Notícias

 | 28/05/2008 07h05min

Escutas telefônicas desvendam a fraude no Detran

Conversas de suspeitos começaram a ser interceptadas com autorização da Justiça

Adriana Irion  |  adriana.irion@zerohora.com.br

Quando conversas de suspeitos do escândalo do Detran começaram a ser interceptadas com autorização da Justiça Federal, há um ano, as autoridades que integravam a força-tarefa da Operação Rodin flagraram a fraude em pleno desenvolvimento. Os suspeitos, hoje transformados em réus com o recebimento da denúncia pela Justiça, tratavam abertamente sobre detalhes do esquema, como a forma de reunir dinheiro para compor a propina, quem arcaria com quanto e o local onde o dinheiro seria entregue.

No período de escutas também foram flagrados os receios dos acusados, que começaram a ficar intimidados por pedidos de informações oriundos do Ministério Público Federal e do Ministério Público de Contas. Nos flagrantes de diálogos, há até negociações sobre o que deve ser respondido a esses órgãos e até que ponto devem prestar informações.

Além das escutas, cartas e relatórios apreendidos em 6 de novembro ajudaram as autoridades a montar o quebra-cabeças que confirmaria a fraude que desviou mais de R$ 40 milhões.

Com base na análise desses materiais, entre outros, como depoimentos e quebras de sigilos, os procuradores afirmaram na denúncia, ao se referir à importância da quadrilha, que "provavelmente não existia precedente na história do Estado de estrutura empresarial com tamanho aspecto organizacional e gerencial".

Ligações suspeitas

Trecho de conversa entre o então presidente do Detran, Flavio Vaz Netto, e HNI, sigla para homem não-identificado. Para as autoridades, ambos discutem valor da propina no esquema Detran:

Flavio pergunta como foi o final de semana. HNI fala que foi tudo bem e que está em São Paulo. Flavio fala que na sexta-feira recebeu uma visita com o retorno de uma reunião havida no centro do Estado (Santa Maria) e que não gostou da conversa, e que a conta é muito alta...e que ficou hoje de lhe abrir custos, mas o que lhe preocupou foi que o CR (Carlos Rosa) e o ZO (deputado José Otávio Germano) estão dentro da conta deles também. HNI pergunta de quem. Flavio fala que é o do cara da miss (Lair Ferst) como justificativa para dentro dos projetos do governo tentar reduzir custos. HNI pergunta se querem fazer isso. Flavio fala que não e que ele (Lair) é quem quer. Flavio fala que segunda-feira vai avisar que...HNI pergunta se ele quer colocar dentro do...Flavio confirma. HNI fala que aí não justifica. Flavio fala que sabe e que ele está querendo, que é aquela história do cara que está tendo chance de se recuperar e que agora está achando que pode voltar tudo ao status quo de antes, e que não vai voltar. HNI pergunta se ele lhe falou nesses termos. Flavio fala que foi nesses termos e que ele ficou de lhe abrir...e que se fizer por aí, amanhã tem outro processo em curso. HNI fala que isso não tem a mínima possibilidade. Flavio diz que até iria lhe sugerir que ele (HNI) dissesse pra ele (Lair) que com ele (Flavio) não tem cachorro, e que não venham apostar com par de dois que não funciona. HNI fala que é barbaridade e que o cara não aprende. Flavio fala que não aprendeu. HNI fala que por mais que se tente ajudá-lo não adianta. 

No depoimento à Polícia Federal, Vaz Netto admitiu que CR e ZO eram Carlos Rosa (também denunciado) e o deputado José Otávio Germano (que não foi investigado). Explicou que as referências à "conta estar muito alta" não tem caráter pecuniário. Disse que a conta a que se referia era política, ou seja, seria um custo político alto manter Lair Ferst (o cara da miss) como subcontratado (no contrato entre o Detran e fundações).

Trecho de conversa interceptada entre o então presidente do Detran Flavio Vaz Netto e HNI (homem não-identificado):

HNI pergunta se Buti (Luiz Paulo Rosek Germano) falou com Flavio agora e Flavio confirma e diz que amanhã tomará ciência dessas coisas em Santa Maria e conversará com ele na quinta-feira ou amanhã mesmo, que está indo lá só pelo assunto, mas chamará esse também. HNI diz que falou com ele (Buti) hoje e também com o outro parceiro, o do Pensador (José Antonio Fernandes) e marcou para quinta-feira encontrá-los, e que o Pensador acha que já tem uma solução menos traumática. HNI diz que amanhã no retorno de Flavio ele o colocará a par do assunto. Flavio pergunta se HNI está em Porto Alegre, HNI responde que está em Brasília.

O que diz a denúncia sobre a atuação dos advogados Carlos Dahlem da Rosa e Luiz Paulo Rosek Germano no esquema Detran:

"Carlos Rosa participou de toda negociata prévia à assinatura de contratos. Ao lado de Rosa, no oferecimento de vantagem indevida a Flavio Vaz Netto para que levasse a efeito a prática das ilegalidades na dispensa indevida de licitação para a contratação da Fundae, estava Luiz Paulo Rosek Germano, advogado militante no escritório de Carlos Rosa, amigo de Vaz Netto e que, havia algum tempo, já se encontrava atuando de forma decisiva na organização criminosa, acompanhando os integrantes da família Fernandes e Paulo Sarkis (ex-reitor da UFSM) na empreitada de ofertar o modelo fraudulento de contratação das fundações de apoio a outros Detrans. Buti (Luiz Paulo) teve papel destacado a partir da assunção de Vaz Netto ao cargo de presidente do Detran, auxiliando-o em diversas reuniões. Buti era pessoa com quem Flavio dividia a definição das estratégias a serem seguidas no aperfeiçoamento da fraude."

No diálogo abaixo, conforme autoridades, dois dos denunciados, Silvestre Selhorst (E) e Rubem Hoher, tratam de um impasse gerado pela exigência do então presidente do Detran, Flavio Vaz Netto, em aumentar o valor da propina:

Silvestre comenta como foi o resultado da reunião pela manhã, diz que não vai entrar em detalhe para não ficar estressado e ter um infarte, que prefere ir embora que sua pressão está alta. Silvestre fala que está com o professor Dario (Trevisan) e irá fazer a proposta para Rubem (Hoher) e que não é para ele ligar para os outros. Silvestre diz que Flavio (Vaz Netto) já agendou uma reunião, que ele também não está feliz que o dinheiro ainda não chegou.

Diálogo entre Rubem Hoher (então coordenador do projeto do Detran junto à Fundae) (E) e Vaz Netto. Segundo a denúncia do Ministério Público Federal, a conversa se refere a tratativas para a entrega de propina:

Vaz Netto - Estou lhe incomodando?

Hoher - Aí, presidente, tudo bem, já estou em Porto Alegre para lhe entregar a documentação hoje. Como é que vamos combinar?

Vaz Netto - Vamos fazer essa reunião ali mesmo de onde foi a última vez.

Hoher - Às 17h30min.

Vaz Netto - Confirma.

 
SHOPPING
  • Sem registros
Compare ofertas de produtos na Internet

Grupo RBS  Dúvidas Frequentes | Fale Conosco | Anuncie | Trabalhe no Grupo RBS - © 2024 clicRBS.com.br • Todos os direitos reservados.