| 31/08/2005 09h30min
Ameaças de morte que se repetem desde 2002 fizeram o oftalmologista João Francisco Daniel, de 60 anos, fechar a clínica médica que mantinha em São Bernardo do Campo (SP) e se mudar para Salvador (BA). O terrorismo anônimo, por telefone, começou quando o médico disse que integrantes da administração petista em Santo André (SP) teriam planejado o assassinato do seu irmão, Celso Daniel, prefeito daquela cidade.
Cotado para coordenador de campanha de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República, Celso Daniel foi seqüestrado no dia 18 de janeiro de 2002 quando voltava de um jantar com o amigo Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, que também havia atuado como seu guarda-costas. O corpo de Daniel foi encontrado dois dias depois numa estrada de terra, com 11 tiros e marcas de tortura. Sombra está denunciado por supostamente ter encomendado a morte a uma quadrilha, cujos integrantes estão presos.
Irmão mais velho de Daniel, João Francisco diz que o prefeito montou uma caixinha de arrecadação ilegal para a campanha presidencial cujos fundos iam parar nas mãos do deputado federal José Dirceu (PT-SP). Conforme o oftalmologista, apoiado pelo irmão Bruno, Daniel foi assassinado porque descobriu que o dinheiro do caixa dois estava sendo desviado por alguns participantes.
– O caixa 2 virou caixa 3. Petistas de Santo André estavam se locupletando com o dinheiro – disse João Francisco em entrevista concedida ontem a Zero Hora por telefone, de Salvador.
Amanhã, Daniel prestará depoimento à CPI dos Bingos sobre o caso. O assessor de imprensa de Dirceu, Nelson Breve, lembra que o deputado está processando o médico pelas afirmações. Dirceu nega a acusação.
A seguir, uma síntese da entrevista:
Zero Hora - Que provas o senhor tem de que Celso Daniel foi assassinado em função do caixa dois do PT?
João Francisco Daniel - A principal prova é um dossiê que meu irmão montou entre setembro de 2001 e o dia de sua morte. Ele foi torturado para revelar onde estavam esses papéis. Ali estão comprovantes bancários que mostram um fluxo de propinas das empresas de ônibus de Santo André para contas de pessoas do partido, sem conhecimento do meu irmão. Entre elas o Sombra, que se passava por melhor amigo do Celso e o traiu.
ZH - O seu irmão ajudou a montar o caixa dois?
Daniel - Infelizmente, sim. Ele sabia da arrecadação de propina e concordava, mas imaginava que só se destinava ao partido. Aquela história de "os fins justificam os meios". Quando descobriu que os fundos estavam sendo desviados para o bolso de colegas da administração petista, pensou em puni-los administrativamente, exonerá-los. Mas eles foram mais rápidos, e ele acabou assassinado. Existem provas apenas contra o Sombra - testemunhas dizem que o viram fumando tranqüilo, junto ao corpo desacordado do meu irmão, papéis que mostram seu enriquecimento súbito. Mas outros participaram do complô.
ZH - A quem se destinavam os recursos recolhidos pelo esquema?
Daniel - Ouvi de Gilberto Carvalho (ex-secretário de Celso Daniel e atual chefe de gabinete de Lula) que o dinheiro do caixa 2 era entregue pessoalmente ao deputado José Dirceu. Os dois podem não ter algo a ver com o assassinato, mas gerenciavam o destino final do suborno coletado. Carvalho me disse que levou uma vez R$ 1,2 milhão. Era uma prévia do esquema de financiamento que as CPIs descobriram agora. Vou repetir isso na CPI, não tenho o que esconder. Dirceu foge de explicações, mas meu irmão terá justiça.