor fase
de sua história na Era Parmalat (parceira do clube entre 1993 e 2000). Se tirássemos a Parmalat, o Juventude estaria do tamanho dos anos 1980, 1970. O que nós conseguimos fazer nos anos 1990, numa cidade de interior, é algo invejável, e devemos perseguir isso novamente. Estamos buscando soluções, apostado em algumas questões estratégicas, que interessam ao mercado do futebol como um todo, como a formação de atletas. Não estamos investindo na “fábrica” (apontando para a foto do novo centro de formação), colocando todas as nossas fichas nisso, por nada. Paralelo a isso, na parte emergencial, precisamos de negociações de atletas para manter uma estrutura como a que o Juventude tem e, aí na frente, atrair um grande parceiro. Acredito firmemente nisso. Temos uma característica muito importante: uma região de garotos de passaporte comunitário, uma estrutura que está sendo muito bem montada para que o atleta dessa fábrica saia com selo de qualidade. Temos que ser um polo de atração para esses meninos... Esses
meninos aí fora têm que pensar: “o Juventude tem um nível de formação que remete a um canal europeu”. Podemos formar um jogador sob encomenda para o mercado externo.
Pioneiro - Com que equação receita-despesa o Juventude trabalha hoje e o que vislumbra para a Série B, a partir de maio?
Florian - Nos obrigamos a executar um plano, em 2009, de fazer uma base com garotos formados aqui e a acrescentar a isso um investimento, no primeiro semestre, que ficasse suportável pelo clube. Ou seja, não endividaríamos o clube, e estou falando de uma folha de pagamento inferior a R$ 200 mil, detectando as necessidades de acréscimo, e aí sim fazer o investimento no momento oportuno. Essa é a equação. O Juventude vai fazer um grande time, sim. O investimento será proporcional à qualidade que vier, de cinco a sete atletas. Estamos, neste momento, com um pessoal olhando o interior de São Paulo e outros mercados, alguns um pouco mais longe, para que possamos nos cercar
do maior nível de informação.
Fomos olhar no Uruguai um atleta que acabou no Pachuca, do México. A ideia é subir.
Pioneiro - O Juventude assumiu o risco de fazer um Gauchão ruim para apostar na Série B?
Florian - Estar aqui é assumir um risco. Eu estar aqui dentro do Juventude, quando poderia estar no alambrado, é assumir um risco. Eu sou um juventudista de arquibancada. Eu fundei torcida organizada. Mas todos nós, que somos torcedores, pensamos de uma maneira. Eu assumo o risco, sim. É ter coragem de fazer alguma coisa para colher o fruto lá na frente. É ter convicção de que as coisas vão caminhar mesmo com pressões externas, deixar o vestiário aliviado dessas pressões, para que o trabalho seja executado.
Pioneiro - A atual direção se sente isolada?
Florian - Em alguns momentos você pode ser um pouco imaturo no formato como quer fazer as mudanças. Podemos até ter tido uma postura um pouquinho imatura, em algum momento, na
condução disso tudo. Mas o Juventude é um só. Se existe
alguém que torce contra o Juventude, tem que pensar em mudar de clube. O dia em que eu não estiver mais aqui no Juventude, virei aqui me botar à disposição do presidente que estiver. Do presidente que estiver. Independentemente de não concordar com as ideias. Embora este momento pareça de retrocesso, é de fortalecimento. Claro que o imediatismo e a paixão cegam o torcedor e fazem com que ele enxergue um apequenamento do Juventude. Mas não é isso. Com tudo isso que está se fazendo, com austeridade, logo aí na frente o Juventude terá uma situação muito interessante, pode ter certeza.
Florian: Nos obrigamos a executar um plano, em 2009, de fazer uma base com garotos formados aqui e a acrescentar a isso um investimento
Foto:
Roni Rigon
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