| 12/01/2008 20h20min
Há uma espécie em extinção no Litoral Norte. Não são os mariscos, nem as corujas, tampouco os papa-terras. É o veranista de temporada, aquele que se muda para a praia em dezembro e só volta para casa em março.
Para a maior parte das pessoas, o veraneio é cada vez mais curto. Os aluguéis de verão dificilmente passam de 15 dias, conforme Noemia Reckziegel, proprietária da Central de Aluguéis, de Capão da Canoa. Nos últimos cinco anos, tornaram-se raros os clientes que chegam a passar um mês na praia. Quem tem imóvel à beira-mar aproveita nos finais de semana. Os que ficam vêem o fluxo de pessoas diminuir na segunda-feira e aumentar na sexta. Mas um pequeno grupo de veranistas-tatuíras insiste em manter a tradição do verão integral, apesar das dificuldades.
- Eu, que jogava futebol, não tinha a menor dificuldade de chegar à praia e montar dois times, qualquer dia, de manhã ou de noite. Agora, não dá mais - conta o comerciante Selmar Nunes, de Gravataí, dono de uma casa em Jardim Atlântico.
Zero Hora localizou e apresenta alguns dos últimos exemplares da espécie em extinção:
Escritório na praia
A temporada de verão é um misto de férias e trabalho para a artista plástica Malu Soeiro, de Porto Alegre. Pelo terceiro ano consecutivo, ela viajou a Capão da Canoa para o Encontro Internacional de Arte Decorativa no Litoral, que ajuda a coordenar, além de dar aulas de técnicas de pinturas especiais todos os dias. O evento começa às 16h e termina à meia-noite, ou seja, dá tempo de fazer tudo o que um veranista faz: caminhar na praia, tomar banho de sol, encontrar os amigos e sair para jantar.
O encontro começou em dezembro e vai até 28 de fevereiro. Nesse período, Malu fica hospedada em um hotel de Capão da Canoa com serviço de praia. Precisando de uma cadeira ou de uma toalha, é só fazer um sinal. Na quinta-feira, Malu pegou uma praia com outra professora de artes, Izabel Benavides, que tem casa em Xangri-lá.
- Em Porto Alegre, a gente não tem a oportunidade de se encontrar, de se curtir, de se visitar. A gente vem para trabalhar mas volta bronzeada, sarada. Tem muita coisa para fazer aqui. E muitos amigos - festeja Malu.
Especialistas em não fazer nada
Até março, o compromisso deles é com a diversão. De férias do colégio e da faculdade, os irmãos Paula Trindade de Oliveira, 17 anos, e Cesar Trindade de Oliveira, 21 anos, as primas Patricia Berg Trindade, 24 anos, e Natália Ekaterina Trindade Fagundes, 17 anos, e a amiga Débora Carneiro, 16 anos, mudaram-se para o balneário Bom Jesus, em Arroio do Sal, e só querem saber de relaxar.
- Ficar na rede atirada, tomar banho de sol... Não fazer nada é o que a gente faz de melhor - diz Paula.
O grupo chegou antes do Réveillon. Agora, divide a casa da família com o pai de Paula e Cesar, o servidor público Gilberto Cesar Barbosa de Oliveira, 52 anos.
Estudante de Direito, Cesar filho - ou Dedé - deveria ter voltado ao estágio na Capital no dia 2, mas a vontade de ficar no Litoral até o fim do verão acabou mudando os planos:
- É o segundo ano em que largo estágio para ficar na praia - conta.
A prima Natália fez o mesmo: depois de trabalhar por três dias no começo do mês, resolveu abandonar o estágio para curtir mais um verão. É ela que assume o papel de cozinheira. Diariamente, o grupo acorda na hora do almoço e decide o que vai comer. Passa no mercado para comprar os ingredientes, e Natália cozinha, auxiliada por Débora e Paula.
De barriga cheia, eles ficam na frente de casa, tomando chimarrão, jogados na rede ou nas cadeiras de praia. No meio do papo, alguém tem idéia de comer alguma guloseima.
- A Débora sempre quer comer. A gente faz alguma coisa, um negrinho, um pão de queijo - relata Paula.
Depois das 16h30min, eles caminham duas quadras e se instalam na areia, onde continuam "fazendo nada" até anoitecer. Quem se retira da orla antes do sol se pôr é Dedé, para o único programa com hora marcada: o futebol. Para os jovens, o melhor de passar o verão inteiro na praia é esquecer da vida normal na cidade.
- É ótimo não saber que dia é, que horas são - comemora Paula.
- Eu ando de relógio, mas como não tem hora para nada, nem olho - comenta Cesar.
- Às vezes até esqueço que existe Porto Alegre - resume Patricia.
Trabalho com badalação
A companhia inseparável do casal Adriana Azevedo de Mattos e João Silvestre de Andrade à beira-mar são quatro celulares. Empresários, eles estão em Capão da Canoa desde o dia 29 e pretendem ficar até o final de fevereiro, pelo menos, como fizeram nos últimos dois anos.
Na casa, alugada, a família se reveza. Irmãos e sobrinhos mantêm o vaivém constante. Às vezes, a lotação chega a 15 pessoas.
- A gente está sempre aqui. Como somos autônomos, conseguimos nos dar férias. Mas estamos sempre ligados para não deixar os clientes na mão - diz Adriana, 28 anos.
Freqüentemente, o casal precisa voltar à Região Metropolitana para algum serviço. Eles fazem decoração de festas, serigrafia em tecidos e são especializados em impressão de balões. Na semana passada, tiveram de se deslocar duas vezes a Porto Alegre e São Leopoldo para entregar uniformes e preparar uma festa. Procuram ir e voltar no mesmo dia, para fugir do calor da cidade.
Nada disso atrapalha o descanso. João, aficionado em vôlei, integra uma turma de mais de 50 pessoas, que mantém contato o ano inteiro. No verão, o ponto de encontro é a quadra de vôlei de praia, onde o empresário passa a maior parte do dia.
Aulas pensadas na areia
Passar o verão inteiro na praia é tradição na família da supervisora de ensino de Gravataí Roselia Silveira Nunes, 46 anos. Quando jovem, ela ia para a casa da avó, em Tramandaí. Depois de casada, comprou casa no balneário Jardim Atlântico. No verão, mal acabam as aulas, ela se transfere para a beira do mar e só sai dias antes de voltar às aulas.
- Não consigo nem imaginar como é Gravataí no verão ou o que seria de mim se estivesse lá agora - comenta.
Neste ano, o retorno está marcado para o dia 29 de fevereiro, quando tem reunião de professores. Não será o primeiro encontro de planejamento do ano letivo. Ao longo das férias, a casa de veraneio vira escritório: Roselia promove reuniões com as demais professoras - também veranistas. De posse de uma papelada de avaliações e relatórios, elas avaliam o ano que passou e projetam o próximo.
Enquanto Roselia vira tatuíra em Jardim Atlântico, a família se alterna. O marido, Selmar, 48 anos, e a filha mais nova, Tamara, 26 anos, se revezam no controle da loja dele, em Gravataí. Na metade de fevereiro, a temporada termina para o comerciante.
- Ele só volta no outro verão - diz Roselia, que vai à praia todos os fins de semana e nas férias de inverno.
- Tá louco, ficar aqui nesse fim de mundo! - diz ele.
Na turma do balneário Bom Jesus, em Arroio do Sal, teve até quem abandonou estágio para ficar na praia
Foto:
Daniel Marenco
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